Sem máscara o vírus continua a disseminar-se mais, alertam cientistas britânicos

por Inês Moreira Santos - RTP
Peter Nicholls - Reuters

Depois de quase um ano e meio com limitações devido à Covid-19, o Reino Unido vai aliviar a maioria das restrições, abrir discotecas e clubes, deixar de obrigar o uso de máscara e o distanciamento social. É já na segunda-feira, dia 19 de julho, o já conhecido como "dia da liberdade". Mas vários especialistas britânicos têm apelado ao Governo britânico para reverter o desconfinamento e, pelo menos, manter obrigatória a proteção facial em locais fechados para minimizar a disseminação do SARS-CoV-2.

Nas vésperas de levantar as restrições em Inglaterra, as autoridades britânicas estão a registar novos aumentos de infeções. No sábado foram reportados 54.674 novos casos de Covid-19, o valor mais alto desde 15 de janeiro.

No entanto, mesmo com o número de infeções diárias a subir nos últimos dias, continua previsto o levantamento de grande parte das restrições impostas para controlar a pandemia. Boris Johnson determinou que, a partir de segunda-feira, se ia "restaurar as liberdades" em toda a Inglaterra, alertando, contudo, que a pandemia está longe de acabar.

Deixa, então, de ser obrigatório manter o distanciamento social, limitar o número de pessoas e usar máscara. Além disso, os bares noturnos e as discotecas podem reabrir, voltando já a funcionar como antes da pandemia a partir da meia-noite de segunda-feira.

Os cientistas britânicos, por sua vez, receiam as consequências deste desconfinamento e têm apelado a que, pelo menos, se continue a usar máscara em espaços públicos fechados. De acordo com os especialistas, a proteção facial limita a propagação do vírus em cafés, teatros e restaurantes.

"Prevejo que, quando os bares noturnos forem inaugurados na próxima semana, haja um aumento de casos", alertou o virologista Julian Tang, da Universidade de Leicester, numa entrevista ao Observer.

"As pessoas que vão às discotecas não estão totalmente vacinadas, não usam máscara e estão em contacto muito próximo, respirando pesadamente, gritando muito alto ao ritmo da música, misturando-se e dançando com diferentes pessoas. Esse é o cocktail perfeito para o vírus se espalhar".
"Se não usar máscara, o vírus espalha-se ainda mais"
Nos últimos dias, mesmo antes do alívio de restrições, os casos diários de Covid-19 no Reino Unido ultrapassam os 50 mil. Médicos de saúde pública e cientistas, considerando a evolução epidemiológica, estão a alertar para o risco de haver uma nova vaga no final do ano que obrigue o Governo a impor novo confinamento, se o número crescente de infecções continuar até ao outono. Por essa razão, esclarecem, o uso de máscara deve continuar obrigatório, apesar de o Governo de Boris Johnson não querer impor novamente essa medida.

"Se não usar máscara, o vírus espalha-se ainda mais. É tão simples quanto isso", disse Julian Tang, citado pelo Guardian.

As máscaras limitam a disseminação de partículas virais de uma pessoa infetada e reduzem a probabilidade de ser infetado por outra pessoa que teste positivo à Covid-19.

"As máscaras funcionam nos dois sentidos", recordou o especialista.

Se considerarmos que uma máscara "reduz em metade a transmissão, isso significa que para cada mil partículas de vírus que uma pessoa infetada expira, apenas 500 sairão através da sua máscara". Assim, continuou, "quando essas partículas atingirem outra pessoa, da mesma forma as máscaras destas vão garantir, pelo menos, uma redução duas vezes superior no número de vírus que alcançam a boca ou o nariz".

Por outras palavras, "das mil partículas de vírus que uma pessoa infetada exalou, apenas 250 ou mais vão atingir a outra pessoa. Isso reduz as taxas de infeção e é por isso que as máscaras são importantes".

Maioria das pessoas deve usar máscara para maior proteção

À semelhança do virologista, também Paul Hunter, professor de medicina da Universidade de East Anglia, apoia que se mantenha o uso de máscara em locais fechados.

