Defesa de Vara quer levantar segredo de justiça

por RTP
"Parece haver da parte da justiça portuguesa uma tendência para o julgamento na praça pública", acusava Vara na quarta-feira Estela Silva, Lusa

A defesa do antigo governante socialista Armando Vara vai requerer o levantamento do segredo de justiça no âmbito do processo Face Oculta. O advogado Tiago Rodrigues Bastos quer ainda sugerir ao juiz de instrução criminal de Aveiro que verifique todas as contas bancárias do administrador do Millennium BCP, indiciado por um crime de tráfico de influência.

Armando Vara ficou a conhecer na passada quarta-feira as medidas de coacção aplicadas pelo juiz de instrução do processo Face Oculta. O antigo ministro socialista ficou obrigado ao pagamento de uma caução de 25 mil euros e proibido de manter contactos com alguns dos principais arguidos: Manuel Godinho, apontado como o presumível mentor de uma "rede tentacular" de corrupção com o alegado envolvimento de empresas de capitais públicos, o seu sobrinho Hugo Sá Godinho, Maribel Rodrigues, funcionária do empresário de Ovar, e Namércio Cunha, referido como braço-direito de Godinho.

No termo da terceira parte de uma inquirição que começou a 18 de Novembro, a defesa de Vara prometia recorrer das medidas de coacção, à luz do argumento de que não existiam "indícios suficientes para a aplicação de qualquer medida para além do termo de identidade e residência". O advogado Tiago Rodrigues Bastos adianta agora que vai pedir o levantamento do segredo de justiça.

"Foi ponderado e vamos fazer o requerimento a pedir o levantamento do segredo de justiça no que diz respeito ao nosso constituinte", avançou o advogado de Armando Vara em declarações à Antena 1. A defesa apoia-se no argumento de que "as explicações que são precisas relativamente às notícias que têm saído em diversos órgãos de comunicação social não podem ser dadas de forma inteligível, não podendo falar dos factos que estão no processo".

Contas bancárias

A somar ao pedido de levantamento do segredo de justiça, que deverá ser apresentado durante a próxima semana ao juiz de instrução criminal da comarca do Baixo Vouga, o advogado Tiago Rodrigues Bastos tenciona sugerir a verificação de todas as contas bancárias detidas pelo vice-presidente do Banco Comercial Português, que suspendeu as suas funções na esteira do processo Face Oculta. A defesa tenciona também requerer o arrolamento de novas testemunhas.

O Banco de Portugal suspendeu, entretanto, o processo de averiguações que incidia sobre o antigo ministro socialista. Em comunicado emitido na sexta-feira, a instituição liderada por Vítor Constâncio indicava ter pedido ao Ministério Público dados que "pudessem ser relevantes". No entanto, ficou a saber "que não era possível o envio de quaisquer informações", uma vez que o processo decorre ao abrigo do segredo de justiça.

"O conhecimento disponível da situação confirma que os factos alegadamente atribuídos ao doutor Armando Vara não se referem à sua actividade bancária, pelo que o Banco de Portugal se viu forçado a suspender as averiguações, dada a ausência de competência legal para o fazer", sublinha a nota da instituição.

O Banco de Portugal garante, ainda assim, que "continua em estreito contacto com os órgãos de gestão do Millennium BCP sobre o assunto".

Vara "frustrado"

Na quarta-feira, à saída das instalações partilhadas pelo Juízo de Instrução Criminal e pelo Departamento de Investigação e Acção Penal de Aveiro, Armando Vara dizia-se "frustrado" com as medidas de coacção, alegando que a sua posição no processo "devia ser de testemunha".

"Parece haver da parte da justiça portuguesa uma tendência para o julgamento na praça pública, que é o que está a acontecer neste processo. Não sou culpado. Daquilo que me é permitido avaliar, houve indícios de indícios de indícios, coisas que em circunstância alguma poderiam levar a uma situação destas", afirmava então o antigo governante.

De acordo com uma fonte judicial, citada pela agência Lusa, a investigação considera que Armando Vara terá intercedido junto de terceiros para que o empresário Manuel Godinho, o principal arguido do processo, fosse beneficiado na obtenção de negócios com entidades empresariais do Estado, em troca de alegadas contrapartidas patrimoniais.

Vara escusou-se, por outro lado, a comentar as declarações do ministro da Economia, Vieira da Silva, que disse haver "espionagem política" no quadro do processo Face Oculta. Quanto à possibilidade de vir a falar sobre o caso com José Sócrates, com quem manteve conversas telefónicas interceptadas pelos investigadores e declaradas nulas pelo Supremo Tribunal de Justiça, o arguido resumiu: "Não tenho falado com ele, não sei se vou falar com ele, nem esse é assunto que lhe diga respeito".

Dezoito arguidos acusados de mais de 60 crimes

O processo soma 18 arguidos conhecidos, sobre os quais recaem acusações relativas a mais de seis dezenas de crimes como corrupção, tráfico de influências, associação criminosa, furto, receptação e burla.

Desencadeada a 28 de Outubro, a operação Face Oculta levou a Polícia Judiciária a efectuar 30 buscas domiciliárias e em locais de trabalho de diferentes pontos do país. A investigação incide sobre alegados crimes económicos praticados por um grupo de Ovar que inclui a empresa O2 - Tratamento e Limpezas Ambientais, a que está ligado Manuel Godinho, o único arguido em prisão preventiva.

Entre os arguidos do processo Face Oculta figuram, para além de Armando Vara, José Penedos, que viu as funções como presidente da REN serem suspensas pelo juiz de instrução criminal, e o seu filho Paulo Penedos, advogado da empresa de Manuel Godinho SCI - Sociedade Comercial e Industrial de Metalomecânica S.A.

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