"Milagre" da Cova da Iria não influenciou nomeação do primeiro bispo de Leiria

por Rosário Lira - RTP
Rafael Marchante - Reuters

Ao contrário do que se pensava, o "milagre" de Fátima não influenciou a restauração da Diocese de Leiria nem foi determinante na escolha do bispo Correia da Silva. As revelações são feitas pelo bispo D. Carlos Azevedo no livro "Fátima: Das Visões dos Pastorinhos à Visão Cristã".

O livro desmistifica a questão da restauração da Diocese de Leiria e da nomeação do seu primeiro bispo. Apoiado em documentos do Arquivo Secreto do Vaticano, o bispo-delegado do Conselho Pontifício da Cultura do Vaticano explica que as visões de Cova da Iria não tiveram influência.

Com efeito, embora a decisão do Papa para restaurar a Diocese de Leiria, através da bula "Quo vehementius", tenha sido publicada a 17 de janeiro de 1918, a opção já estava tomada desde o dia 30 de abril de 1917, quase duas semanas antes da primeira visão de 13 de maio de 1917.

Prova disso é o telegrama que o Cardeal Pietro Gasparri envia a Aloise Masella, à data encarregado de Negócios da Nunciatura, a informar que a decisão estava tomada e que se esperava apenas o momento para a tornar pública.

O autor explica que "na diversa correspondência do Arquivo da Nunciatura de Lisboa, guardada no Arquivo Vaticano, sobre a criação da diocese, anterior e posterior às visões, nenhuma faz referência ao facto", ou seja às visões da Cova da Iria.
Rejeições e burocracias
O livro revela também porque é que a nomeação do primeiro bispo para a Diocese de Leiria só aconteceu dois anos depois. E mais uma vez, através da documentação consultada, D. Carlos Azevedo prova que o facto não esteve relacionado com o fenómeno de Fátima.

Rejeições e burocracias inviabilizaram uma nomeação mais rápida. O primeiro nome indicado pelo Patriarca de Lisboa, D. António Mendes Belo, foi o do monárquico Sebastião de Vasconcelos, antes bispo de Beja. A indicação foi rejeitada pelos outros bispos e provocou uma reação negativa nalguns círculos católicos locais.

A escolha recai então em alguém "desejado do povo de Leiria", o cónego António Antunes. Contudo, quando tudo se encaminhava para que fosse o escolhido, o Bispo de Coimbra pede para que ele seja seu auxiliar. O processo é suspenso e só será retomado quando é nomeado um Núncio para Portugal na sequência do restabelecimento das relações diplomáticas com a Santa Sé.
 
Achille Locatelli pede aos bispos a indicação de nomes e dá-se um empate, a 3-3, entre José Alves Correia da Silva (nome indicado pelo Patriarca de Lisboa e pelos bispos do Porto e de Portalegre) e Agostinho de Jesus e Sousa (indicado pelo Patriarca de Lisboa e pelos bispos de Braga e Bragança).

Nas observações que envia para o Vaticano, o Núncio dá nota negativa aos dotes oratórios do candidato de Braga e considera que o cónego Correia da Silva "é bom orador e parece mais ativo, energético e preparado nas questões sociais, tão úteis nestes tempos e especialmente neste país".

A decisão é comunicada ao cónego escolhido no dia 13 de fevereiro de 1920. Correia da Silva será assim o primeiro bispo de Leiria. Como explica o autor, em nenhum momento do processo episcopal de José Alves Correia da Silva, os "acontecimentos de Fátima são chamados ou citados".

À data da nomeação, o novo bispo nada sabia nem tão pouco se interessava pelo fenómeno de Fátima que dizia serem "coisas de crianças". Contudo, como sublinha D. Carlos Azevedo, a sua nomeação acabaria por ser "fundamental para o crescimento e a evolução do culto mariano na Cova da Iria".
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