Relatório da ONU acusa de genocídio chefias militares da Birmânia

por Graça Andrade Ramos - RTP
Marzuki Darusman, chefe da da Missão Internacional de Inquérito da ONU sobre a Birmânia, criada pelo Conselho dos Direitos Humanos em março de 2017 Reuters

O Governo da Junta militar da Birmânia está a utilizar "leis repressivas" para silenciar os críticos e a bloquear protestos pacíficos por vezes de forma violenta, concluiu um relatório das Nações Unidas apresentado esta terça-feira diante do Conselho dos Direitos do Homem, em Genebra.

O "discurso de ódio tem rédea livre, sobretudo contra os Rohingya", a minoria étnica muçulmana do norte do país, acusou ainda o relator da ONU, ao apresentar o documento.

A brutalidade do exército birmanês contra esta minoria é aliás "dificilmente compreensível", lamentou Marzuki Darusman. "É um desprezo total pela vida humana", declarou.

O relatório tem 444 páginas e reúne as conclusões da Missão Internacional de Inquérito da ONU sobre a Birmânia, criada pelo Conselho dos Direitos Humanos da ONU em março de 2017.

Detalha em profundidade uma lista longa de abusos cometidos contra dos rohingyas, que são "os mais graves crimes face ao direito internacional".

Tal como no seu relatório de fim de etapa em agosto, a missão pede o afastamento dos chefes do exército implicados e o julgamento por genocídio do chefe de Estado Maior, Min Aung Hlaing, e de cinco outros altos comandantes.
Estimativa "prudente" aponta dez mil mortos
A missão da ONU, que não foi autorizada a entrar na Birmânia, detalhou as suas conclusões após entrevistar mais de 850 vítimas e testemunhas, apoiando-se ainda em imagens satélite.

Mais de 700 mil rohingya fugiram em 2017 das violentas ações do exército e das milícias budistas, atravessando a fronteira para o vizinho Bangladesh, onde vivem desde então em campos de refugiados improvisados.

O exército birmanês afirma que nunca perseguiu a população e justifica as suas operações como uma campanha contra os rebeldes muçulmanos, após ataques contra esquadras de polícia em agosto de 2017.

A ONU diz que as operações militares foram "ilegais, inúteis ou desproporcionadas". Apela o Governo birmanês a definir, em coordenação com a Cruz Vermelha e o Bangladesh, um balanço do número de mortos ou desaparecidos, considerando "prudente" a estimativa de dez mil mortos avançada pela organização não governamental Médicos Sem Fronteiras.
Genocídio
Darusman descreveu, ao apresentar o relatório, como decorreram autênticos massacres nas aldeias Rohingya e a forma como a população, "cercada e separada de acordo com o sexo", não podia escapar.

"Os homens eram sistematicamente mortos". As crianças também, sendo os seus corpos lançados à água ou ao fogo. As mulheres eram normalmente violadas e muitas vezes "torturadas fisicamente e mentalmente".
"O alcance, a crueldade e a natureza sistemática [da violência sexual] revelam sem sombra de dúvida que a violação foi usada como tática de guerra", afirmou Darusman.
A responsabilidade recai sobre os generais de topo das forças militares de Myanmar, as tatmadaw, afirmou.

A ONU apelou assim a que estes sejam investigados e processados por alegado "genocídio no norte do estado de Rakhine, assim como por crimes contra a humanidade e crimes de guerra nos estados de Rakhine, Kachin e Shan" cometidos sobre a minoria islâmica Rohingya.

"Concluímos que", concluiu o relator, "os atos das tatmadaw e de outras forças de segurança se incluem em quatro das cinco categorias de atos de genocídio," com intenção expressa desse objetivo.

O relatório pede ainda que o poderoso exército birmanês seja excluído da vida política birmanesa.

As denúncias surgem no mesmo dia em que os responsáveis do Bangladesh anunciaram a transferência dos Rohingya refugiados no seu país, para uma ilha recém-formada na Baía de Bengala e que diversas ONG consideram "inabitável".
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