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Rede elétrica de Espanha alertou em 2023 para necessidade de "medidas urgentes"

por Cristina Sambado - RTP
Borja Suarez - Reuters

A Rede Elétrica (REE) e a Comissão Nacional de Mercados e Concorrência (CNMC) de Espanha já tinham alertado em 2023 que havia risco de apagão devido à sobretensão que estava a ser gerada no sistema elétrico.

Dois anos antes do apagão de 28 de abril, o regulador subscreveu os argumentos do operador do sistema numa resolução publicada no Boletim Oficial do Estado (BOE).

O texto alertava para o facto de “as altas tensões na rede poderem provocar o desligamento intempestivo das instalações a ela ligadas”. Segundo o organismo na altura, os níveis de tensão eram “próximos ou mesmo superiores aos valores admissíveis”.
O operador admitiu “não dispor de ferramentas suficientes” para evitar que as tensões na rede de transporte atinjam valores “muito elevados”, acima das normas.


O desacoplamento do sistema consiste na desconexão automática de certas tecnologias ou instalações da rede em caso de excesso de tensão, de modo a evitar um colapso. Um episódio que ocorreu na última segunda-feira de abril.

O objetivo dos avisos era criar um grupo de trabalho para conseguir, através de ajustamentos técnicos nos grandes consumidores (a chamada indústria electro intensiva), controlar a tensão e evitar problemas.

O grupo propôs trabalhar em duas zonas específicas: Galiza e Andaluzia. A Comissão Nacional de Mercados e Concorrência validou então um projeto-piloto, que foi renovado no início de 2025 para recolher mais dados e que prossegue os trabalhos.No dia do apagão, os peritos e o chefe do Governo espanhol Pedro Sánchez explicaram que, às 12h33, 15 gigawatts de produção tinham sido subitamente desacoplados, o que equivalia a 60 por cento da procura nessa altura.

O documento da CNMC do final de 2023 assinalava que o risco poderia estar a “aumentar” se não fossem tomadas “medidas urgentes para o corrigir”. O órgão de supervisão presidido por Cani Fernández chegou a esta conclusão depois de a REE ter acreditado, num relatório técnico-económico realizado em setembro, que as horas de tensão acima dos níveis normais tinham triplicado entre 2021 e 2023.

A empresa revelou através de um gráfico que a hora de maior sobretensão nesse ano foi entre o final de abril e o início de maio. Ou seja, dois anos antes do apagão.
Ana Romeu | Correspondente da RTP em Madrid

Perante esse cenário, a Rede Elétrica começou a trabalhar, pelo menos a partir de 2022, em soluções para melhorar a segurança do abastecimento e aliviar os custos para o consumidor. O ponto de partida já era preocupante.

A empresa presidida por Beatriz Corredor afirmava no seu relatório do verão de 2023 que “a Rede Elétrica não dispõe de ferramentas suficientes para evitar que as tensões na rede de transporte atinjam valores muito elevados, excedendo por vezes os intervalos admissíveis estabelecidos nos regulamentos e provocando mesmo, em momentos específicos, a desconexão de instalações de produção e consumo devido a sobretensão”.A REE descreveu que o problema foi agravado por vários fatores, entre os quais destacou a “diminuição da procura peninsular que, em termos de energia anual, é semelhante ao que era há 20 anos e, em particular, a diminuição da procura industrial que cobria uma percentagem significativa da procura total em horas de vazio”.

Destacou também “o aumento muito significativo do mix energético de produção renovável, cogeração e resíduos (RCR) que, hoje [setembro de 2023], não segue os setpoints de tensão em tempo real, mas mantém intervalos fixos de fator de potência que não são eficazes para o controlo da tensão”.

Em terceiro lugar, a Rede Elétrica destacou a “diminuição do mix energético da produção síncrona (centrais térmicas a gás ou carvão, centrais nucleares, complexos hidroelétricos) que controla a tensão através de valores nominais fixos de tensão”.

Simplificando, o que a REE diz no relatório é que o sistema elétrico está a funcionar cada vez mais com centrais renováveis (assíncronas), que não fornecem firmeza.

