Sudão. Bombardeamento matou dezenas de civis em mercado de Omdurman

Pelo menos 34 civis sudaneses foram mortos esta semana durante um bombardeamento indiscriminado num mercado na cidade de Omdurman, a oeste da capital Cartum, de acordo com o Ministério da Saúde. O ataque foi atribuído ao exército sudanês.

Carla Quirino - RTP /
Combates em Omdurman entre as forças sudanesas e os paramilitares Mostafa Saied - Reuters

O Sudão tem sido devastado por confrontos entre as Forças Armadas Sudanesas (SAF) e as Forças de Apoio Rápido (RSF). O conflito estalou em abril e já matou quase três mil civis e feriu outros seis milhares, segundo médicos que trabalham na região.

Omdurman assemelha-se a um campo de batalha, descrevem os locais. O mais recente ataque ocorreu às 8h00 da passada terça-feira (7h00 em Lisboa), e durou três horas, de acordo com testemunhas.Fontes médicas afirmaram que os projéteis foram disparados da base militar de Karri, controlada pelo exército sudanês, durante combates com as Forças de Apoio Rápido.

Em comunicado, o Ministério da Saúde confirma a morte de pelo menos 34 civis, entre os quais várias crianças.

A maioria das vítimas no souk de Shaabi eram comerciantes e proprietários de veículos de transporte. Este bairro é habitado principalmente por membros da tribo Rizagat, à qual pertencem Mohamed Hamdan Dagalo, chefe da RSF, e muitos membros de sua força principal, o que o torna um alvo das SAF.

Os moradores da cidade mais populosa do país descreveram esta semana como “a pior para vítimas civis desde o início da guerra em abril”.

Com a guerra, os preços dos alimentos aumentaram. Muitas pessoas com parcos recursos económicos passaram a ter que roubar nos mercados para sobreviver.

Um vendedor de vegetais citado na jornal britânico The Guardian explicou que “a maioria das vítimas eram pessoas que vieram para saquear o mercado”. 

“O mercado ficou muito perigoso, principalmente à tarde. Para além dos roubos, as pessoas podem simplesmente ser atingidas por bombas e morrer”, acrescentou.

Outro vendedor do mercado testemunhou que, até quinta-feira, alguns dos corpos das vítimas ainda permaneciam abandonados no chão sem qualquer pano por cima e que os “corpos de crianças estavam cobertos apenas por caixas vazias”.
Luta pelo poder entre duas forças
As estradas em redor do mercado e das áreas residenciais de Omdurman foram entretanto ocupadas por atiradores do exército, após os combatentes das RSF terem-se retirado das posições que ocupavam desde o início do conflito.

No passado sábado, 38 pessoas foram mortas no bairro de Dar es Salaam, em Omdurman, durante um ataque aéreo. As Forças de Apoio Rápido atribuíram o bombardeamento aos militares.

“Era início da noite e estávamos sentados do lado de fora com amigos quando um caça se aproximou”, disse Mohamed, uma testemunha que mora em Dar es Salaam. “Vimos a luz e ouvimos as explosões. As casas e carros de outras pessoas foram queimados”.

O morador relatou que uma família inteira foi morta enquanto dormia. “O pai trabalhava vendendo e comprando gado, é muito triste”, descreveu.

Mohamed acrescentou que alguns dos familiares dos mortos eram membros da RSF. “Eles às vezes trazem os veículos de combate [para o bairro]”, observou. “Esta pode ser a razão pela qual foram alvo. Muitas famílias já deixaram a área”.

As famílias da tribo Rizigat de Omdurman fugiram da cidade desde as hostilidades de sábado. “Temos que ir”, disse uma mulher que estava a fugir para o Estado de While Nile, ao sul da área das três cidades de Cartum. “Eles [o exército] mataram muitos de nossos parentes. Tememos ser alvo de um míssil dentro de nossas casas”.

Mais de três milhões de pessoas abandonaram a área de Cartum desde o início da guerra, segundo a ONU, o equivalente a cerca de 50 por cento da população.A população restante não pode sair por motivos de saúde ou financeiros ou porque vêm das voláteis províncias de Kordofan ou Darfur, onde os combates também foram particularmente ferozes.

Na quinta-feira, a ONU relatou que os corpos de dezenas de pessoas alegadamente mortas pelo RSF foram descobertos em uma vala comum no oeste de Darfur. El Obeid, capital do estado de Kordofan do Norte, agora está sitiada pelo RSF, e os civis lutam para aceder a bens essenciais. Os ataques indiscriminados a civis aumentam e são perpetrados por ambas as partes.

Vários acordos de cessar-fogo mediados por sauditas e norte-americanos entre os rivais em guerra foram insuficientes para pôr termo à violência no país.

Na semana passada, o secretário-geral da ONU, António Guterres, alertou que o conflito em curso no Sudão pode levar a uma guerra civil em grande escala.
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