Primeiro-ministro da Arménia por um fio após assinar acordo de paz com Baku

por RTP
Nikol Pashinyan, primeiro-ministro da Arménia, numa entrevista à Agência Reuters, em outubro de 2020, em Erevan Reuters

Ao fim de seis semanas de combates com o Azerbaijão, a Arménia aceitou segunda-feira um acordo de paz que vai ser vigiado por tropas russas estacionadas entretanto em Nagorno-Karabakh e que garante a Baku o controlo dos territórios ocupados desde finais de setembro, incluindo a maior cidade do enclave, Shusha, em azeri, ou Shushi, em arménio.

O acordo foi celebrado nas ruas do Azerbaijão, e apupado na capital arménia, Erevan, onde milhares de pessoas, apoiantes de vários partidos de oposição, se juntaram em protesto frente ao Parlamento, a exigir a demissão do primeiro-ministro.

Após o anúncio da paz, terça-feira, milhares de pessoas invadiram edifícios governamentais arménios durante a noite e a madrugada, culminando nas manifestações desta quarta-feira.

Os protestos levaram à detenção de alguns líderes políticos e mobilizaram a polícia de choque.

Um homem é levado pela polícia durante protestos na capital da Arménia, Erevan, contra um acordo de paz com o Azerbeijão, dia 11 de novembro de 2020 Foto: Reuters

Nikol Pashinyan, agora apelidado de "traidor", está por um fio. Após várias garantias de que as tropas arménias estavam a vencer, justificou a aceitação do acordo com o perigo de bancarrota. A guerra, disse, estava a esgotar os recursos do país e impunha-se o acordo face aos avanços do Azerbaijão.

Os seus detratores dizem que o acordo equivale a uma "derrota". Pashinyan negou-o mas reconheceu um "desastre" que assumiu pessoalmente."Assumo pessoalmente a responsabilidade por isto", escreveu Pashinyan no Facebook. "É um enorme fracasso, um desastre e lamento pela perda de vidas".

O primeiro-ministro arménio garantiu que assinou o acordo sob pressão das suas próprias chefias militares, que identificaram "certos problemas para os quais não há qualquer solução à vista"

Além de Shushi, as tropas arménias do enclave terão agora de entregar, até dia 1 de dezembro próximo, território perdido por Baku há mais de 20 anos.

O apelo à demissão de Pashinyan é ecoado por 17 partidos políticos e circula no país uma petição a pedir a nulidade do acordo, que entrou em vigor às 21:00 TMG de segunda-feira (mesma hora em Lisboa), após ter sido assinado pelo presidente azeri, Ilham Aliev, e o primeiro-ministro arménio, Nikol Pachinian, assim como pelo presidente russo, Vladimir Putin.

Prevê o fim do confronto militar e restaura uma calma relativa no enclave do Cáucaso do Sul, disputado pelos dois países. Os beligerantes mantêm "as posições que ocupam", referiu Putin ao subscrever o texto.

A paz será garantida por tropas de paz russas, que deverão manter-se em Nagorno-Karabakh nos próximos cinco anos, ao longo da linha de fronteira e um corredor entre o enclave e a Arménia.

Quase duas mil tropas, 90 blindados e 380 veículos, entre outro material, estão já no terreno, informou o Ministério russo da Defesa, tendo sido transportados nas últimas horas em mais de 20 aviões militares até Erevan.


No Azerbaijão, celebrou-se a "capitulação" arménia. Nagorno-Karabakh é internacionalmente reconhecido como parte integrante do Azerbaijão, mas a sua população, maioritariamente de origem arménia, não reconhece a soberania de Baku.

"Esta declaração  [de cessar-fogo] tem um significado histórico. Constitui a capitulação arménia e põe fim a anos de ocupação", assumiu o presidente azeri, Ilham Aliyev. Mais do que o bom sabor da vitória, Baku festeja a possibilidade de voltar a ter uma ligação terrestre à aliada Turquia através de um enclave azeri junto à fronteira.

Terá sido o envolvimento oficioso de conselheiros militares e turcos e de algum material militar a dar ao exército azeri a vantagem crucial que lhe permitiu conquistar os territórios perdidos e a cidade de Shushi. Esse terá sido um ponto de viragem, já que esta cidade se ergue num cume chave, acima de Stepanakert, a maior cidade de Nagorno-Karabakh, e da estrada que liga à Arménia.

