Teste balístico dos EUA alimenta “tensões militares”, diz Rússia

por RTP
Lançamento de um míssil durante exercícios militares russos Sergey Pivovarov - Reuters

Na passada segunda-feira, os EUA anunciaram que foi executado um teste balístico na Califórnia, semanas depois de terem abandonado o tratado de armamento nuclear com a Rússia. Moscovo e Pequim acusam Washington de alimentar “tensões militares”. Rússia defende ainda que o lançamento do míssil revela uma estratégia dos EUA previamente planeada para o fim do acordo.

“Lamentamos tudo isto. Os EUA escolheram, de forma evidente, o caminho da escalada de tensões militares, mas não cedemos à provocação”, comunica o vice-ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Serguéi Riabkov, citado por agências russas.

As palavras de Serguéi Riabkov seguem-se ao comunicado dos Estados Unidos, na segunda-feira, a informar da realização de um teste balístico - o primeiro após o abandono, no passado mês de agosto, do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermédio (INF) com a Rússia, que vigorava ainda no tempo da Guerra Fria.

Em comunicado, o Pentágono divulgou que o teste foi realizado no passado domingo, às 14h30 (hora local), na costa da Califórnia.

“O míssil foi projetado de uma rampa de lançamento terrestre e atingiu o alvo com precisão depois de 500 quilómetros de voo”, acrescenta o comunicado.
Ao abrigo do tratado, o teste seria proibido, que impedia o lançamento de mísseis terrestres com um alcance de 500 a 5000 quilómetros.
Estratégia de Washington?
O vice-ministro russo dos Negócios Estrangeiros suspeita que os EUA já planeavam a retirada do acordo há bastante tempo, alegando que Washington dispôs de um “prazo extremamente apertado”, desde o abandono do tratado, para a realização deste teste balístico com sucesso.

"É quase impossível realizar um teste destes em tão pouco tempo, exceto se tiver sido preparado com antecedência. Essa é uma confirmação visível de que Washington há muito se preparava [...] para se retirar do tratado", argumenta.

Dmitry Peskov, porta-voz do Kremlin, afirma que Putin também comentou sobre estas alegações, afirmando que “tais testes só provaram que, desde o início, os americanos estavam determinados a fazer descarrilar o tratado e faziam preparativos para isso”.

O porta-voz sublinha que “não foi a Rússia, mas os Estados Unidos, com suas ações, quem provocou a rutura do INF”.
China de acordo com Rússia
Pequim também censurou o teste balístico dos EUA. Em sintonia com a Rússia, o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China, Geng Shuang, defende que o lançamento do míssil é "uma escalada de confrontos militares" que "terá sérias consequências negativas para a segurança regional e internacional".

Citado por agências locais, Geng Shuang acusou Washington de estar à procura de uma “superioridade militar unilateral” e deixou ainda uma mensagem ao Governo de Trump: “Aconselhamos o lado americano a abandonar noções antiquadas do pensamento da Guerra Fria e jogos de soma zero, e exercitar a contenção no desenvolvimento de armas”.
Pesadelo de Guterres torna-se realidade
António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, mostrava a sua preocupação com o fim do acordo, na altura da formalização da saída dos EUA, a 2 de agosto.

Guterres alertava que a morte do tratado iria “aumentar e não reduzir” a ameaça dos mísseis balísticos - uma ameaça que já se tornou realidade com o lançamento, no domingo, do primeiro míssil balístico pelos EUA desde a sua saída do INF.

Por sua vez, existe o receio de que o colapso do acordo possa levar a uma nova corrida ao armamento também por parte da Rússia e da China.

Apesar de Moscovo afirmar que não irá “ceder à provocação” dos EUA, o vice-ministro russo dos Negócios Estrangeiros diz também que a Rússia não permitiria que fosse “arrastada para uma corrida de armamento” e não planeava implantar novos mísseis, a menos que os EUA se precipitassem e o fizessem primeiro.
Vários dedos apontados
Desde que os Estados Unidos anunciaram a saída do INF, instalou-se uma guerra de acusações.

A Administração Trump culpou a Rússia como “única responsável” pelo “fracasso” do acordo, alegando que Moscovo violou os termos do tratado com o alegado desenvolvimento de um sistema de mísseis 9M729, com alcance de 500 quilómetros.

"A saída dos Estados Unidos, em conformidade com o artigo XV do tratado, entra em vigor hoje [2 de agosto] porque a Rússia não voltou a respeitar de forma total e verificável" o tratado, disse o chefe da diplomacia norte-americana, Mike Pompeo, em comunicado, acrescentando que as autoridades russas “rejeitaram sistematicamente" as tentativas de salvar o acordo.

A Rússia, por sua vez, refutou as acusações e responsabilizou Washington pela sua saída do acordo. Em comunicado, o Ministério dos Negócios Estrangeiros russo escrevia que “a 2 de agosto de 2019, por iniciativa norte-americana, termina a validade do tratado assinado no dia 8 de dezembro de 1987 em Washington pela União Soviética e pelos Estados Unidos sobre o fim dos mísseis de médio alcance”.

A NATO também entrou nesta guerra de incriminações, defendendo que a Rússia "é a única responsável pelo desaparecimento do tratado" por não ter destruído o novo sistema de mísseis.

"A Rússia continua a violar o tratado INF, apesar de anos de envolvimento dos Estados Unidos e dos aliados, incluindo a oportunidade final dada para, em seis meses, cumprirem as suas obrigações", disse a organização num comunicado de imprensa divulgado em Bruxelas, no início de agosto.
pub