O Governo da Junta militar da Birmânia está a utilizar "leis repressivas" para silenciar os críticos e a bloquear protestos pacíficos por vezes de forma violenta, concluiu um relatório das Nações Unidas apresentado esta terça-feira diante do Conselho dos Direitos do Homem, em Genebra.
O "discurso de ódio tem rédea livre, sobretudo contra os Rohingya", a minoria étnica muçulmana do norte do país, acusou ainda o relator da ONU, ao apresentar o documento.
A brutalidade do exército birmanês contra esta minoria é aliás "dificilmente compreensível", lamentou Marzuki Darusman. "É um desprezo total pela vida humana", declarou.
O relatório tem 444 páginas e reúne as conclusões da Missão Internacional de Inquérito da ONU sobre a Birmânia, criada pelo Conselho dos Direitos Humanos da ONU em março de 2017.
Tal como no seu relatório de fim de etapa em agosto, a missão pede o afastamento dos chefes do exército implicados e o julgamento por genocídio do chefe de Estado Maior, Min Aung Hlaing, e de cinco outros altos comandantes.
Estimativa "prudente" aponta dez mil mortosA missão da ONU, que não foi autorizada a entrar na Birmânia, detalhou as suas conclusões após entrevistar mais de 850 vítimas e testemunhas, apoiando-se ainda em imagens satélite.
Mais de 700 mil rohingya fugiram em 2017 das violentas ações do exército e das milícias budistas, atravessando a fronteira para o vizinho Bangladesh, onde vivem desde então em campos de refugiados improvisados.
O exército birmanês afirma que nunca perseguiu a população e justifica as suas operações como uma campanha contra os rebeldes muçulmanos, após ataques contra esquadras de polícia em agosto de 2017.
A ONU diz que as operações militares foram "ilegais, inúteis ou desproporcionadas". Apela o Governo birmanês a definir, em coordenação com a Cruz Vermelha e o Bangladesh, um balanço do número de mortos ou desaparecidos, considerando "prudente" a estimativa de dez mil mortos avançada pela organização não governamental Médicos Sem Fronteiras.
Genocídio
Darusman descreveu, ao apresentar o relatório, como decorreram autênticos massacres nas aldeias Rohingya e a forma como a população, "cercada e separada de acordo com o sexo", não podia escapar.
"Os homens eram sistematicamente mortos". As crianças também, sendo os seus corpos lançados à água ou ao fogo. As mulheres eram normalmente violadas e muitas vezes "torturadas fisicamente e mentalmente".
"O alcance, a crueldade e a natureza sistemática [da violência sexual] revelam sem sombra de dúvida que a violação foi usada como tática de guerra", afirmou Darusman.
A responsabilidade recai sobre os generais de topo das forças militares de Myanmar, as tatmadaw, afirmou.
A ONU apelou assim a que estes sejam investigados e processados por alegado "genocídio no norte do estado de Rakhine, assim como por crimes contra a humanidade e crimes de guerra nos estados de Rakhine, Kachin e Shan" cometidos sobre a minoria islâmica Rohingya.
"Concluímos que", concluiu o relator, "os atos das tatmadaw e de outras forças de segurança se incluem em quatro das cinco categorias de atos de genocídio," com intenção expressa desse objetivo.
O relatório pede ainda que o poderoso exército birmanês seja excluído da vida política birmanesa.
As denúncias surgem no mesmo dia em que os responsáveis do Bangladesh anunciaram a transferência dos Rohingya refugiados no seu país, para uma ilha recém-formada na Baía de Bengala e que diversas ONG consideram "inabitável".
Tópicos