Trump e a Rússia. Mueller sempre vai falar sobre a investigação

por Paulo Alexandre Amaral - RTP
Há três semanas, Mueller afirmou não ter condições para ilibar o Presidente na questão relativa à obstrução da investigação Jim Bourg - Reuters

Tinha dito que não abriria mais a boca sobre o assunto, mas os democratas da Câmara dos Representantes conseguiram “convencer” o ex-procurador especial Robert Mueller a quebrar esse juramento. Duas intimações vão obrigar Mueller a apresentar-se dentro de três semanas, a 17 de julho, perante comissões da Câmara dos Representantes para falar publicamente sobre a investigação ao alegado conluio da campanha de Trump com agentes do Kremlin para garantir a vitória presidencial na corrida de 2016 à Casa Branca.

A 17 de junho, contra todas as promessas feitas aquando da apresentação do relatório, Robert Mueller vai tomar o seu lugar nas comissões judicial e de serviços de informações sob o argumento de que “os americanos têm o direito de ouvir directamente de si acerca da sua investigação e das suas conclusões”.

No final de maio, o procurador especial anunciava a retirada de cena com a ideia de que o relatório era por si suficiente para serem retiradas as conclusões sobre o conluio com a Rússia e a tentativa do presidente Donald Trump de obstruir a investigação. E que não voltaria a abrir a boca sobre o assunto, mas não será assim.

O anúncio das audições foi feito pelos presidentes das duas comissões da Câmara dos Representantes: “Os americanos exigiram ouvir directamente do procurador especial para que possam perceber o que foi examinado por ele e pela sua equipa”.

A equipa legal de Trump reagiu entretanto ao anúncio das audições. Jay Sekulov, advogado do presidente, declarou à CBS que “o procurador especial disse publicamente que o relatório era o seu testemunho. Eu espero que o seu testemunho seja o relatório”.

Há três semanas, Mueller assinalava que não havia provas suficientes para determinar o conluio entre a campanha de Trump e o Kremlin. Afirmou também que não tinha condições para ilibar o Presidente na questão relativa à obstrução da investigação.
Entregue em março

O relatório de Robert Mueller foi entregue no último mês de março após uma investigação de quase dois anos. Quando abordou o documento, no final de maio, o procurador especial resumiu as conclusões. A reação do Presidente seria violenta.

Vinte e dois meses e 32 milhões de dólares depois, não eram estas as guidelines que serviam a vontade do Presidente. A primeira: não é possível ilibar com toda a certeza o Presidente. Segunda: fosse qual fosse a conclusão, não haveria condições para indiciar o Presidente em exercício face à Constituição.

Um apêndice à investigação foram as suspeitas de que o Presidente norte-americano terá procurado travar o trabalho da equipa do procurador especial. Sobre este aspeto, em conferência de imprensa, Robert Mueller sublinhou que Trump não é inocente na tentativa de obstrução. Neste caso, por exemplo, fica em aberto a questão sobre as reais motivações por trás da decisão de Trump de demitir o diretor do FBI James Comey.

“Se tivéssemos a certeza de que o Presidente não cometeu nenhum crime, assim o teríamos dito”, declarou Mueller.

Apesar de toda a teia descoberta relativamente a contactos entre alto responsáveis da sua campanha com figuras posteriormente ligadas ao Kremlin, inclusive do seu filho mais velho, Donald Trump Jr., com uma advogada em plena sede de campanha, na Trump Tower, Trump acabou por sair relativamente inocentado da alegada colaboração na operação russa para influenciar as presidenciais.

Nas suas palavras, concluído o trabalho, o que ficou foram “provas insuficientes” para acusar a equipa de campanha de conspirar com a Rússia para ganhar vantagem na corrida eleitoral de 2016 à Casa Branca. O mesmo não é tão claro no que toca ao cenário de obstrução. O relatório de Mueller apontou dez os casos em que o presidente terá tentado impedir a investigação.

