Republicanos, democratas e Constituição contra Trump. Adiamento das eleições fora de questão

por Joana Raposo Santos - RTP
"Adiem as eleições até que as pessoas possam votar de forma apropriada e segura", sugeriu Trump, opondo-se à votação por correspondência que está a ser planeada. Foto: Carlos Barria - Reuters

A proposta de Donald Trump de adiar as eleições presidenciais norte-americanas, agendadas para novembro, mereceu críticas por parte de republicanos e democratas, incluindo Barack Obama, que o acusou de "desencorajar" o voto. A sugestão do Presidente não deverá ser, porém, motivo de preocupação para os norte-americanos: segundo a Constituição, o líder da Casa Branca não tem o poder para alterar a data das eleições.

Desta vez, os membros do Partido Republicano não ficaram do lado do Presidente. Muitos no Congresso norte-americano, incluindo mais de uma dúzia na Câmara dos Representantes e no Senado, rejeitaram publicamente a proposta de adiamento das eleições presidenciais.

Entre os que se opuseram estão duas das vozes mais influentes do partido: o líder da maioria republicana do Senado, Mitch McConnell, e o líder da minoria republicana na Câmara dos Representantes, Kevin McCharty.

“Nunca na história deste país, que atravessou guerras, depressões e a Guerra Civil, deixámos de ter eleições na altura agendada. Vamos arranjar maneira de o fazer novamente a 3 de novembro”, argumentou McConnell à estação WNKY.

McCharty apoiou estas declações, sustentando que “nunca na história das eleições federais deixámos de as levar a cabo, pelo que devemos seguir em frente com as nossas próximas eleições”.

Também o senador republicano Lindsey Graham, aliado de Donald Trump, rejeitou a sugestão do Presidente. “Não penso que essa seja uma ideia particularmente boa”, considerou à CNN.

O senador John Tune, membro da liderança republicana, disse à CNN que haverá eleições em novembro, apesar do tweet do Presidente. “Penso que é uma afirmação que ganhará atenção dos meios de comunicação social, mas duvido que tenha algum impacto”, declarou. “Penso que tivemos eleições em novembro desde 1788 e espero que este ano aconteça o mesmo”.

O senador republicano Ted Cruz considerou que “a fraude eleitoral é um problema sério que tem de ser travado, mas as eleições não devem ser adiadas”. Posição semelhante à do senador Marc Rubio, que desejou que Trump “não tivesse dito essas palavras”. “Mas isso não altera nada: vamos ter eleições em novembro e as pessoas devem ter confiança nas mesmas”, acrescentou.
Obama: “Jogadas para desencorajarem o povo de votar”
A sugestão de Trump também não ficou indiferente aos democratas, que possivelmente temem agora que o Presidente não venha a aceitar os resultados das eleições de novembro em caso de derrota.

A crítica mais sonante partiu do ex-Presidente Barack Obama. “Enquanto estamos aqui sentados, os que estão no poder estão a fazer as jogadas mais ousadas para desencorajarem o povo de votar”, lamentou, num discurso no funeral do congressista e ativista dos direitos cívicos John Lewis.

Para o ex-Presidente, essas pessoas “estão a atacar os nossos direitos de votação com uma precisão cirúrgica, enfraquecendo até os serviços postais [essenciais na votação por correio à qual Trump se opõe], numa corrida a umas eleições que serão dependentes do correio e dos boletins postais para que pessoas não fiquem doentes” ao deslocarem-se fisicamente para votarem e arriscarem ser contagiadas pelo novo coronavírus.

Entre os democratas a reagir à sugestão de adiamento das eleições está também Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes, que respondeu à ideia de Trump com uma citação do Artigo II da Constituição norte-americana, que atribui ao Congresso a autoridade “para determinar a data em que os eleitores devem dar o seu voto”.
Trump não tem autoridade para alterar data
Foi na quinta-feira que Donald Trump lançou o tweet responsável pela mais recente contestação. “Com o voto universal a ser feito por correspondência, as eleições de 2020 serão as mais fraudulentas e imprecisas da história. Será uma grande vergonha para os EUA. Adiem as eleições até que as pessoas possam votar de forma apropriada e segura”, apelou o líder da Casa Branca.

Legisladores e especialistas apressaram-se a clarificar que o Presidente não possui a autoridade para fazer essa alteração, pelo que a mudança de data das eleições não deve ser uma preocupação para os americanos.

Tal como afirmou Nancy Pelosi, a Constituição norte-americana atribui ao Congresso o poder para estabelecer a data das eleições. Por essa razão, segundo especialistas, qualquer alteração exigiria uma emenda constitucional.

As eleições são, devido a uma lei federal de 1845, realizadas na primeira terça-feira após a primeira segunda-feira de novembro. Qualquer alteração a esta lei federal teria de ser aprovada pelas duas câmaras do Congresso – a dos Representantes e o Senado.

Mas, mesmo que ambas as câmaras (uma de maioria democrata e outra de maioria republicana) chegassem ao consenso de adiar as eleições, a flexibilidade na escolha de uma data não seria muita, pois a Constituição dita que o mandato do novo Presidente tenha início a 20 de janeiro e que o novo Congresso entre em funções a 3 de janeiro.
“As eleições mais fraudulentas da história”
Horas depois de ter enviado o tweet que gerou discórdia, Donald Trump negou numa conferência de imprensa na Casa Branca que a sua intenção fosse adiar as eleições, mas voltou a argumentar que as votações por correio deixariam em dúvida os resultados de novembro.

“Não quero adiar, quero ter eleições”, assegurou. “Mas também não quero ter de esperar três meses para descobrir que estão boletins de voto em falta e que as eleições não significaram nada”.

“Não quero ter eleições fraudulentas. E, se [a votação por correspondência] acontecer, estas serão as eleições mais fraudulentas da história”, acrescentou o líder.

O porta-voz da campanha eleitoral de Trump, Hogan Gidley, defendeu o Presidente ao garantir que o seu tweet tinha sido escrito em tom de pergunta, e não como uma exigência. “O Presidente está apenas a levantar uma questão sobre o caos que os democratas criaram com a sua insistência em votar por via postal”, explicou.

“[Os democratas] estão a utilizar o novo coronavírus como um meio para tentarem instituir a votação por correspondência universal, o que significa enviar a cada eleitor registado um boletim de voto, quer esse eleitor o tenha solicitado ou não”, frisou Gidley, o que, para Trump, pode levar a que pessoas sem consciência de voto acabem por votar.

Neste momento, cerca de metade dos Estados norte-americanos já permitem a qualquer eleitor registado a votação por correspondência caso este assim o prefira e o solicite.

Até agora, seis Estados já disseram estar a planear eleições por correio em novembro deste ano: Califórnia, Utah, Havai, Colorado, Oregon e Washington. Outros Estados estão a considerar essa opção.

Os que decidirem fazê-lo irão, em novembro, enviar boletins de voto por via postal a todos os eleitores registados, que no dia das eleições terão de os enviar de volta ou entregá-los em locais específicos. Em algumas circunstâncias, a votação presencial continuará disponível.
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