Apesar das celebrações, em Baku alguns azeris lamentaram o fim do conflito, uma vez que, afirmaram, o Azerbaijão poderia ter conseguido mais e garantido o controlo de todo o enclave. "Estávamos quase a recuperar todo o Nagorno Karabakh", afirmou Kiamala Aliyeva, de 52 anos. "O acordo é muito vago. Não confio na Arménia e ainda menos na Rússia".

Durante as décadas das Repúblicas Soviéticas, Moscovo controlava toda a área.
Turquia mexe-se

Vladimir Putin anunciou que as pessoas deslocadas pelos recentes combates podem regressar a casa e que serão trocados prisioneiros de guerra e os corpos de mortos. Todas as ligações económicas e de transporte na área irão reabrir. O acordo deverá abrir caminho a uma resolução política duradoura dos combates que já mataram milhares de pessoas e forçaram à fuga de outras tantas, acrescentou.

O presidente da Turquia, Reccep Tayyip Erdogan, assinalou o acordo com um telefonema pessoal para Putin, seu aliado na Síria e noutras questões regionais. A Turquia, anunciou Erdogan, irá estabelecer um centro para controlar o cessar-fogo ao lado da Rússia, num local "da terra libertada da ocupação arménia".  A questão não ficou englobada no acordo, mas Moscovo já veio admitir a presença turca numa primeira fase.Erdogan tem assumido a ambição de fazer a Turquia regressar à influência regional do Império Otomano, contra interesses mais vastos, incluindo da NATO, da União Europeia e das monarquias muçulmanas do Golfo.

Apesar da sua recente proximidade a Ancara, o Kremlin poderá não ver com bons olhos a instalação permanente de observadores turcos em Nagorno-Karabakh, já que continua a considerar seus os recursos do sul do Cáucaso e os territórios da área, que controlou durante sete décadas do século XX.

Moscovo assinou com a Arménia um pacto de defesa e tem no país uma base militar. Nas últimas semanas não interveio no conflito em Nagorno-Karabakh, mas isso pode mudar. E, nesse caso, Baku veria provavelmente esfumar-se o apoio da Turquia. Para já, o Kremlin disse que tanto Putin como Erdogan tinham sublinhado a importância de uma cooperação próxima para garantir a implementação do acordo.

Tropas de paz russas instalaram-se a 11 de novembro de 2020 em Nagorno-Karabakh para vigiar por cinco anos um cessar-fogo entre a Amérnia e o Azerbeijão Foto: Reuters
Um xadrez mais vasto

Nos anos 90 do século XX, os arménios ditaram a perda para Baku de territórios no enclave, num conflito fez cerca de 30 mil mortos e centenas de milhares de refugiados. Em 1994, Nagorno-Karabakh  declarou independência do Azerbaijão mas os combates nunca cessaram completamente.

Um comunicado sobre o acordo de paz agora assinado, emitido por Paris que, ao lado da Rússia e dos Estados Unidos, tem mediado o conflito de Nagorno-Karabakh através do Grupo de Minsk, deixou no ar tensões com Ancara devido ao derramamento de sangue nestas semanas.

O gabinete do Presidente francês, que se tem oposto com veemência às tentativas turcas de controlo dos recursos petrolíferos do Mar Mediterrâneo, lembrou que qualquer acordo de longa duração deve ter em conta os interesses arménios e aconselhou Ancara a "parar com as provocações".

Outra potência regional da área, o Irão, igualmente aliado da Rússia e da Turquia na Síria, saudou por seu lado o acordo "entre a República do Azerbaijão, a República da Arménia e a Federação da Rússia, que conduziu a um cessar-fogo", referiu em comunicado o ministério dos Negócios Estrangeiros iraniano. 

Teerão pretende que esta trégua "se concretize em medidas definitivas que permitam estabelecer uma paz duradoura no Cáucaso de forma a permitir o regresso da calma e da prosperidade para as populações de todos os países da região e que contribua para apaziguar as atuais inquietudes", acrescenta o texto.

C/Lusa
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