Tropas ocidentais na Ucrânia. NATO desmente, Kremlin ameaça com conflito "inevitável"
A hipótese de envio de tropas ocidentais para o cenário de guerra ucraniano, avançada pelo presidente francês, Emmanuel Macron, esta segunda-feira, gerou uma cascata de reações, na sua maioria de repúdio imediato.
"Só o facto dessa possibilidade estar a ser debatida é um elemento novo muito importante", reagiu o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, considerando que o risco de um conflito direto entre os países NATO e a Rússia fica agravado. "Em tal caso, não falamos de uma probabilidade mas de uma inevitabilidade", afirmou.
A Aliança Atlântica já veio sublinhar que o envio de tropas não está a ser equacionado. "Não há qualquer projeto" para tal ocorrência, esclareceu um alto responsável da organização.
"A NATO e os seus aliados dão uma ajuda militar sem precedentes à Ucrânia. Fazêmo-lo desde 2014 e passamos a uma velocidade superior após a invasão russa. Mas não há qualquer projeto de tropas de combate da NATO no terreno na Ucrânia", afirmou a fonte.
Do lado ucraniano, a ideia foi acolhida com elogios.
"Qualquer debate sobre aumentar, expandir ou mudar a forma como ajudamos a Ucrânia só pode ser bem-vindo", disse Mikhailo Podolyak, conselheiro do Presidente Volodymyr Zelensky, na sua conta na rede social X.
Para Podolyak, o facto de novas formas de apoiar o esforço ucraniano face à invasão russa estarem a ser consideradas entre os parceiros de Kiev é um "sinal direto" dos riscos que a Rússia está a correr e de que tanto a Ucrânia como a Europa responderão de "forma consistente".
Para Podolyak, o facto de novas formas de apoiar o esforço ucraniano face à invasão russa estarem a ser consideradas entre os parceiros de Kiev é um "sinal direto" dos riscos que a Rússia está a correr e de que tanto a Ucrânia como a Europa responderão de "forma consistente".
Any discussion about increasing, expanding, or changing the formats of the aid provided towards Ukraine can only be welcomed. Because this is always a direct signal - the risks are clear, the stakes Russia is taking are obvious, and Ukraine and Europe will respond to these stakes…
— Михайло Подоляк (@Podolyak_M) February 27, 2024
Emmanuel Macron admitiu a falta de "consenso" em torno do envio de tropas para a Ucrânia, mas, desde o momento que fez sair a possibilidade dos gabinetes onde estaria a ser debatida, tornou-se impossível ignorá-la.
Esse seria aliás o objetivo do líder francês.
"Nada pode ser excluído. Faremos tudo o que for necessário para que a Rússia não possa ganhar esta guerra", afirmou Macron no Eliseu depois de uma longa reunião com mais de 20 chefes de estado e de governo de países aliados da Ucrânia.
"Não é uma opção" dizem Estocolmo, Berlim e Viena
O primeiro-ministro da Suécia, país ontem finalmente acolhido no seio da NATO, foi o primeiro a por água na fervura francesa.
O envio de tropas para a Ucrânia "não está em cima da mesa neste momento", disse Ulf Kristersson ao canal público sueco SVT.
"Não é nada relevante neste momento" e "não há procura" por parte da Ucrânia de tropas terrestres, argumentou. Portanto, "a questão não é atual", insistiu Kristersson, sem excluir essa possibilidade no futuro.
Mais acutilante foi a reação do chanceler alemão, Olaf Scholz. "Não haverá nenhuma tropa no terreno, nenhum soldado será enviado para solo ucraniano, seja pelos Estados europeus, seja pelos Estados NATO", declarou numa visita a Friburg. "É importante desde sempre garantir isso", acrescentou, afirmando que existe "uma grande unanimidade sobre esta questão" entre os países aliados da Ucrânia.
O ministro alemão da Defesa, Boris Pistorius, secundou o chanceler. "Tropas no terreno não é uma opção para a República Federal da Alemanha", vincou, ao lado da sua homóloga austríaca, Klaudia Tanner.
Também a Áustria, pela voz do seu ministro dos Negócios Estrangeiros, rejeitou a ideia lançada por Emmanuel Macron, criticando uma posição contra uma "perspetiva diplomática" do conflito.