Perante a mesma procura, isto leva a uma sobretensão (fluxo de energia superior ao que a rede pode suportar para cobrir a mesma procura de consumo). Esta sobretensão conduz, em última análise, a cortes de energia por razões de segurança (como quando se desliga a alimentação elétrica de uma habitação). Esta é precisamente a tese mais difundida pelo consenso de especialistas sobre o que aconteceu durante o grande apagão de 28 de abril.

Tanto o Governo, como a REE e a CNMC confirmaram que, antes do apagão nacional, se tinham registado valores anormais de tensão e frequência.
Falta esclarecer por que razão estes problemas de sobretensão não foram isolados e acabaram por deixar todo a Península Ibérica sem eletricidade.

Os grupos de investigação que estão a trabalhar na questão não esperam quaisquer conclusões a curto prazo. Apesar da falta de informação sobre as causas, o operador do sistema alterou radicalmente as suas operações e, desde 28 de abril, está a funcionar com menos energias renováveis e mais gás de ciclo combinado. O governo admitiu que agora quer ser mais cauteloso.

Há dois anos, a CNMC adotou a mesma linha que a REE, que pretendia que o seu parecer fosse o mais fundamentado possível. Um ano antes de lançar as suas conclusões, em julho de 2022, enviou o projeto de resolução à Direção-Geral de Política Energética e Minas (Ministério da Transição Ecológica) para comentários. Enviou também esta resolução ao Conselho Consultivo da Eletricidade, um órgão consultivo especializado que reúne os principais intervenientes no sector da energia e a Administração.

Na missiva, a CNMC já referia que “de acordo com a descrição fornecida pelo operador da rede na sua proposta, o sistema elétrico evoluiu nos últimos anos para se tornar um sistema cada vez mais capacitivo, o que está a provocar um aumento generalizado do nível de tensão na rede de transporte que, em determinados momentos, ultrapassa os valores máximos admissíveis. Estas tensões elevadas na rede podem levar à desconexão intempestiva de instalações ligadas à rede”.

Entre as razões que, segundo o supervisor, causaram o apagão estão a diminuição da procura de eletricidade e a implantação da produção distribuída, que teria exigido o crescimento das redes para permitir a sua evacuação.

Esta situação obrigou a uma utilização mais intensiva das ferramentas de controlo de tensão disponíveis no sistema, incluindo o acoplamento da produção convencional devido a restrições técnicas. Em momentos pontuais, mesmo com a ativação de todas as ferramentas de controlo de tensão disponíveis, os recursos não foram suficientes para garantir que os valores de tensão se situassem dentro das margens admissíveis estabelecidas”, acrescentou.Para fundamentar os seus avisos, o regulador documentou um incidente ocorrido em 24 de julho de 2021 no Boletim Oficial do Estado.

O painel de peritos composto pela empresas europeias de distribuição ENTSO-E e pelos operadores de redes de transporte (ORT) relevantes, bem como por representantes das autoridades reguladoras nacionais (ARN), publicou um relatório sobre um incidente que desligou a Península Ibérica do resto do sistema elétrico europeu continental durante aproximadamente uma hora em 24 de julho de 2021.

No apagão de 28 de abril, um dos primeiros efeitos documentados foi o corte da interligação entre Espanha e França, que isolou o problema a sul dos Pirenéus.As conclusões preliminares da REE, há quinze dias, logo após o apagão, excluíram a possibilidade de um ataque cibernético às suas instalações, segundo um funcionário do operador do sistema, que citou o trabalho realizado em coordenação com o Centro Nacional de Criptologia (ligado à CNI) e o Instituto Nacional de Cibersegurança (Incibe), que depende do Ministério da Transformação Digital.

Nas primeiras aparições após o chamado zero nacional, REE falou de uma grande oscilação de tensão e frequência antes da desconexão maciça da rede.

Há dois anos, a REE também pediu o controlo das “flutuações indesejadas”. Sobre esta questão, o documento salientava que “se tornou evidente que a ausência de capacidade reativa obrigatória pode provocar flutuações de tensão, associadas a variações das capacidades reativas, que podem pôr em causa a segurança do sistema”.
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