Wikileaks. Justiça britânica bloqueia extradição de Julian Assange para os EUA

por Andreia Martins - RTP
O fundador da Wikileaks marcou presença em tribunal esta segunda-feira. Vikie Flores - EPA

A justiça britânica anunciou esta segunda-feira a decisão sobre o pedido de extradição do fundador do Wikileaks, reclamado pelos Estados Unidos. De acordo com a juíza, o bloqueio da extradição tem por base as "condições mentais" de Julian Assange e o "risco" de suicídio.

A decisão foi proferida esta segunda-feira pela juíza distrital, Vanessa Baraitser, e deverá ser contestada pelas autoridades norte-americanas, que pretendem julgar Assange nos Estados Unidos pela divulgação de documentos confidenciais. O caso poderá agora chegar ao Supremo Tribunal no Reino Unido e advogados norte-americanos têm agora 15 dias para recorrer. O fundador da Wikileaks deverá continuar detido no país até que haja nova decisão.

Assange está detido em Belmarsh, uma prisão de alta segurança de Londres, desde abril de 2019, altura em que saiu da Embaixada equatoriana em Londres, onde viveu durante sete anos.  

A juíza Vanessa Baraitser justifica a decisão de impedir a extradição argumentando que Assange seria provavelmente transferido para uma prisão de máxima segurança nos Estados Unidos em condições de isolamento. Só que os procedimentos delineados pelas autoridades norte-americanas para a detenção após a extradição não mostram como impediriam uma eventual tentativa de suicídio por parte do acusado, refere a magistrada.

"A condição mental do senhor Assange é tal que seria uma decisão opressiva extraditá-lo para os Estados Unidos da América", argumenta Vanessa Baraitser.

A juíza deste caso afirmou que o fundador da Wikileaks é "um homem deprimido, às vezes em desespero" e que tinha a "determinação" de contornar quaisquer medidas de prevenção de suicídio das autoridades prisionais.

Se for detido nos EUA, o acusado "enfrenta uma perspetiva sombria no que diz respeito às condições de detenção severamente restritivas, destinadas a remover contacto físico, interação social e a reduzir ao mínimo a ligação com o mundo exterior. [Assange] encara essa possibilidade como alguém com um diagnóstico de depressão clínica e com pensamentos constantes em suicídio. Estou convencida de que o risco de que o senhor Assange cometa suicídio é substancial", acrescentou a juíza.

O australiano de 49 anos é acusado de ter divulgado milhares de documentos militares e diplomáticos confidenciais. Em causa estão mais de 700 mil documentos confidenciais sobre atividades militares e diplomáticas dos Estados Unidos no Iraque e no Afeganistão.

Com 18 diferentes acusações - 17 de espionagem e uma de uso indevido de computador - a pena de prisão de Julian Assange nos Estados Unidos pode ir até aos 175 anos.

De acordo com a justiça norte-americana, o fundador da Wikileaks colocou em perigo fontes dos serviços norte-americanos, algo que Julian Assange contesta.

O trabalho da Wikileaks ficou amplamente conhecido sobretudo após a divulgação de um vídeo classificado em abril de 2010, onde se vê um ataque de helicópteros militares dos Estados Unidos a atirar sobre Bagdade, no Iraque. O ataque, ocorrido em 2007, provocou a morte a 12 pessoas, incluindo dois jornalistas da agência Reuters.
Liberdade de imprensa
A decisão de não extraditar o whistleblower foi aclamada por ativistas e grupos de Direitos Humanos, mas há quem destaque que a decisão de juíza não teve em conta a liberdade de imprensa.

"Estou aliviada que a juíza tenha decidido contra a extradição. No entanto, estou muito infeliz porque a juíza manteve todos os principais argumentos apresentados pelos Estados Unidos para caracterizar o trabalho de Assange como algo que ultrapassou os limites da liberdade de expressão e do jornalismo", disse Stefania Maurizi à Al-Jazeera.

Maurizi é uma jornalista de investigação do diário italiano Il Fatto Quotidiano que trabalhou com documentos secretos da Wikileaks, incluindo os documentos publicados em 2010 que estão na base das acusações contra Assange.  

Os advogados de Julian Assange argumentam que o réu publicou a documentação como jornalista e está protegido pela primeira emenda à Constituição norte-americana, que prevê a proteção da liberdade de expressão e de imprensa. A acusação considera que a divugação dos dados teve motivações políticas.

A Aministia Internacional aplaude a decisão, mas refere que as acusações "nunca deveriam ter ocorrido".

"Congratulamo-nos com o facto de Julian Assange não ser enviado para os EUA e de o tribunal ter reconhecido que, devido aos seus problemas de saúde, ele correria o risco de sofrer maus-tratos no sistema prisional dos EUA”, diz o diretor da Amnistia Internacional para a Europa, Nils Muiznieks.

No entanto, acrescenta: "As acusações tinham motivações políticas e o governo do Reino Unido nunca deveria ter ajudado os EUA, de forma tão voluntariosa, na perseguição implacável a Assange. O facto de a decisão ser correta e salvar Assange da extradição não isenta o Reino Unido de se ter envolvido neste processo com motivações políticas, a mando dos EUA, e de colocar em julgamento a liberdade de imprensa e de expressão".

O ativista considera ainda que este caso "estabeleceu um precedente pelo qual os EUA são responsáveis e o governo do Reino Unido é cúmplice".

Nils Melzer, relator especial da ONU para a Tortura, enviou na passada semana uma carta ao Presidente norte-americano, Donald Trump, a quem pediu um indulto para o fundador da Wikileaks.

O relator considera que Assange não hackeou ou roubou as informações publicadas, tendo obtido as mesmas através de "fontes e documentos genuínos", tal como "qualquer outro jornalista de investigação sério e independente".

"Processar Assange pela publicação de informações verdadeiras sobre condutas oficiais graves, seja nos Estados Unidos ou noutro país, constitui aquilo a que se chama de matar o mensageiro", afirmou.

“Ao perdoar Assange, o Presidente envia uma mensagem clara de justiça, verdade e humanidade ao povo norte-americano e ao mundo, reabilitando um homem valente que sofreu injustiças, perseguições e humilhações durante mais de uma década só por dizer a verdade”, acrescentou ainda.

Na missiva, Nils Melzer alerta também para as frágeis condições de saúde de Assange, que se agravaram durante os sete anos que esteve retido na Embaixada equatoriana em Londres, após ter violado as condições da sua liberdade condicional por receio da extradição para os Estados Unidos.
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