Trump admite ter desvalorizado a Covid-19 mesmo sabendo que era "altamente mortífera"

por Mariana Ribeiro Soares - RTP
Jonathan Ernst - Reuters

Numa entrevista ao jornalista Bob Woodward, o presidente dos EUA admitiu que sabia desde fevereiro que o vírus SARS-CoV-2 era bastante perigoso e "mais mortal" do que a gripe comum, apesar de nos meses seguintes sempre o ter desvalorizado. "Quis sempre minimizar a gravidade", disse Trump.

Numa série de entrevistas com o jornalista Bob Woodward, Donald Trump admitiu que no início do ano recebeu informações detalhadas sobre a ameaça do novo coronavírus e sabia que era cerca de cinco vezes “mais mortal” do que a gripe.

“Este vírus é mortal”, disse o presidente dos EUA ao jornalista a 7 de fevereiro, apesar de nos meses seguintes sempre ter desvalorizado a Covid-19, assegurando que o vírus “iria desaparecer” e tudo iria “correr bem”.

No livro intitulado “Rage” ("Raiva", em português), ao qual a CNN teve acesso, Woodward publicou as entrevistas com Donald Trump e descreve-o como um presidente que traiu a confiança da população e as suas responsabilidades mais fundamentais.

“Apenas respiramos o ar e é assim que ele se transmite”, disse Trump ao jornalista. “Por isso é um vírus muito complicado, é muito delicado”, acrescentou. No entanto, a imagem que Trump deixava transparecer para o público era muito diferente.

A 22 de janeiro, questionado pela CNBC sobre se a pandemia era motivo de preocupação, Trump respondeu: “Não, de forma alguma. Temos tudo sob controlo. Vai correr tudo bem”. Mais tarde, a 10 de fevereiro, o presidente norte-americano previa que em abril, “quando ficar um pouco mais quente, [o vírus] desaparece milagrosamente” e a 26 do mesmo mês, ao comentar sobre os primeiros casos de infeção registados no país, Trump afirmou: “Em breve estaremos com apenas cinco pessoas. E poderemos estar com apenas uma ou duas pessoas nos próximos dias. Então, tivemos muita sorte”.

Trump justificou ao jornalista que “sempre quis minimizar a gravidade” da situação. “Ainda gosto de minimizar, porque não quero instalar o pânico”, acrescentou o presidente numa entrevista a 19 de março, mesmo depois de ter declarado emergência nacional dias antes devido à pandemia.

Só em meados de março, depois de ter declarado o estado de emergência, Trump admitiu publicamente que sempre achou “que era uma pandemia muito antes de ser chamada de pandemia”. No entanto, a falta de tomada de medidas para combater o vírus, desde o aumento da capacidade de testagem, à distribuição de equipamentos de proteção aos profissionais de saúde e ao uso obrigatório de máscara, conduziu os EUA ao primeiro lugar da lista de países mais afetados pela pandemia, com mais de 180 mil mortos e seis milhões de infetados.

Especialistas acreditam que, ao invés de “minimizar a gravidade”, se Trump tivesse agido antecipadamente ao decretar um confinamento rigoroso e apelar ao uso de máscaras e cumprimento das normas de higiene, milhares de vidas norte-americanas poderiam ter sido salvas.
“O vírus não tem nada a ver comigo”
No livro – a ser lançado a 15 de setembro –, o jornalista Woodward revela ainda novos detalhes sobre os alertas que Trump recebeu e que, na maioria das vezes, ignorou.

A 28 de janeiro, o conselheiro de segurança nacional, Robert O’Brien, já alertava Trump que o SARS-CoV-2 seria “a maior ameaça à segurança nacional” da sua presidência. No entanto, Trump continuava a desvalorizar publicamente o risco da Covid-19.

Em maio, Woodward perguntou ao presidente norte-americano se se lembrava deste mesmo aviso do seu conselheiro. “Não, não me lembro”, respondeu Trump.

Mesmo ignorando todos os alertas sobre os perigos de infeção pela Covid-19, Trump não deixou de assumir todo o crédito relativamente ao combate à pandemia no país, destacando sempre o seu “excelente trabalho”.

Na sua última entrevista em finais de julho, Trump voltava a colocar as responsabilidades pela pandemia na China. “O vírus não tem nada a ver comigo”, disse Trump ao jornalista. “Não é culpa minha. A China deixou o maldito vírus sair”, sublinhou.
“Trump é o homem errado para o cargo”
A consciente minimização da gravidade do novo coronavírus por parte de Trump é apenas uma das muitas revelações no livro “Rage”. Woodward divulga ainda opiniões de vários antigos e atuais conselheiros de Donald Trump sobre o próprio presidente. O antigo secretário de Defesa dos EUA, James Mattis, é citado como tendo apelidado Trump de “perigoso” e “incompetente”. De acordo com Mattis, Trump “não tem bússola moral” e tomou decisões de política externa que mostraram aos adversários “como destruir a América”.

O livro revela ainda que depois de ter deixado o Governo, Mattis discutiu com o ex-diretor de Inteligência Nacional, Dan Coats, se deveriam avançar com uma “ação coletiva” para falar publicamente contra Trump.

Woodward revela ainda duras apreciações por parte de funcionários atuais à política de Trump em relação à pandemia. Entre eles está Anthony Fauci, o principal especialista em doenças infecciosas da Casa Branca, que não tem poupado nas críticas ao presidente norte-americano ao longo dos últimos meses. Fauci é citado no livro a afirmar que Trump estava “sem rumo” e que a sua “capacidade de atenção é como um número negativo”. “O seu único objetivo é ser reeleito”, disse Fauci, de acordo com Woodward.

Após as suas 18 entrevistas ao presidente norte-americano, Woodward conclui que Trump é como “dinamite atrás da porta” e termina o seu livro com a certeza de que “é o homem errado para o cargo”.
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