"A maioria dos estudos são observacionais e propensos a todos os tipos de preconceitos, mas, em conjunto, há uma conclusão consistente de que as coberturas faciais têm benefícios tanto para proteger os outros se o individuo estiver infetado, como para proteger o individuo de outros", afirmou ao Observer.

"As estimativas variam, mas provavelmente reduzem a transmissão entre 10 a 25 por cento", acrescentou.

No entanto, e como explica Paul Edelsteins, é fundamental que haja aceitação pela maioria do uso de máscara.

"Uma boa proteção requer que a maioria das pessoas use máscara; usar um pano padrão ou uma máscara médica numa sala com pessoas infetadas e sem máscara provavelmente não oferece grande proteção", explicou o professor de patologia da Universidade da Pensilvânia.

"Basicamente, o uso da máscara deve ser feito pela maioria das pessoas para reduzir as taxas de infeção".

Edelsteins recorda que "há relativamente pouca transmissão ao ar livre quando há boa ventilação" e, por isso, "as máscaras geralmente são supérfluas nessas circunstâncias". No entanto, "estar às 'cotoveladas' e a gritar numa multidão ao ar livre é provavelmente um risco maior do que quando estamos a andar numa rua tranquila".

Catherine Noakes, por seu lado, considera que as pessoas deviam entender que não vão usar máscaras para sempre, que é para sua proteção enquanto há risco de contágio.

"Em tempos de prevalência de vírus muito alta, como estamos a viver agora, [as máscaras] começam a tornar-se realmente importantes", afirmou a professora de Engenharia Ambiental para Edifícios na Universidade de Leeds. "Quanto mais outras medidas de proteção são aliviadas, mais temos de garantir que as medidas que ainda temos estão a resultar, e encorajar as pessoas a usar máscaras de boa qualidade é uma das medidas mais importantes".

Quando estamos numa loja, num restaurante ou num transporte público onde há muitas pessoas, "há uma grande probabilidade de que uma delas esteja infetada". No entanto, "quanto mais pessoas usarem máscara nesses ambientes, maior será a redução na transmissão de vírus e infeções".
Cientistas internacionais apelam Reino Unido a reverter desconfinamento
Na sexta-feira, um grupo de cientistas internacionais apelaram ao Governo britânico para que repensasse e revertesse a decisão de suspender a maioria das últimas restrições à pandemia de Covid-19 em Inglaterra na segunda-feira, alertando para os riscos no Reino Unido e noutros países.

Num comunicado, este grupo de cientistas disse querer "soar o alarme sobre a perigosa resposta do Governo britânico ao aumento exponencial das infeções".

"Os ministros foram informados de que este plano provavelmente resultaria em um a dois milhões de casos nas próximas semanas e potencialmente em sete a 10 milhões até o final do ano, e um pico de mais de 100.000 casos por dia ao longo do verão", deploram os cientistas, incluindo os especialistas em saúde pública Walter Ricciardi e Michael Baker, que respetivamente aconselham os governos da Itália e da Nova Zelândia.

Os cientistas alertam para os riscos de "Covid longa" em pessoas infetadas e o desenvolvimento de uma nova variante resistente à vacina.

"A estratégia atual de infeção em massa corre o risco de prejudicar os esforços para controlar a pandemia não apenas no Reino Unido, mas também em outros países", alertam, instando o Governo a "reconsiderar urgentemente" seu plano.

O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, confirmou na passada segunda-feira que pretende suspender quase todas as últimas restrições de saúde ainda em vigor devido à pandemia até 19 de julho, incluindo a obrigatoriedade por lei do uso de máscara e distanciamento social. Determinado em "restaurar as liberdades", o líder do Partido Conservador argumentou que este é o "momento certo" para o fazer, apesar de a variante Delta do coronavírus, mais contagiosa, continuar a fazer subir o número de casos.

O Reino Unido, recorde-se, é um dos países europeus mais afetados, com mais de 128 mil  mortes, mas também um dos mais avançados na vacinação, estando mais 66 por cento dos adultos totalmente vacinados.
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