Polónia vai a votos. Candidato surpresa põe em risco reeleição do atual Presidente

por Andreia Martins - RTP
A menos de quatro dias das eleições polacas, o Presidente candidato à reeleição, Andrzej Duda, reuniu-se com o homólogo norte-americano. Foi o primeiro líder internacional a visitar a Casa Branca após a pandemia de Covid-19. Carlos Barria - Reuters

Os polacos votam no domingo, dia 28 de junho, em eleições presidenciais. O escrutínio chegou a estar marcado para o início de maio mas acabou por ser adiado devido à pandemia de Covid-19. Nessa altura, Andrezj Duda, conservador de direita e aliado do partido no poder, parecia ter a reeleição praticamente garantida, mas nas últimas semanas houve um novo nome no boletim de voto a destacar-se durante a campanha, o liberal Rafal Trzaskowski, presidente da Câmara de Varsóvia, que poderá fazer adiar a decisão para a segunda volta.

A apenas quatro dias das eleições presidenciais polacas, Andrzej Duda procurou arrecadar apoios internacionais de peso do outro lado do Atlântico num encontro marcado à última hora. O Presidente polaco quer garantir a reeleição já este domingo e precipitou aquela que foi a primeira visita à Casa Branca por parte de um dirigente estrangeiro depois da pandemia de Covid-19.

Num país profundamente pró-americano e em que as relações transatlânticas são decisivas em questões de defesa, este antigo membro do bloco soviético olha com desconfiança para a ameaça russa, sobretudo desde a anexação da Crimeia em 2014. Por isso, as imagens e as declarações de quarta-feira, com o Presidente norte-americano ao lado do homólogo polaco, podem ter sido um impulso decisivo nesta reta final da campanha.

Em conferência de imprensa conjunta, Donald Trump assegurou que a relação entre os dois países está “mais próxima do que nunca” e sugeriu mesmo o envio de mais tropas norte-americanas para território polaco no âmbito das operações da NATO.

Recentemente, o Presidente norte-americano anunciou a decisão de retirar um terço das tropas destacadas na Alemanha na sequência do desacordo com Berlim sobre as contribuições germânicas para a aliança atlântica.

O líder norte-americano faz questão de destacar que, ao contrário da Alemanha, a Polónia é um dos membros da NATO que cumpre com a meta de gastos de 2 por cento do PIB em defesa. Aos jornalistas, Trump assumiu que alguns dos militares que pretende retirar da Alemanha poderão ser destacados para o país vizinho.

O hipotético reforço da presença militar dos Estados Unidos na Polónia é um dos poucos assuntos que reúne consenso de todos os partidos e mesmo da grande maioria dos polacos. Mesmo o principal adversário, Rafal Trzaskowski, reconhece a importância do apoio norte-americano, criticando apenas que a visita tenha sido usada "com intenção de fazer campanha".

Ainda assim, a cartada de Duda poderá não ter sido suficiente para evitar uma segunda volta, que se realizaria a 12 de julho. As últimas sondagens apontam para uma vitória do atual Presidente com 42 por cento dos votos, com uma diferença de 10 pontos percentuais para o segundo candidato mais votado. No entanto, e tal como em Portugal, o candidato presidencial só assegura a vitória na primeira volta se arrecadar mais de 50 por cento dos votos.
Poder de veto

Com cerca de 38 milhões de habitantes, a Polónia registava até finais de junho cerca de 33 mil casos e mais de 1.400 óbitos por Covid-19. Mesmo não tendo sido um dos países europeus mais atingidos pela pandemia, a situação obrigou ao adiamento das eleições presidenciais, que estavam marcadas para 10 de maio.

Durante a fase de confinamento, Andrzej Duda dominava as sondagens e tudo apontava para uma reeleição fácil. O Governo, controlado pelo partido aliado do Presidente, o PiS (Lei e Justiça), - que Duda já representou no passado, como membro do Parlamento e como eurodeputado - até tentou apressar o escrutínio com recurso ao voto por correio. No entanto, perante os receios de uma afluência muito reduzida devido à pandemia, as eleições acabaram por ser adiadas.

O impasse permitiu a entrada em cena de um novo candidato, o liberal Rafal Trzaskowski, presidente da Câmara de Varsóvia, substituindo a candidata apresentada em fevereiro pela Plataforma Cívica, Malgorzata Kidawa-Blonska. As sondagens dão-lhe até 32 por cento dos votos na primeira volta, sendo o segundo mais votado num total de 11 candidatos.

No entanto, as sondagens antecipam também a possibilidade de uma vitória de Trzaskowski no confronto direto com Andrzej Duda, em julho, com a união de toda a oposição em apoio ao candidato centrista.

