Centros de Saúde e ONG juntam-se pelo fim da mutilação genital feminina

por Diana Palma Duarte - RTP
Siegfried Modola - Reuters (arquivo)

Centros de Saúde e organizações não-governamentais reuniram-se em Oeiras pelo fim da mutilação genital feminina. Dos 190 casos reportados pela Direção-Geral da Saúde relativos a 2022, um terá acontecido em Portugal.

Para as autoridades de saúde e ONG presentes em Oeiras par o 7.º Encontro Regional - Fim da Mutilação Genital Feminina, os casos referem-se a mulheres e crianças imigrantes em Portugal contra quem este tipo de violência foi praticada durante viagens de férias aos locais de origem.

Os países onde se regista mais vezes a prática são a Guiné-Bissau (com 129 casos) e a Guiné-Conacri (45 casos).

Partilhar com os vários municípios o trabalho e as boas práticas políticas realizadas no último ano é, para a vereadora da igualdade da Câmara Municipal de Oeiras, Filipa Laborinho, uma vitória na tolerância zero contra a MGT, termo técnico para a mutilação genital feminina.
É na exposição Amor Veneris – Viagem ao Prazer Sexual Feminino, aberta ao público no Palácio Anjos, em Algés, que Filipa Laborinho mostra à RTP que a sala dedicada às relações não consentidas pela mulher traz à tona também a mutilação feminina, pois, como defende, “não podemos nunca fechar os olhos àquilo que é uma prática cultural quando estão em causa direitos humanos das mulheres.

No 7º Encontro Regional para uma intervenção integrada pelo fim da mutilação genital feminina, o auditório do Parque dos Poetas encheu-se para mostrar o ponto da situação e fazer balanços.
"Prática nefasta"

Aos 60 anos, Regina Conté, guineense excisada em criança, de religião muçulmana, tornou-se uma ativista pelos direitos das mulheres. Nunca permitiu nem que a filha nem as netas passassem pelo mesmo por considerar que se trata de uma “prática nefasta que prejudica as mulheres”. Esteve presente neste encontro em representação da Associação dos Filhos e Amigos de Farin, organização que conheceu depois de ter de passar metade do ano em Portugal em regime de tratamento.

A luta contra a mutilação é também o tema da tese de doutoramento de Carla Martingo, técnica superior da Câmara Municipal de Oeiras. O seu trabalho na comunidade de imigrantes guineenses na Amadora deu-lhe ferramentas para poder começar do zero em Oeiras onde diz não haver tantos casos de mulheres mutiladas. Agora é uma das protagonistas a expandir a rede criada entre a CPCJ, os centros de saúde, escolas e municípios. Por ser essa a forma correta para sinalizar cada vez mais casos que, afinal de contas, atentam contra os direitos humanos.

“O que acontece é que se considerarmos a MGD contra meninas e mulheres podemos incluí-las no apoio à vítima e ter todos os apoios a que têm direito”, conclui.O trabalho nas escolas tem sido muito positivo, pois é lá que se ensina a comunidadade escolar a detetar situações de meninas mutiladas para depois se comunicar às autoridades.


Sandra Ribeiro é presidente da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG) e comenta o aumento de 27,4% em relação ao ano anterior como um reflexo de uma maior capacidade de formar médicos e enfermeiros para lhes dar capacidades técnicas que lhes permitam identificar mais casos, “uma estratégia de fundo pensada desde 2015”.

A MGF, diz, “é uma situação de profunda desigualdade de género de poder do homem face à mulher”.
"Muitas delas normalizam"

Da Associação UMAR – União de Mulheres, Alternativa e Resposta, Jani Candela acrescenta que a rede da sua organização é nacional mas o maior número de casos é verificado na região de Lisboa.

Detetar situações de mutilação é difícil, “não está a ser nada fácil as sobreviventes assumirem-se como sobreviventes. Muitas delas normalizam. Há algumas que não têm dores mas o trauma está escondido dentro da pessoa”.Jani Candela espera que o trabalho em rede aumente o número de registos de imigrantes alvo da prática e a viver em Portugal.

Na Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa, existem três especialistas nesta área após formação específica adquirida numa Pós-Graduação subsidiada pelo Governo.

Fátima Baptista, especialista em saúde materna e obstétrica, é uma enfermeira da MAC com experiência profissional de décadas em mulheres grávidas, partos e recém-nascidos. Para além da pós-graduação na área, já é formadora de outras enfermeiras e recebe mulheres migrantes de países como a Guiné Bissau e Senegal, prontas a dar à luz no serviço de neatologia.

“Eu digo sempre: nós não estamos aqui para julgar mas para ajudar”.

Sabe bem que a lei que penaliza a mutilação genital existe, mas não é cumprida: “Desde que mexa com direitos das mulheres tem de ser uma causa nossa”.

Para a enfermeira, saber como abordar o assunto é essencial: “Ter um início de conversa é um caminho que se constrói”.

“Eu tive aqui um testemunho de uma senhora que me dizia: o que mais me custou não foi ser cortada. Foi o tempo que passei a ouvir os gritos das outras meninas enquanto chegava a minha vez”. Quando os profissionais da MAC identificam mulheres mutiladas, o serviço social referencia-as, a elas e à bebé nascida, se for rapariga. Mas não passam dessa fase.

Tal como todas as participantes no encontro realizado em Oeiras, não tem dúvidas: "Só se pode trabalhar a mutilação em rede, com escolas, hospitais, com a formação médica e de enfermeiros".
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