Partido Trabalhista avança com moção de censura contra Theresa May

por Andreia Martins - RTP
Eddie Keogh - Reuters

O líder do Partido Trabalhista anunciou esta segunda-feira que vai propor uma moção de censura contra a primeira-ministra britânica na Câmara dos Comuns. Jeremy Corbyn considera que adiar para janeiro a votação do acordo para o Brexit é "inaceitável". Ao início da tarde, Theresa May tinha anunciado que o voto dos deputados ocorreria na semana entre 14 e 20 de janeiro.

O calendário apresentado esta tarde por Theresa May para a votação do acordo de saída do Reino Unido não agradou ao Partido Trabalhista. Por isso, o líder do principal partido de oposição no Parlamento britânico anunciou esta segunda-feira que vai avançar com uma moção de censura pessoal contra a primeira-ministra por esta ter adiado o voto para janeiro.

"É muito mau. É inaceitável que tenhamos de esperar quase um mês para votar nesta questão crucial para o futuro do nosso país. A primeira-ministra recusou-se a permitir o voto numa data com que tinha concordado, recusa-se a permitir o voto já esta semana, e agora quer que o voto aconteça a 14 de janeiro, praticamente daqui a um mês. Isto é completamente inaceitável", disse.Em caso de aprovação, a moção contra May pode ser "embaraçosa", mas não obriga à destituição do Governo nem à marcação de novas eleições.

De forma a "garantir que o voto aconteça ainda esta semana", o líder trabalhista avançou com uma moção de censura pessoal contra a primeira-ministra, por esta ter falhado, ao não ter permitido uma votação célere sobre o acordo de saída do Reino Unido da União Europeia.

A moção proposta pelo Labour não corresponde ao modelo tradicional de moção de censura que é geralmente apresentada contra um Governo - obrigando à sua destituição e convocação de novas eleições gerais - mas pode ser "politicamente embaraçosa" para a governante, como explica Laura Kuenssberg, editora de política da BBC.

Por não seguir um modelo clássico, não se sabe quando esta votação contra Theresa May poderá ocorrer, uma vez que não tem a mesma força que um voto de censura contra o Governo e que poderá ficar dependente do próximo debate dos partidos da oposição. Por outro lado, a demonstração de falta de disponibilidade por parte do executivo para dar espaço a esta votação pode ser interpretada como receio de um possível resultado desfavorável.

Ana Romeu, José Rui - RTP
Segunda moção em duas semanas?
O líder da principal força de oposição na Câmara tinha ameaçado ainda hoje que avançaria com uma moção de censura no Parlamento caso a primeira-ministra não definisse imediatamente uma data para o voto do acordo para o Brexit. Pressionada pelo Partido Trabalhista e restantes forças políticas, Theresa May anunciou ao início da tarde que o voto irá acontecer na semana entre 14 a 20 de janeiro.

A primeira-ministra confirmou ainda que a discussão sobre o entendimento para a saída do Reino Unido será retomada a 7 de janeiro na Câmara dos Comuns, após a interrupção do Natal, entre 21 de dezembro e 6 de janeiro.

"Muitos membros deste Parlamento estão preocupados e querem que tomemos uma decisão rapidamente. (...) Queremos voltar ao debate na semana que começa a 7 de janeiro e pretendemos votar o acordo na semana seguinte", disse a primeira-ministra esta tarde perante a Câmara dos Comuns.

Na semana passada, o Governo tinha apenas assegurado que a votação aconteceria seguramente antes de 21 de janeiro.

O voto dos parlamentares do acordo para a saída do Reino Unido da União Europeia chegou a estar marcado para 11 de dezembro. No entanto, à última hora, a líder do Governo britânico decidiu adiar a votação, não só porque estaria iminente que o seu entendimento seria rejeitado na Câmara dos Comuns, mas também porque se deparou com uma forte oposição dentro do próprio Partido Conservador.

O descontentamento de alguns tories levou mesmo a uma tentativa de destituição interna, com a apresentação de uma moção de censura dentro do Partido Conservador. Theresa May "sobreviveu" de forma confortável, tendo reunido o apoio de 200 deputados quando necessitava apenas do voto favorável de 159.

A moção de censura que é agora proposta por Jeremy Corbyn tem contornos completamente diferentes, uma vez que seria votada por todas as forças do Parlamento britânico e não estaria delimitada apenas ao Partido Conservador.

Ainda que tenha merecido a confiança de grande parte dos deputados conservadores e que consiga sobreviver à moção de censura do Partido Trabalhista, continuará a ser difícil para Theresa May conseguir a aprovação na Câmara dos Comuns do acordo negociado com a União Europeia em novembro.

Não só porque vários deputados mais conservadores não aceitam este entendimento e defendem um "hard Brexit", com uma saída da UE sem concessões, mas também porque outras fações políticas pretendem que a saída não aconteça.

Esta foi a primeira declaração da primeira-ministra ao Parlamento britânico após a cimeira europeia da semana passada, nos dias 13 e 14 de dezembro. No encontro de líderes em Bruxelas, Theresa May tentou obter garantias adicionais, ligadas sobretudo ao mecanismo de salvaguarda que evite o regresso de uma fronteira na ilha da Irlanda. Mas os 27 não fizeram qualquer cedência e Bruxelas recusa-se a fazer alterações ao acordo na parte relativa à separação entre Dublin e Belfast.

Na Câmara dos Comuns, Theresa May garantiu que expôs "com firmeza" as preocupações dos deputados britânicos ao Conselho Europeu e que as discussões com Bruxelas sobre o acordo "continuam". No entanto, a versão britânica contradiz o que é dito pela Comissão Europeia, que "mantém o apoio ao acordo e pretende prosseguir com a sua ratificação", não estando "aberta para renegociações".

Unionistas pedem "clareza"

A primeira-ministra britânica continua, ainda assim, a defender o acordo negociado entre o seu Governo e a Bruxelas, e reforça que este é o "único entendimento possível", na linha do que foi dito pelo presidente Jean-Claude Juncker.

"Qualquer proposta para a nossa relação futura (...) iria requerer a aceitação deste acordo de saída. O líder da oposição - tal como outros - estão a fingir que conseguem fazer isto de outra forma. Isso é uma ficção", frisou a primeira-ministra britânica.

Em resposta à governante, o Partido Democrático Unionista (DUP, na sigla em inglês), da Irlanda do Norte, pediu mais "clareza" quanto às concessões ainda se espera obter por parte da União Europeia na questão da fronterira.

Nigel Doods, líder dos unionistas, continua a recusar o acordo delineado por Londres e Bruxelas devido à inclusão de uma salvaguarda concebida para manter aberta a fronteira entre as duas Irlandas mesmo depois do Brexit, deixando assim intactas as principais alíneas do Acordo de Sexta-Feira Santa.

De recordar que o DUP, partido da Irlanda do Norte representado por dez deputados no Parlamento britânico, faz parte da coligação que sustenta o Governo minoritário de Theresa May desde as eleições de junho de 2017.

Uma das soluções alternativas que tem acolhido forte apoio em Londres - a hipótese de um segundo referendo sobre a saída do Reino Unido da União Europeia - é completamente descartada por Theresa May.

Um segundo voto popular sobre a matéria "provocaria danos irreparáveis à integridade da nossa política", considera a líder do Governo britânico.
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