Rafal Trzaskowski, presidente da Câmara de Varsóvia, durante uma ação de campanha que decorreu a dois dias das eleições. Kacper Pempel - Reuters

Presidente da Polónia desde 2015, Andrzej Duda tem sido um fiel aliado do Governo, promulgando a grande maioria das leis. O executivo, liderado pelo partido Lei e Justiça (PiS) tem sido acusado de medidas antidemocráticas que afastam o país dos ideais da União Europeia e de comprometer a independência e imparcialidade do poder judicial.

No final de 2019, o Parlamento polaco, dominado pelo partido do Governo, aprovou uma lei que permite a punição de juízes que, de alguma forma, critiquem ou contestem as reformas judiciais do Governo, sendo que os magistrados podem ser sujeitos a multas ou até demitidos das suas funções.

Na sequência dessa decisão, a União Europeia abriu em finais de abril um processo de infração contra a Polónia por violação do direito comunitário com a nova lei do sistema judiciário. Para Bruxelas, o novo enquadramento põe em causa a “independência judicial dos juízes polacos”.

A aprovação desta lei controversa do Governo do PiS - eleito pela primeira vez em 2015 e reeleito em 2019 - só foi possível com o aval do Presidente Andrzej Duda. Apelando aos polacos que não querem ver o país a isolar-se ainda mais no contexto da União Europeia, o principal rival do atual chefe de Estado polaco, Rafal Trzaskowski, promete fazer uso do poder de veto presidencial para bloquear a agenda conservadora do atual executivo.

"O Presidente Duda não é independente. Neste momento, precisamos de um Presidente  forte que possa contrariar o monopólio do Governo", frisou o autarca de Varsóvia.

Um editorial desta semana do britânico The Guardian sublinha que uma possível derrota de Duda “seria o revés mais grave para a direita populista” desde 2015, após as vitórias alcançadas nas eleições europeias e legislativas do ano passado.
Guerras culturais

Entre as questões de defesa no âmbito da NATO, as problemáticas ao nível judicial e os efeitos colaterais de uma pandemia, o Presidente Andrzej Duda optou por criticar o que designa por “ideologia LGBT”, apelando aos eleitores mais conservadores das áreas rurais num país que continua a ser predominantemente católico.

Durante a campanha, o atual chefe de Estado polaco prometeu “defender as crianças da ideologia LGBT” e considerou que as pessoas pertencentes a esta comunidade “não são normais”. Duda recusa-se a aprovar o casamento entre pessoas do mesmo sexo e vai mesmo ao ponto de comparar a “ideologia LGBT” ao comunismo.

“A geração dos meus pais não lutou por 40 anos para expulsar a ideologia comunista das escolas para que agora aceitemos outra ideologia, que é ainda mais destrutiva”, disse o candidato durante uma ação de campanha, citado pelo Financial Times.

Seguindo o exemplo de outros políticos populistas, o atual Presidente polaco procura o apoio da base mais conservadora e aposta na retórica agressiva e divisória, acenando com o fantasma de uma elite urbana que perdeu a ligação aos valores polacos, elite essa que procura associar diretamente a Rafal Trzaskowski. Mas alguns apoiantes de Duda temem que essa mesma retórica possa vir a ter efeitos negativos.

“Na Polónia, a direita populista tem por hábito acelerar as guerras culturais na hora de ir a votos. No passado, os muçulmanos foram descritos como inimigo interno. (…) No entanto, à medida que se aproxima o dia das eleições, há sinais de que o velho manual da polarização possa estar a falhar”, escreve o Guardian, perante as sondagens que admitem uma vitória de Rafal Trzaskowski na segunda volta.

No entanto, de acordo com Aleks Szczerbiak, especialista e professor de Ciências Políticas na Universidade de Sussex, no Reino Unido, a eleição poderá cair para qualquer um dos lados.

“Muitas das coisas que dão credibilidade [a Rafal Trzaskowsi] com o eleitorado cosmopolita – o facto de ter uma imagem muito urbana, muito educado, poliglota, muito liberal em questões sociais e culturais – são potencialmente as mesmas coisas que podem ser problemáticas. Ele situa-se bastante mais à esquerda em questões morais e culturais do que o centro de gravidade da política polaca”, considera o especialista em declarações ao Financial Times.

Ainda que a eleição presidencial seja interpretada como uma espécie de referendo ao atual Governo, o resultado será sempre renhido. “A opinião pública polaca está muito dividida quanto à avaliação que faz do Governo do PiS. Mesmo que as pessoas olhem para esta eleição como uma forma de votar contra ou a favor do Governo e da lei sobre os juízes, será tudo muito equilibrado e pode acabar de qualquer forma”, completa Aleks Szczerbiak.
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