Geringonça está "em desmantelamento", atira PSD. Esquerda exige explicações ao Governo

por Andreia Martins - RTP
Na radiografia ao estado atual do país, António Costa afirmou, na sua intervenção inicial, que não quer ver “recuos nem impasses” António Cotrim - Lusa

No debate parlamentar do Estado da Nação, o Executivo de António Costa enfrentou esta sexta-feira as críticas de PSD e CDS-PP, com foco no setor da saúde, mas também na própria estabilidade dos acordos bilaterais de 2015 entre PS, Bloco de Esquerda, PCP e Verdes. Do lado dos parceiros que sustentam a maioria parlamentar, o primeiro-ministro ouviu as dúvidas e inquietações de Jerónimo de Sousa e Catarina Martins, enquanto decorrem as negociações para o próximo Orçamento do Estado, que deverá ser o último da presente legislatura.

Na radiografia ao estado atual do país, António Costa afirmou, na sua intervenção inicial, que não quer ver “recuos nem impasses” no caminho a percorrer pelo atual Governo. Para a oposição, esse percurso foge “ao país real” e prejudica os principais serviços. À esquerda, os parceiros quiseram saber quais são as próximas etapas. 

Em resposta às palavras do primeiro-ministro no hemiciclo, o deputado Adão Silva, vice-presidente da bancada do PSD acusou o Governo de não falar “para o país real, para as pessoas reais”. A área da saúde foi amplamente abordada pelo deputado, que confrontou o Governo com a descida de 52 milhões de euros de investimento no setor, entre 2015 e 2017 e com o caso da oncologia da ala pediátrica no hospital de São João no Porto. “Não brinquem com as crianças”, pediu o deputado.  

Adão Silva não esqueceu a recente passagem das 40 para as 35 horas no setor da saúde, que expõe ainda mais as fragilidades já existentes. “O Governo, com o apoio da Geringonça, está a mutilar o Serviço Nacional de Saúde”, acusou.

Outro dos temas escolhidos pela oposição foi o da estabilidade da própria Geringonça. Segundo o diagnóstico de Adão Silva, os acordos entre PS, Bloco de Esquerda, PCP e Verdes estão “em exercício de desmantelamento”.

"Antes eram as reversões e todo o contentamento estava aí, mas agora, embora se esforce por motivá-los, já lá não vai. Os senhores estão aos encontrões uns com os outros”, apontou. O deputado do PSD disse ainda que o Governo foi “inábil” com a questão da transferência do Infarmed para o Porto.

Na resposta ao social-democrata, Costa referiu que “80 mil pessoas saíram da pobreza” e “300 mil novos postos de trabalho foram criados” desde que o PSD saiu do Governo. António Costa lembrou ainda que o setor da saúde já contratou 7.900 profissionais no atual Governo e, sobre o desinvestimento nesta área, o primeiro-ministro recorda a queda da despesa do Estado com a saúde entre 2011 e 2015, em que o investimento caiu de 6,9 por cento para 5,9 por cento do PIB.

O primeiro-ministro sublinhou ainda que o Governo não vive do “benefício do milagre” e que o executivo “está a fazer um esforço muito grande para recuperar do brutal desinvestimento que durante os quatro anos sofreu o SNS”.
Governo "não é santo milagreiro"
Seguiu-se a intervenção do PS, por Fernando Rocha Andrade, antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que acusou a direita de ter passado de dizer que “não há dinheiro para nada" para a ideia de que “há recursos para tudo”. Na resposta, António Costa aproveitou para frisar que o Governo "não é santo milagreiro", mas antes um executivo "responsável", em resposta a declarações recentes de Rui Rio.


Sandra Machado Soares - RTP

Na altura, o presidente do PSD tinha acusado que "o discurso do milagre económico é uma aldrabice política".

Quem também aproveitou para responder a declarações recentes foi Catarina Martins, porta-voz do Bloco de Esquerda, que iniciou a sua intervenção com uma resposta a Augusto Santos Silva, que disse em entrevista recente que um novo acordo à esquerda exigiria compromissos mais amplos por parte dos parceiros, nomeadamente nas questões europeias.

"O Bloco nunca se colocou de fora desse debate com o PS e com o Governo”, garantiu a líder bloquista.

Na intervenção de Catarina Martins foi também de destacar o tom de balanço dois dois anos e meio de Geringonça. "Aprendamos com o caminho feito: valeu a pena cada uma das vezes que defendemos o país, apesar de Bruxelas", afirmou.

O Bloco pediu ainda ao Governo que assumisse o que diz ser "o enorme falhanço da estratégia europeia" e que afirme que "não há consolidação orçamental sem crescimento económico, não há crescimento económico sem recuperação de salários e pensões, sem recuperação do Estado Social".

Houve ainda tempo para uma "mudança de postura" por parte de Mário Centeno, depois de o responsável pela pasta das Finanças ter iniciado o seu percurso no Governo a "rejeitar a chantagem europeia".

"O Governo viu desaparecer, em cada décima de défice cortada por Bruxelas e sempre ultrapassada pelo ministro das Finanças, a capacidade de investimento na saúde, nos transportes, na educação na ciência", afirmou.

Na resposta, António Costa afirmou que o cumprimento dos acordos internacionais é "importante para a confiança nacional" mas também a nível internacional.

Ainda assim, o primeiro-ministro esclareceu: “Se me pergunta se concordo com o Tratado Orçamental, eu não concordo, não concordava e continuo a não concordar. Espero que um dia seja mudado”.
"Carrasco do SNS"
Foi depois a vez do CDS-PP, pela voz de Nuno Magalhães, que disse que o Governo atual se arrisca a ficar na histórica como "carrasco" do Sistema Nacional de Saúde.

