Trump e Kim em Hanói para desencravar desnuclearização

por Paulo Alexandre Amaral - RTP
As ruas de Hanói estão preparadas para receber Donald Trump e Kim Jong-un Kim Kyung Hoon - Reuters

Desnuclearização da Península Coreana. O objetivo mantém-se inalterado do primeiro para o segundo encontro entre Donald Trump e Kim Jong-un, que começa esta quarta-feira na capital do Vietname. Desde que há oito meses os líderes norte-americano e norte-coreano se encontraram em Singapura, poucos foram de facto os progressos neste dossier. Muito focados na fotografia final, Trump e Kim saíram desse encontro inaugural com um plano de intenções mais simbólico do que concreto.

O facto de não haver sinais de reais progressos na desnuclearização da Península Coreana não significa, porém, que o encontro histórico de Singapura, a 12 de junho do ano passado, tenha produzido um resultado nulo. Antes de tudo, serviu para aliviar a tensão na região, onde os receios de uma escalada eram razão de inquietações para os sul-coreanos, principais aliados dos Estados Unidos naquela zona do globo.

Na verdade, os meses que antecederam a reunião histórica tinham começado a produzir esses efeitos positivos sobre a questão norte-coreana. O mundo já tinha por hábito assistir aos testes nucleares de Pyongyang, seguidos do Presidente americano a redobrar o nível ofensivo da sua linguagem para com o líder norte-coreano, quando, na esteira das reuniões preparativas do encontro de Singapura, e depois das ameaças de um ataque com “fogo e fúria”, Trump fez inversão de marcha à retórica belicista para surgir com um inusitado “Nós apaixonámo-nos”. Ele e Kim Jong-un, “And then, we fell in love”. “Ele escreveu-me cartas lindas”, justificou o Presidente norte-americano.

O final da Cimeira de Singapura, durante o qual estiveram reunidos a sós, foi marcado por sorrisos e abraços, uma cordialidade sem suspeitas que alimentou mais a imprensa do que a diplomacia bilateral. Donald Trump viria dizer que estabeleceu “laços muito especiais” com Kim Jong-un, o que abria caminho a um novo tipo de relação entre os dois países. Kim Jong-un era agora visto como “muito inteligente”, um negociador “muito digno e difícil”, o oposto do epíteto de "Rocket Man" com que o brindara escassos meses antes.

Pyongyang mostrava-se finalmente empenhada em trabalhar pela "completa desnuclearização" da península, reiterando a promessa na declaração de Panmunjom, a 27 de abril, no encontro entre Kim Jong-un e Moon Jae-in, o Presidente sul-coreano.

Contudo, um embróglio ficou dessas rondas negociais até hoje, véspera da Cimeira de Hanói: estão ainda por definir os detalhes do processo de desnuclearização da Península Coreana. E é nesse sentido que Hanói deverá produzir o que falhou no pós-Singapura: “progressos reais”.
Agenda presidencial

Um mestre da propaganda em nome próprio, o Presidente Trump não tem deixado de tirar proventos do encontro de há oito meses. Disse-o em voz alta para inimigos e aliados que "se não fosse o presidente os Estados Unidos e a Coreia estariam agora numa guerra terrível".

Sempre no mesmo sentido, tal como Singapura, também Hanói irá ajudar Donald Trump na preparação da recandidatura à Casa Branca. Não é por acaso que uma das divisas que saiu dessas rondas negociais com Kim Jong-un foi a promessa de desnuclearização da Península Coreana até 2020.

E, para cantar vitória, é possível que Trump possa vir a baixar a fasquia em relação à Coreia do Norte. Seja por vir a tornar-se mais realista, seja por essa pressa de assinar um acordo com alíneas concretas, o mais provável é que as exigências norte-americanas venham nestes dois dias no Vietname fazer o seu caminho numa linha ténue, sem o bluff de 2018. Mas, não esquecendo que o secretário de Estado Mike Pompeo manteve uma agenda activa de quatro reuniões com Pyongyang nos últimos meses, não é de desprezar que o resultado de Hanói esteja já definido e os procedimentos de quarta e quinta-feira sejam meramente cerimoniais.
Pedras no caminho

Com a reunião a ter como cabeças-de-cartaz Donald Trump e Kim Jong-un, na sombra permanecerá o suspeito do costume: Pequim, na pessoa do Presidente chinês, Xi Jinping.

O líder coreano não dará um passo sem a bênção do seu maior – aliás, único – aliado. E Trump sabe-o, devendo igualmente ter consciência de que a guerra comercial que aqueceu nos últimos meses com a questão das taxas às importações da China desempenhará esta semana o seu papel à mesa das conversações.

Já em junho passado o encontro de Singapura havia sido antecedido por uma visita discreta à China, onde Kim Jong-un, numa altura de relações conturbadas com o o seu mentor, procurou um gesto de reconciliação antes de avançar para qualquer contacto com os Estados Unidos.

Consciente de que precisa da China para uma pressão final no dossier da efetiva desnuclearização da Coreia do Norte, Trump aliviou nos últimos dias o discurso sobre a taxação das importações chinesas, manifestando-se disponível para um acordo a contento das duas partes. O novo posicionamento da Administração norte-americana não terá deixado de ter em vista que o aliviar da tensão com Pequim será fundamental para evitar que uma intervenção silenciosa da China venha a minar um acordo sobre o arsenal nuclear norte-coreano.
A escolha de Hanói

Hanói não foi uma escolha feita ao acaso. Outrora inimigo declarado dos Estados Unidos, o Vietname mantém agora uma relação saudável com Washington, que poderá estar aqui a mostrar aos norte-coreanos como um regime isolado foi em três décadas capaz de operar uma mudança na sua estrutura socio-produtiva que lhe permite agora manter um tecido económico robusto e uma integração nos mercados internacionais.

Depois de romper com a ortodoxia comunista, o Vietname aderiu à Organização Mundial do Comércio (mantém acordos comerciais multilaterais com várias nações), sendo agora um importante parceiro económico e aliado de defesa dos Estados Unidos.

Mais aprazível para a estrutura mental da liderança norte-coreana será, no entanto, o facto de o Partido Comunista do Vietname ter liberalizado a economia sem garantir do outro lado da moeda direitos civis ou políticos aos seus cidadãos. Uma mão-de-ferro sobre a imprensa é outro dos primados de que o regime não abdica.
pub