"Não houve manifestamente consenso sobre este assunto ontem em Paris", afirmou Alexander Schallenberg. "É bastante espantoso vir falar de um assunto que não reuniu consenso e criar assim um debate de que não necessitamos".
A Áustria é um dos únicos países da União Europeia a não fazer parte da NATO. Esta segunda-feira em Paris, o seu chanceler, o conservador Karl Nehammer, apelou à abertura de negociações de paz com urgência.
Portugal, através do primeiro-ministro António Costa, preferiu sublinhar à saída da reunião no Eliseu, que o principal é manter o apoio à Ucrânia num quadro de esforço conjunto e de cooperação entre os aliados.
Posição que mereceu a anuência de Luís Montenegro.
"Prudência" italiana e "unidade" espanhola
Espanha, República Checa e Polónia rejeitaram igualmente a ideia avançada pelo presidente francês.
Pilar Alegria, porta-voz do executivo espanhol, considerou preferível "concentrar-nos naquilo que é urgente, a saber, a entrega de material "militar a Kiev. "A arma mais eficaz" e necessária à disposição dos europeus é a sua "unidade", insistiu.
Itália afirmou "não prever" o envio de tropas, europeias ou da NATO.
"Desde o início da agressão russa, há dois anos, tem existido uma coesão plena de todos os aliados quanto ao apoio a fornecer a Kiev", sublinhou o governo de Georgia Meloni em comunicado. "Este apoio não prevê a presença no território ucraniano de tropas dos Estados europeus ou da NATO", acrescentou o texto.
De visita a Zagreb, o chefe da diplomacia italiana apelou à "prudência extrema" neste assunto. "Não devemos surgir como em estado de guerra com a Rússia", explicou Antonio Tajani.
Após um encontro com os seus homólogos checo, polaco e eslovaco, em Praga, também o primeiro-ministro húngaro, Viktor Órban, afastou a possibilidade do envio de tropas, ele que se opõe mesmo ao envio de armamento para a Ucrânia.
"A Hungria não irá enviar tropas para a Ucrânia", garantiu.
Hipótese em estudo
Fonte militar europeia indica que a ideia é bem acolhida pelos Estados Unidos, mais do que entre os restantes membros NATO. Mas o envio de forças combatentes não está em cima da mesa, garantiu a Casa Branca esta terça-feira.
"O
presidente Biden tem sido claro, que os EUA não irão enviar tropas para
combater na Ucrânia", afirmou a porta-voz do Conselho Nacional de
Segurança, Adrienne Watson.
A Administração Biden está mais concentrada em desbloquear no Congresso a aprovação dos fundos prometidos para ajudar o esforço de guerra ucraniano e israelita.
A Administração Biden está mais concentrada em desbloquear no Congresso a aprovação dos fundos prometidos para ajudar o esforço de guerra ucraniano e israelita.
O facto é que a possibilidade do envio de tropas já estará a ser debatida nos gabinetes europeus há algumas semanas.
A confirmação veio do primeiro-ministro eslovaco, Robert Fico. "Há países que estão prontos a enviar os seus próprios soldados para a Ucrânia, outros dizem ´nunca' - a Eslováquia inclui-se nestes - e outros ainda estimam que esta proposta devia ser estudada", declarou segunda-feira à noite.
Emmanuel Macron lembrou que noutras ocasiões também muitos entre os aliados rejeitaram outras ideias. "Muitas pessoas que dizem 'nunca' agora eram as mesmas que diziam 'nunca os tanques, nunca os aviões, nunca os mísseis de longo alcance', há dois anos", referiu.
A Assembleia Nacional francesa mostrou-se contudo esta tarde refratária à ideia do país enviar soldados para a Ucrânia, gerando um vivo debate entre o Governo e a oposição.
Kiev confirmou a perda de 31.000 soldados na guerra contra a Rússia e apelou novamente aos aliados para enviarem mais armamento. A União Europeia enviou até agora um terço do milhão de projeteis prometidos até março, afirmou o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky.
Em Paris, os aliados decidiram formar "uma coligação para os ataques em profundidade" e para fornecer "por isso, mísseis e bombas de médio e longo alcance", conforme anunciou Macron.