Vacinar crianças contra a Covid-19? "É uma decisão de saúde pública"

por Carlos Santos Neves - RTP
Em Israel, a vacinação de crianças entre os cinco e os 11 anos começou na segunda-feira numa praça de Telavive Corinna Kern - Reuters

O Governo “não tem nada planeado para já” no que diz respeito à potencial vacinação de crianças abaixo dos 12 anos de idade contra a Covid-19, processo que está a decorrer em diferentes países, incluindo Israel e os Estados Unidos. Quem o indicou foi o líder do CDS-PP, à saída de uma das rondas de audições aos partidos com assento parlamentar que antecedem o anúncio de medidas para conter o aumento de casos no país. A Sociedade Portuguesa de Pediatria defende a análise desta via, desde que combinada com a avaliação de medidas de confinamentos nas escolas. As dúvidas persistem igualmente no seio da Ordem dos Médicos.

“Há crianças que estiveram fora das escolas por duas ou três vezes e, se os números começarem a aumentar, isto vai complicar-se para níveis muito preocupantes”, afirmou à RTP Inês Azevedo, presidente da Sociedade Portuguesa de Pediatria.
”Achamos que é importante que, se a Agência Europeia de Medicamentos aprovar essa vacina, a comissão científica da Direção-Geral da Saúde analise e pondere a vacinação de crianças”, continuou a responsável, para admitir que é necessário mais conhecimento sobre a evolução dos casos de infeção em ambiente escolar.

“Isto é, saber se as crianças que estão a infetar outras crianças, o que na literatura não tem sido descrito como um problema importante, ou se, pelo contrário, não existe transmissão de criança a criança e, nessa altura, se calhar, não é necessário fazermos estes confinamentos excessivos”, completou.

A Agência Europeia de Medicamentos deve anunciar esta quarta-feira se dá luz verde à incoculação de crianças entre dos cinco aos 11 anos com a vacina da Pfizer/ BioNTech.
Ouvida também pela agência Lusa, Inês Azevedo deixou claro que “só se conseguirmos diminuir os confinamentos prolongados e recorrentes das crianças vale a pena vacinar nesta idade, dado que a doença grave é muito rara nestes grupos etários”.

“É uma decisão de saúde pública, em que os responsáveis terão de ter em conta não só os números atuais, como perceber se através da vacinação é possível reduzir as medidas de confinamento que têm sido impostas até ao momento nas escolas e que estão a prejudicar seriamente as crianças”, insistiu.

Nas últimas semanas, verificou-se um aumento em 60 por cento da incidência das infeções pelo SARS-CoV-2 em menores até aos nove anos. Ainda assim, Jorge Amil Dias, que preside ao Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos enumera dúvidas.

“Como é que foram obtidos estes números de crianças positivas? Foi em internamento hospitalar, em unidades de cuidados intensivos? Ou foi meramente porque havia um caso positivo numa escola e testaram toda a gente na escola?”, questiona-se Amil Dias.

Entretanto, a Direção-Geral da Saúde já reativou uma comissão técnica de pediatras, que se debruçará sobre a questão.
“Nada planeado para já”
Na terça-feira, à saída da audiência com o primeiro-ministro, António Costa – a ronda de auscultações dos partidos com assento parlamentar prossegue esta quarta-feira -, o presidente do CDS-PP adiantou que o Executivo está comprometido com a prioridade à terceira dose da vacina entre a população mais idosa, até ao Natal. E não tem “nada planeado para já” no que toca às crianças.

“Sobre as crianças o Governo não tem nada planeado para já. Até ao Natal, o compromisso que o Governo fez também com o CDS é que iria priorizar a terceira dose ao grupo dos mais idosos e aqueles que ao longo dos últimos tempos têm perdido eficácia na vacina de acordo com os estudos que vieram a ser revelados também pelos mesmos especialistas”, afirmou Francisco Rodrigues dos Santos.

