"Questão da habitação é estrutural para o país", diz Alta-comissária para as migrações

por Lusa
facebook.com

A pandemia da covid-19 foi democrática, mas "o confinamento foi desigual" e deixou a descoberto os já menos protegidos, nomeadamente na questão da habitação, "estrutural para o país", considera a alta-comissária para as Migrações.

Formada em Economia e doutorada em Geografia, Sónia Pereira refletiu, em entrevista à Lusa, sobre o impacto da covid-19 entre as comunidades imigrantes e ciganas, assinalando que não têm chegado denúncias nem queixas de "algum tipo de perseguição" no que ao controlo da doença diz respeito.

Já as "carências habitacionais" são tema recorrente de quem contacta o Alto Comissariado para as Migrações. Essas carências habitacionais estão identificadas e o Governo "deu fôlego a esta área" para se encontrar novas soluções de habitação, frisa Sónia Pereira.

Sobre os denominados hostels - habitações onde chegaram a ser identificados alguns focos de transmissão do coronavírus -, "são uma situação temporária, transitória, para dar resposta a fluxos de requerentes de asilo que nos chegam de forma inesperada", assegura a responsável.

"É preciso encontrar soluções que, de forma robusta, permitam ao país dar resposta a este crescimento nos pedidos de proteção internacional", que há duas décadas eram muito diminutos, mas que têm crescido.

Sónia Pereira também relaciona a questão de não se conseguir interromper as cadeias de transmissão na Área Metropolitana de Lisboa com as condições de habitação.

O modelo de desenvolvimento da Área Metropolitana de Lisboa assenta em "residências muito periféricas, locais de trabalho longe das áreas de residência", o que, associado à "sobrerrepresentação de trabalhadores imigrantes em alguns setores" que se mantiveram em funcionamento durante o confinamento, explica o "impacto".

Além disso, lembra, "a situação da habitação em Lisboa já não era muito favorável quando tudo isto se iniciou" e tinha já levado, que a que "muitas pessoas fossem empurradas, cada vez mais, para fora das zonas mais centrais" da capital.

"A questão da habitação é estrutural para o país, é algo em que estamos a investir e a trabalhar, nomeadamente no acesso a soluções de habitação mais estáveis e duradouras e com menos nível de precariedade, que possam também passar por um investimento maior em concelhos fora da Área Metropolitana de Lisboa", frisa.

"Aquilo que aconteceu inicialmente é que nós fomos todos apanhados, todos com as nossas vidas, cada um no seu espaço habitacional e profissional, igualmente", observa Sónia Pereira.

Mas, distingue, "o confinamento foi (...) desigual", desde logo porque certos grupos de trabalhadores nunca deixaram de trabalhar - saúde, logística e distribuição de alimentos, limpezas, construção civil.

"O confinamento protegeu uma parte importante das pessoas", mas outras "tiveram que continuar a trabalhar". Ora, algumas dessas têm funções menos qualificadas, "vivem habitualmente em regiões mais periféricas, em condições habitacionais algumas delas mais precárias, com necessidade de deslocação em transportes públicos", descreve.

"A própria estrutura social opera de forma mais ou menos segmentada, que protege mais quem ocupa certos segmentos sociais e tem melhor forma de se proteger, quer pelas condições de habitação, quer pela possibilidade de realizarem teletrabalho, de se deslocarem em viatura própria", assinala a alta-comissária, constatando que esta desigualdade "não é novidade".

 

Tópicos
pub