Relatório. Gigantes da indústria farmacêutica mal preparados para uma próxima pandemia

por Joana Raposo Santos - RTP
O relatório independente, que monitorizou 20 gigantes da farmacêutica. Foto: Susana Vera - Reuters

As maiores empresas farmacêuticas do mundo têm, no último ano, dedicado todos os esforços ao combate contra a pandemia de Covid-19, procurando essencialmente vacinas que pudessem travar o novo coronavírus. No entanto, segundo um relatório independente, essas mesmas farmacêuticas não estão preparadas para uma próxima pandemia - que pode estar mais perto do que imaginamos.

O vírus Nipah, detetado inicialmente em 1998 e transmitido aos humanos por animais (morcegos ou porcos) ou por alimentos contaminados, é um dos que apresenta, segundo especialistas, um risco futuro de pandemia à escala global.

“O vírus Nipah é outra doença infeciosa emergente que causa grande preocupação”, avançou ao Guardian Jayasree Iyer, diretora da organização Access to Medicine, financiada pelos governos de vários países.

De acordo com a responsável, existe atualmente na China um surto do vírus Nipah com um nível de mortalidade perto dos 75 por cento. “O Nipah pode explodir a qualquer momento. E a nova pandemia pode ser uma infeção resistente a medicamentos”, alertou.

Este vírus zoonótico (que consegue ser transmitido a pessoas por animais) pode provocar nos humanos graves problemas respiratórios ou até encefalite (inchaço e inflamação do cérebro), mas pode também causar uma infeção assintomática.

Dependendo do local onde um surto deste vírus ocorre - para além da China, já foram detetados surtos no Bangladesh e na Índia -, a taxa de mortalidade por ele provocada pode variar entre os 40 aos 75 por cento.

Mas o Nipah é apenas uma das dez doenças infeciosas entre as 16 que foram identificadas pela Organização Mundial de Saúde como os maiores riscos para a saúde pública global. E para nenhuma delas existem projetos farmacêuticos em curso, segundo a Access to Medicine.

Entre essas doenças e vírus estão a Febre do Vale do Rift, doença viral mais comum na África subsariana, assim como a Síndrome Respiratória do Médio Oriente (MERS) e a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS).

O relatório independente da Access to Medicine revela que, apesar de vários anos de aviso sobre como novos vírus e coronavírus iriam acabar por provocar uma pandemia global, a indústria farmacêutica, assim como a generalidade da sociedade, continuava mal preparada quando brotou a pandemia de SARS-CoV-2.

E agora, mesmo depois do surgimento da Covid-19, essa falta de preparação em relação a outros vírus mantém-se.

Apesar de, no caso do SARS-CoV-2, as farmacêuticas terem conseguido atuar relativamente rápido – a pouco mais de um ano do início da doença, já foram aprovadas ou estão em desenvolvimento por todo o mundo 63 vacinas e medicamentos contra a Covid-19 -, não existe qualquer projeto para a prevenção de outras pandemias futuras. E, se estas pandemias vierem realmente a surgir, a criação de uma vacina pode não ser tão rápida como agora foi.

Um dos desafios das farmacêuticas é a resistência aos antimicrobianos, como antibióticos. “Em termos de resistência aos antimicrobianos, temos antibióticos que ainda funcionam, mas está a esgotar-se o tempo para arranjar substitutos”, explicou Jayasree Iyer ao Guardian. “A tuberculose, que antes pensávamos que poderia ser erradicada, está a espalhar-se em algumas comunidades devido a esta resistência aos medicamentos”.

Para a especialista, a menos que a indústria farmacêutica “se dedique seriamente a desenvolver antibióticos de substituição”, a resistência da população aos medicamentos irá “inevitavelmente” tornar-se a norma global.

Ainda segundo o relatório independente, que monitorizou 20 gigantes da farmacêutica e a disponibilidade dos seus medicamentos em 82 países de rendimentos baixos a médios, os esforços dessas empresas no desenvolvimento de novos fármacos continuam a focar-se em doenças como o VIH/SIDA, tuberculose, malária, cancros e, mais recentemente, Covid-19.

Outra conclusão deste relatório é que muitos medicamentos não estão a chegar a esses países de baixo e médio rendimentos. Vários anos após terem sido lançados, mais de 60 dos 154 produtos analisados pela Access to Medicine não são sujeitos a qualquer estratégia de acesso que passe por preços acessíveis ou doações a quem não os pode adquirir.
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