Debate quinzenal. Costa responde sobre Saúde e recusa mexer na lei da Uber

por RTP
Tiago Petinga - Lusa

No primeiro debate quinzenal após as férias que marca o início da última sessão legislativa, houve temas incontornáveis na discussão partidária, desde o roubo de Tancos à proposta de mudança do Infarmed para o Porto. Outro tópico em debate foi o da “lei da Uber”: fora do Parlamento, mais de 500 taxistas reuniram-se em protesto contra o Governo.

No regresso aos debates quinzenais após o interregno de dois meses, o Governo não escapou aos vários temas “quentes” que marcam a atualidade, desde o roubo de Tancos, após a detenção de elementos da Polícia Judiciária Militar, ao protesto dos taxistas que, ao oitavo dia de protesto, decorria nas escadarias junto à Assembleia da República.

Com efeito, foram os temas ligados à saúde que iniciaram o debate no plenário, até porque o Bloco de Esquerda tinha escolhido a Lei de Bases da Saúde como temática a abordar na sua intervenção, que abriu a discussão desta quarta-feira, debate que contou com a presença do primeiro-ministro.  

De assinalar que António Costa dedicou as suas palavras iniciais a um elogio da “Geringonça”, lembrando que o debate marca o início da última sessão legislativa até novas eleições, numa legislatura que “poucos acreditavam” que pudesse chegar ao fim.  
Lei de bases

Sem a presença do ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, no hemiciclo, o Bloco de Esquerda começou por questionar o Governo sobre a proposta de alteração à lei de bases da Saúde. Na resposta, António Costa não se comprometeu com uma data de entrega, mas garantiu que o documento, elaborado por uma comissão liderada por Maria de Belém, estará pronto nesta legislatura, “seguramente a tempo de cumprir o objetivo”.  

"Não sei se é este mês, se daqui a dois meses, mas será a tempo de cumprir o objetivo de termos a nova lei de bases para o SNS nesta legislatura", garantiu.  

Na intervenção do Bloco de Esquerda esteve também presente a discussão do estatuto de cuidador informal. “Há mais de 800 mil pessoas a trabalhar para cuidar dos seus familiares, o próprio Governo tem estudos que dizem que estas famílias estão na pobreza e muitas vezes no isolamento e em exaustão graves”, apontou Catarina Martins.  
Em resposta ao Bloco, o primeiro-ministro descartou a hipótese de incluir medidas de proteção dos cuidadores informais, ainda que esteja de acordo quanto ao princípio e a “bondade da intenção”.  

“Presumo que seja muito prematuro neste Orçamento do Estado ter concluída a avaliação do custo desta matéria. Registamos que existe um consenso político alargado, desde o Bloco de Esquerda até ao Presidente da República”, apontou o primeiro-ministro. 

António Costa sublinhou ainda que é “fundamental” que esse estatuto “seja bem preparado e bem executado para que não frustre uma expetativa das famílias”.  
 
Com o foco na saúde, a líder do Bloco de Esquerda não deixou de abordar os recentes desenvolvimentos de Tancos, tal como também fizeram Fernando Negrão do PSD e Assunção Cristas, do CDS-PP. 


O caso de Tancos foi um dos temas "quentes" do debate quinzenal

Neste tema, o primeiro-ministro admitiu fazer “alterações institucionais” na área da justiça militar, mas que estas nunca poderão ser feitas “no calor dos acontecimentos”. António Costa referiu que até tem “um pensamento muito antigo e consolidado sobre a questão da justiça militar”, no que toca por exemplo à extinção da Polícia Judiciária Militar através da fusão com a Polícia Judiciária.  

Mais adiante no debate, o chefe de Governo viria reafirmar a confiança no ministro da Defesa Nacional, Azeredo Lopes, que assistia à discussão no plenário. Em resposta a Assunção Cristas, afirmou: “Como é público e notório, mantenho a confiança no meu ministro, como mantenho a confiança na ministra da Justiça”, reiterou.  
Infarmed e S. João

De volta à saúde, a intervenção do PSD focou a polémica em volta da mudança do Infarmed para o Porto. Fernando Negrão, líder parlamentar dos sociais-democratas, acusou o primeiro-ministro de “ter faltado à palavra aos portugueses”. Recorda que António Costa repetiu “cinco vezes” num debate parlamentar anterior que o Infarmed iria para o Porto.  

"A palavra do primeiro-ministro tem agora um valor muito relativo. Palavra dada, palavra honrada, senhor primeiro-ministro? Só quando lhe dá jeito", disse.

Em resposta, o primeiro-ministro prometeu que enviaria a Fernando Negrão “por escrito a razão porque não aceita lições” do líder da bancada parlamentar social-democrata.