“Tivemos ocasião de colocar essa pergunta ao senhor primeiro-ministro porque, de acordo com os dados que foram facultados pelos especialistas na semana passada, a maior incidência do vírus ocorre nessa janela, dos cinco aos 11 anos”, concretizou o dirigente partidário, acrescentando que “a letalidade é quase zero nessas faixas etárias”.

Na antecâmara das audições dos partidos, à margem do 9.º Congresso Nacional dos Economistas, em Lisboa, António Costa escusava-se ontem a antecipar novas medidas, remetendo para quinta-feira um eventual anúncio, na esteira da reunião do Conselho de Ministros.
A experiência israelita
Em Israel, a vacinação de crianças entre os cinco e os 11 anos começou na segunda-feira numa praça de Telavive, com um primeiro grupo reduzido de pais e menores. O Estado hebraico debateu-se em junho passado com uma quarta vaga de infeções, que começou a atenuar-se em setembro. Todavia, nas últimas duas semanas, o Rt recomeçou a subir.

Metade das infeções confirmadas abrange crianças de 11 anos e mais novas.O Canadá autorizou na sexta-feira a utilização da vacina da Pfizer em crianças dos cinco aos 11 anos de idade, após o que as autoridades locais descreveram com uma “avaliação científica rigorosa e indenpendente”. Nos Estados Unidos, os Centros de Controlo e Prevenção de Doenças recomendaram igualmente, logo no início de novembro, a vacinação a partir dos cinco anos. Trata-se de 28 milhões de crianças.

Dos 9,4 milhões de israelitas que compõem a população do país, 1,2 milhões são menores na faixa etária dos cinco aos 11 anos. Neste mês de novembro, esta faixa representa já mais de um terço dos novos casos, segundo o Ministério da Saúde.

Cientistas e responsáveis políticos consideram improvável que se alcance uma suficiente imunização da população sem que as crianças recebam a vacina.

O Governo de Israel calcula que uma em cada 3500 crianças infetadas pelo novo coronavirus venha a desenvolver uma síndrome inflamatória multissistémica, ou seja, com repercussões para o coração, os pulmões, rins, cérebro e pele. A maior parte destes casos implica internamentos em unidades de cuidados intensivos e um a dois por cento resulta em morte.

Um relatório do Ministério israelita da Saúde mostra que, entre mais de 13 mil crianças observadas, 11 por cento patentearam sintomas que perduram no tempo. Destas, 1,8 a 4,6 por cento, dependendo da idade, continuavam a manifestar sintomas seis meses após a infeção.

De acordo com uma sondagem realizada naquele país do Médio Oriente, 41 por cento dos pais de menores dos cinco aos 11 anos estão convictos dos benefícios da vacinação. Outros 21 por cento disseram-se indecisos e 38 por cento batem com a porta à vacina.
Outros países
Em junho, as autoridades chinesas validaram a administração de duas das suas vacinas, a Sinopharm e a Sinovac, a crianças entre os três e 17. O Camboja está, de resto, a aplicar as vacinas chinesas em crianças entre os seis e os 11 anos.

Cuba também já começou a fazer a vacinação de crianças com imunizantes de fabrico próprio. A Venezuela deu início à vacinação de 3,5 milhões de crianças entre os dois e 11 anos com a vacina cubana Soberana II.

O Chile foi o primeiro país da América Latina e o segundo no mundo, depois da China, a autorizar o uso da CoronaVac em crianças e, na Argentina, a vacina da Sinopharm pode ser administrada a menores a partir dos três anos.

Na Europa, cerca de 200 crianças com idades entre os cinco e os 11 anos começaram a ser vacinadas na Áustria, ao abrigo de um projeto-piloto; o alargamento à escala nacional depende da posição da Agência Europeia de Medicamentos.

As autoridades sanitárias de Itália aguardam a mesma indicação para principiar a vacinação a partir dos cinco anos.

c/ agências

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