Entretanto, independentemente do veredicto sobre as suspeitas de conluio que acompanham Trump como uma sombra desde que esta Administração entrou em funções, Mueller confirmou há um mês as suspeitas dos analistas políticos e de alguns membros do Partido Democrático: este é o tipo de processo que nunca serviria de catalisador a um impeachment e que não sustenta por si só um processo contra um Presidente em exercício.

“Um Presidente não pode ser acusado da prática de um crime federal enquanto exerce o cargo. Isso seria inconstitucional. Seria injusto acusar potencialmente alguém quando depois nenhum tribunal poderia julgar essas acusações”, explicou Robert Mueller.

“É necessário um outro tipo de processo que não o judicial para acusar formalmente o presidente em funções de ter cometido alguma irregularidade”, propugnou o procurador especial, no que foi visto como uma sugestão à intervenção da esfera política para alavancar o impeachment. Contudo, nem todos os democratas se inclinam nessa direção, havendo a tese de que será mais vantajoso concentrar as forças na eleição de 2020.

A própria speaker da Câmara dos Representantes, a democrata Nancy Pelosi, integra essa corrente e não o escondeu quando na altura reagiu às palavras do procurador: “O Congresso vai continuar a investigar e a legislar para proteger as nossas eleições e a nossa democracia [porque] os norte-americanos devem saber a verdade”.

Merece contudo atenção a ideia com que Mueller terminou aquela que disse que seria a sua última declaração à imprensa sobre o relatório, especialmente dirigida aos americanos: “Reitero que a alegação central das nossas acusações, de que houve múltiplos, sistemáticos esforços de interferir nas nossas eleições [por parte de Moscovo]. E essa alegação merece a atenção de todos os americanos”, concluiu o procurador especial.
Os percalços da Presidência
Há dois anos sob suspeita do mais grave dos crimes que poderiam ser atribuídos a um Presidente, o de traição, Donald Trump sempre se disse alvo de uma perseguição sem fundamento, uma espécie de “caça às bruxas”. Desde que entrou na Casa Branca, o caminho de Trump tem sido marcado pelo atrito, não só nas relações com os democratas como também com os elementos da sua própria equipa, com um entra e sai da Administração como nunca foi registado em mandatos presidenciais anteriores.

O resumo do relatório de Mueller alinhavado pelo procurador-geral Bill Barr – nomeado em fevereiro para substituir Jeff Sessions, que começava a criar pruridos no Presidente – chegou no final de março em auxílio de Trump, para deixar na altura a ideia de que ficavam dissipadas todas as suspeitas de contacto com elementos que estariam ligados a Vladimir Putin aquando da corrida às Presidenciais de 2016.

Bill Barr foi o procurador-geral talhado para libertar – na medida exacta – o Relatório Mueller. Quatro páginas foi a decisão. Duas conclusões fatídicas para os democratas: não houve conluio e Donald Trump não obstruiu a Justiça, uma manobra apontada à estratégia democrata na altura em que acabava de garantir o domínio da câmara dos representantes.

Uma declaração de Barr provocou então o júbilo do Trump: “A investigação não estabeleceu que os membros da campanha Trump tenham conspirado ou se tenham coordenado com o governo russo durante a campanha eleitoral”.

Esta leitura do documento não apaga contudo as sucessivas demissões na equipa de Trump, substituições de procuradores e condenações mais ou menos graves dos seus colaboradores mais próximos, como foi o caso de Paul Manafort e Michael Cohen.

Um dos visados nas investigações foi o próprio primogénito de Trump no referido episódio com a advogada russa na Trump Tower, um caso que seria comentado pelo ideólogo da campanha. Steve Bannon falou de traição e trapalhada de Donald Trump Jr., o que levaria ao afastamento definitivo entre Trump e Bannon, com ataques e acusações mútuas de loucura e insanidade que chegaram a animar a imprensa no início de 2018.
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