Sobre o Infarmed, António Costa lembrou: "Perante esta comissão criada por proposta do PPD-PSD, o Governo devia persistir na teimosia de levar o Infarmed para o Porto, contra tudo e contra todos, ou aguardar? A nossa modesta opinião é que devemos aguardar. Mais vale dar um passo atrás para tomar uma boa decisão, do que continuar em frente numa decisão porventura errada", frisou o primeiro-ministro.



Também no setor da saúde, Fernando Negrão questionou o Governo sobre a situação da ala pediátrica do Hospital de São João, que se encontra em fase de abertura de concurso internacional.

"Será um ano para abrir concurso, mais um ano para escolher o vencedor, outro para as reclamações, outro para concretizar as obras. Será que as crianças do Porto vão ter de esperar pelo menos mais cinco anos?", questionou. Acusou ainda o líder do Governo de insensibilidade social e apelou a uma “solução excecional” para este caso , que poderia passar pela revisão do projeto e a contratação por ajuste direto.  

"Quem nos dera a nós, o problema é que como o projeto não foi contratado pelo Estado mas por uma entidade privada, o Estado não pode fazer a revisão de um projeto que não é seu", respondeu António Costa, lembrando que foi um Governo no PSD que liderou o executivo “nos dez anos anteriores” ao atual Governo e que a situação de ausência de obras já se regista há vários anos.  

Ainda em relação à ala pediátrica, o primeiro-ministro desafiou o PSD a aprovar o avanço das obras num projeto que dispense o visto do Tribunal de Contas e um concurso público.  
 
Em resposta, o PSD mostrou-se disponível para “uma resolução” que acelere as obras. "Estarei 100% ao lado do Governo se o Governo tiver coragem para fazer aquilo que diz. Mas, duvido que tenha coragem", declarou o presidente do grupo parlamentar do PSD. 
Costa não mexe na “lei da Uber” 

Outro tema relevante no debate foi o da legislação que regula as plataformas eletrónicas de transporte. Em protesto há oito dias nas principais vias da cidade, um grupo de cerca de 500 taxistas esteve esta tarde junto à escadaria da Assembleia da República para contestar a entrada em vigor, no próximo dia 1 de novembro, da lei que regula a Uber, Taxify, Cabify e Chauffeur Privé. Alguns motoristas de táxi assistiram ao debate nas galerias da AR.

Na intervenção do Bloco de Esquerda, Catarina Martins admitiu que é necessária uma “modernização do setor do táxi”, mas considerou que existe “concorrência desleal que põe em causa as obrigações do serviço público de transporte”.  

"O Governo tem possibilidade de corrigir os erros. E acho que há aqui uma maioria para corrigir e ter uma legislação equilibrada e a primeira medida que o Governo teria de tomar era não deixar entrar em vigor a nova legislação enquanto não fossemos capazes de corrigir esses erros", apelou Catarina Martins.

António Costa salientou que "graças à lei da Assembleia" os motoristas (de transporte individual) têm de ter contrato de trabalho, não pode haver "fuga ao fisco", a empresa tem de ser licenciada e "foi estabelecida uma clara diferenciação entre o estatuto" daquelas viaturas e os táxis.



O primeiro-ministro elencou ainda um "conjunto de direitos exclusivos" de que beneficiam os táxis: "têm direito à redução do imposto sobre veículos, têm direito à redução do imposto único de circulação, têm direito à dedução do IVA das despesas de reparação, têm direito à redução do IVA no gasóleo, têm um apoio específico para a renovação das viaturas, têm direito a praça de táxis, têm direito ao acesso à via BUS".  

"A situação de desigualdade existe, mas é em benefício do táxi", defendeu António Costa.

O tema voltou a debate com a deputada Heloísa Apolónia, dos Verdes, que desafiou o Governo a "deixar de ser teimoso" e a sentar-se e conversar com os taxistas.

"O senhor primeiro-ministro fez batota, elencou um conjunto de vantagens que os taxistas têm, mas não elencou nem anunciou o conjunto de vantagens que as operadoras multinacionais têm", acusou a deputada. Heloísa Apolónia apontou especificamente o facto de os taxistas terem fixado um número máximo de veículos e as plataformas eletrónicas não.
 
Na resposta, o primeiro-ministro considerou que a fixação de contingentes nos táxis "não é em desfavor dos taxistas, é uma proteção", defendida pelos seus representantes, questionando até se este número máximo não deveria ser determinado por área metropolitana, em vez de por cada município, como acontece atualmente.

António Costa disse ainda que não cabe ao Governo alterar uma lei que foi aprovada pela Assembleia da República e promulgada pelo Presidente da República.
 
"Teve ocasião de intervir no debate de formação da lei, a partir daqui o debate é da Assembleia da República. Era o que faltava o Governo desrespeitar a Assembleia da República", afirmou o primeiro-ministro.
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