O Irão acumulou mais urânio enriquecido e continua a estender a sua influência por todo o Médio Oriente, apesar de tudo o que Israel fez para anular o acordo nuclear de 2015. Ao Jerusalem Post, um dos responsáveis por várias operações secretas dos últimos anos, destinadas a isolar e a prejudicar o Irão, não escondeu a insatisfação com o fracasso da estratégia israelita.
Por questões de segurança, o entrevistado só pode ser identificado pela inicial do seu primeiro nome, "A". Até há um mês, era um dos favoritos para substituir Yossi Cohen, o diretor dos serviços secretos israelitas, a Mossad, que se reformará em junho.O ex-diretor operacional da Mossad reformou-se em fevereiro, depois de perder o cargo de diretor dos serviços secretos israelitas para "D", que o antecedeu como subdiretor de Yossi Cohen. Dentro da agência, ambos são tidos em grande consideração e considerados capazes e apolíticos.
As críticas de "A" à forma foi gerido o dossier iraniano, têm um alvo direto, o atual primeiro-ministro de Israel.
Para "A", Benjamin Netanyahu atou a corda com que se enforcou, ao colocar-se "em completa oposição" à Administração Obama, o que reduziu a capacidade de Israel em mitigar buracos no Acordo nuclear iraniano.
Operações secretas
Em 2018, um dos objetivos do ataque da Mossad ao arquivo nuclear
iraniano foi obter material convincente para levar o então Presidente
norte-americano, Donald Trump, a retirar-se do Acordo firmado em 2015
pelo antecessor, Barack Obama, que punha um freio às aspirações
nucleares iranianas.
O problema foi que, referiu "A", apesar do programa nuclear iraniano ser uma ameaça existencial a Israel, pelo que devia ser a prioridade, o Governo de Netanyahu começou a misturar outros problemas, como o papel do Irão na região e o programa iraniano para contrabandear mísseis guiados para a milícia xiita libanesa Hezbollah e para as suas forças por procuração na Síria.
Ao tentar resolver todas estas questões de uma só vez, Netanyahu perdeu o foco e a capacidade de concentrar a pressão na redução da ameaça nuclear do Irão, concluiu o especialista em informações secretas.
Apesar de ter conseguido que Trump retirasse os Estados Unidos do Acordo nuclear, este não se dissolveu, como esperavam os israelitas. Antes se aguentou até à chegada à Casa Branca de um novo inquilino, Joe Biden, ex-vice-presidente de Obama e cuja estratégia com o Irão se baseia na diplomacia do regresso ao Acordo, sob condições, e não na oposição frontal.
"A" admitiu a sua frustração com o fracasso absoluto da estratégia. "Se olharmos para hoje, março de 2021, temos
uma situação na qual existe enriquecimento de urânio em Fordow,
regista-se atividade em Kashan, trabalha-se em Natanz, eles têm 2,5
toneladas de urânio enriquecido acumuladas e agora centrifugadoras
avançadas também", enumerou, referindo vários locais onde o Irão desenvolve o seu programa nuclear.
"Mas estamos num sistema democrático", acrescentou, numa aparente farpa a Netanyahu e num recado aos eleitores israelitas à beira de mais umas eleições legislativas.
À beira de (novas) eleições
Segunda-feira, Netanyhau convocou o ministro da Defesa Benny Gantz e o ministro dos Negócios Estrangeiros, Gabi Ashkenazi, do Partido Azul e Branco e seus rivais dentro do próprio gabinete, para debater a estratégia a seguir contra o programa nuclear iraniano e apresentar uma frente unida. Na reunião participaram também Yossi Cohen e o conselheiro para a Segurança Nacional, Meir Ben-Shabbat, eventuais futuros enviados especiais de Israel para as questões iranianas. Ambos respondem diretamente a Netanyahu.
"Esta é uma questão de suprema importância, certamente maior do que querelas politicas", referiu um alto responsável israelita à Agência Reuters.
"Tem de se garantir que todos remam para o mesmo lado e ninguém cai na tentação de falar mais do que deve na esperança de conseguir mais votos".
Israel deverá voltar às eleições legislativas no próximo dia 23, devido a desentendimentos na coligação entre o Likud e o Azul e Branco.
As sondagens preveem um descalabro para o centrista Azul e Branco de Gantz e de Ashkenazy, com o Likud de Netanyahu a manter vantagem apenas suficiente para tentar formar a próxima coligação.
Tanto Gantz como Netanyahu foram mantidos à margem das negociações de Netanyahu para normalizar as relações diplomáticas e económicas com outras potências regionais, como os Emirados Árabes Unidos, alcançadas no verão de 2020.
As novas relações entre Israel e os seus vizinhos árabes sunitas, muito criticadas por Palestinianos e seus apoiantes, foram uma vitória para o primeiro-ministro israelita e poderão ajudar a formar uma frente regional contra a ameaça iraniana, comum a todos, em contra-balanço pelo fracasso quanto ao Acordo.