RDC e Ruanda assinam acordo histórico de paz em Washington

O Ruanda e a República Democrática do Congo aceitaram um acordo de paz negociado por Donald Trump, que assinaram esta sexta-feira na capital norte-americana, aumentando as esperanças do fim de um conflito com três décadas, que já fez milhares de mortos e que levou à deslocação de centenas de milhares, só este ano.

Graça Andrade Ramos - RTP /
Donald Trump na sala Oval com os ministros dos Negócios Estrangeiros da RDC e do Ruanda, Olivier Nduhungirehe e Thérèse Kayikwamba Wagner Ken Cedeno - Reuters

O secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio, que tem estado a dirigir os esforços de paz, recebeu os ministros dos Negócios Estrangeiros dos dois países no Departamento de Estado, em Washington, para a assinatura do acordo.
Rubio sentou-se com os ministros a uma mesa no Edifício Harry S. Truman, onde decorreu a cerimónia de assinatura. Os três diplomatas e o público aplaudiram após a assinatura dos documentos.

"Estamos gratos a ambos", disse o Rubio. "Sei o quão difícil foi e o quanto trabalho foi investido."

O ministro dos Negócios Estrangeiros do Ruanda, Olivier Nduhungirehe, afirmou que o país "está pronto para trabalhar com a República Democrática do Congo no nosso compromisso conjunto".

A sua homóloga do Congo, Thérèse Kayikwamba Wagner, considerou o acordo de paz “um novo capítulo”. Mas ressalvou que, “no fundo, a carne ainda se vai lembrar”.

Os dois ministros e o secretário de Estado norte-americano foram apresentar os documentos assinados a Donald Trump, na Sala Oval.Muitas dúvidas

Os detalhes do acordo não foram imediatamente divulgados, mas o principal busílis é destino do nordeste da RDC, dominado há meses pelas milícias do M23, o Movimento 23 de março. 

A aplicação no terreno irá também ser complicada, numa altura em que prossegue a violência, e não se sabe de que forma os Estados Unidos e outras nações envolvidas nas negociações irão impor os termos de paz.

Apesar de histórico, o acordo é por isso amplamente visto como apenas uma parte do que precisará de ser um esforço muito mais amplo, uma vez que deixa de fora muitos dos principais protagonistas do conflito. Não só o M23, mas também o Uganda e o Burundi, que, tal como o Ruanda, têm tropas no leste da RDC.

O M23 ocupa atualmente grandes extensões das províncias orientais do Kivu do Norte e do Sul, depois de um avanço súbito no início de 2025, e está em processo de estabelecer na área administrações paralelas. 

Um esboço inicial do acordo mediado por Washington, a que o jornal The New York Times teve acesso, partia do pressuposto de que negociações de paz separadas entre a RDC e o M23, sediadas pelo Catar, já tinham resultado num acordo e na cedência do poder pelo M23. Mas isso ainda não se verificou.
Um argumento chamado cobalto

O M23 afirma-se defensor dos tutsis do Congo, que se dizem párias no seu próprio país, e tem o apoio do Ruanda. Integra a Aliança do Rio Congo (AFC-M23, em francês), uma coligação político-militar congolesa, que combate as tropas de Kinshasa pelo domínio do nordeste congolês.

A RDC acusa o Ruanda e os rebeldes de saquearem os recursos do país. O Congo é o maior fornecedor mundial de cobalto, e as empresas chinesas são as maiores empresas mineiras e compradoras.

Os dois países começaram a trabalhar nas minutas do acordo de paz há dois meses, e o Presidente Trump gabou-se do papel de mediador da sua administração, embora os conflitos prossigam. 

Trump afirmou no final de maio que Massad Boulos, conselheiro sénior do Departamento de Estado para África e sogro de Tiffany Trump, tinha ajudado a resolver a guerra. O governo do Catar também ajudou a intermediar o acordo.

"Estou um pouco fora do meu meio sob esse aspeto porque não sabia muito sobre o assunto", disse Trump sobre o conflito entre o Ruanda e a RDC. "Eu sabia uma coisa: eles estavam a lutar há muitos anos com machetes, e esta é uma das piores guerras que alguém já viu."

Trump indicou ainda que os Estados Unidos teriam acesso a minerais essenciais no Congo.
"Estão muito honrados por estarem aqui", disse Trump ao receber os diplomatas ruandês e da RDC na Sala Oval. "Esta é uma parte muito difícil do mundo".

Donald Trump prometeu milhões de dólares em investimentos na região em troca de metais estratégicos e terras raras.
Uma guerra que dura há décadas

No início do ano, a paz era um cenário que poucos ousavam esperar. Os dois países têm-se acusado mutuamente de interferência nos assuntos internos do outro e de tentar derrubar os respetivos governos.

O conflito tem raízes em décadas de conflito étnico, entre as etnias tutsi e hutu, com a guerra a desenrolar-se na zona dos Grandes Lagos do Congo, nas províncias norte e nordeste da RDC.

Kigali acusa Kinshasa de nada fazer para impedir os ataques das milícias hutu que vivem no leste da RDC e cuja etnia foi responsável ​​pelo genocídio dos tutsis, em 1994. As autoridades ruandesas afirmam que os hutus permanecem uma ameaça e precisam de ser enfrentados.Kigali referiu que, para este acordo de paz, a República Democrática do Congo se comprometeu a cessar o seu apoio aos militantes hutus.

O conflito cristalizou nos últimos anos em combates entre o exército congolês e o M23, liderado por elementos da etnia tutsi. 

No início de 2025, numa iniciativa relâmpago, o M23 tomou a cidade de Goma e levou à fuga de milhares de pessoas. A conquista da cidade provocou milhares de mortos.

Depois de Goma, os rebeldes do M23 avançaram sobre Bukavu, capital da província de Quivu. Declararam como objetivo varrer o país até tomar Kinshasa, mas acabaram a declarar unilateralmente um cessar-fogo, em fevereiro. A ONU, os países do G7 e a União Europeia apelaram as partes em conflito a regressar às negociações.

Pediram ainda uma “passagem rápida, segura e desimpedida de ajuda humanitária para os civis”, condenando igualmente a "ofensiva como uma violação flagrante da soberania da República Democrática do Congo".
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