"Aquele partido e aquela maioria, que tantas vezes falam no Serviço Nacional de Saúde, arriscam-se, se o senhor não puser um travão - e a responsabilidade é sua -, às cativações Centeno, a ser o carrasco do Serviço Nacional de Saúde e ficar para a história com esse epíteto, senhor primeiro-ministro", defendeu Nuno Magalhães.

Para o CDS-PP, o estado que hoje foi discutido foi de uma "nação cativa das cativações de Mário Centeno e da austeridade cada vez mais mal disfarçada desta maioria".

Nuno Magalhães vê Portugal como "uma nação que vive numa dupla austeridade, e sem troika, onde se cobra taxas e taxinhas e que tem a maior carga fiscal desde que há registo". Lembrou também o encerramento de transportes, a situação frágil nas escolas ou o encerramento de esquadras, Na saúde, vive-se "uma situação de verdadeira rutura".

António Costa respondeu ironicamente, ao registar a "extraordinária conversão do CDS-PP" ao investimento público.

Sobre o aumento do que foi amealhado com impostos, o primeiro-ministro justifica-se com o aumento dos número do emprego.

"Os novos 300 mil postos de trabalho significam um aumento muito significativo de contribuições para a Segurança Social e é isso também que explica o aumento da carga fiscal. Há uma maior base contributiva, há mais pessoas empregadas e isso é um bom sinal. Ou prefere que haja mais desempregados e menor carga fiscal?", questionou.
Que caminho? 

Do lado do PCP, o secretário-geral Jerónimo de Sousa começou por destacar a “marca” dos comunistas nas medidas do Governo como “prova de que, quando o PS converge com o PCP, a vida dos trabalhadores e do povo melhora”.

Se essas medidas não foram mais longe, refere, “foi porque o Governo e o PS fizeram outras opções e decidiram-se por outras convergências", disse Jerónimo de Sousa.

O líder do PCP defendeu ainda que é preciso "ir mais longe na defesa, reposição e conquista de direitos", salientando o aumento geral de salários, pensões, reformas e apoios sociais, por exemplo. Ainda que de forma “limitada e insuficiente”, o Jerónimo de Sousa diz que “a vida avançou no sentido certo”.

Mas agora, Jerónimo de Sousa deixa uma questão ao Governo: "Que caminho, afinal, quer o Governo fazer?", inquiriu.


Lígia Veríssimo - RTP

Em resposta ao líder do PCP, António Costa referiu que Jerónimo de Sousa “pode escolher a parte boa da Lua que deseja e eximir-se à outra parte”.

“Eu assumo a Lua por inteiro em todos os seus ciclos", disse. No entanto, esclareceu que o Governo quer "continuar a percorer o caminho que tem percorrido entendemos que há condições, e com a companhia com quem temos estado a percorrer", disse António Costa.

Foi depois a vez de Heloísa Apolónia acusar o Governo de estar a por "o pezinho no travão", ao ter tomado medidas que vê como menos positivas ao longo dos últimos meses.

A deputada dos Verdes criticou o aumento dos gastos com a Defesa, que confrontou com a recusa por parte do Governo em corresponder às exigências apresentadas pelos professores.

Na análise aos anos de Governo PS, Heloísa Apolónia diz que o executivo "foi mais longe do que aquilo que o PS sozinho conseguiria fazer" e é por isso "muito importante que o Governo nos oiça, nos continue a ouvir", afirmou.

Recorrendo à metáfora da deputada dos Verdes, António Costa defendeu que o Governo deve ser prudente. "Numa autoestrada, apesar de se poder circular a 120 quilómetros por hora, nem sempre se pode ir a 120 quilómetros por hora", sustentou.
Geringonça "no coração"
Antes das intervenções finais, houve ainda tempo para as juras de amor de António Costa à geringonça, isto depois de o deputado bloquista, Pedro Filipe Soares ter questionado a lealdade dos socialistas, que catalogaram como "eleitoralismo" algumas medidas de recuperação de rendimentos e proteção dos direitos dos trabalhadores.

A geringonça está não só no nosso coração, como também na nossa cabeça, com a mesma determinação como a começámos a construir com o PCP e PEV, que com satisfação vimos juntar-se o Bloco de Esquerda. "Estamos não só com o coração, mas também com humildade e sem duplicidade. É assim que continuaremos até ao fim", respondeu o primeiro-ministro.

Também do lado do Bloco de Esquerda tinham chegado outras acusações, nomeadamente pela voz de Mariana Mortágua, que detetou da parte do Governo uma disponibilidade para entendimentos com a direita, em particular com o líder do PSD, Rui Rio.

"O Bloco de Esquerda nunca faltou a esta maioria parlamentar. Resta saber se o PS vai falhar à esquerda", afirmou.

Do lado do PCP, João Oliveira pediu respostas concretas ao primeiro-ministro, exigindo esclarecimentos sobre as opções que serão tomadas "em breve", em particular no setor da saúde.
"Anestesia nacional"

Na resposta direta às palavras de Costa sobre a Geringonça, o líder parlamentar Fernando Negrão considerou que a atual solução de Governo “está esgotada” e que a maioria que o sustenta é “demagógica e ilusionista”.

"Porque estamos em tempo de balanço, só podemos concluir que quem conduz hoje o país é uma maioria que tem tanto de demagógica como de ilusionista, cujo único projeto comum é o desejo de manter as aparências de estabilidade, pois só essa estabilidade lhe garante a manutenção do poder", acusou o líder parlamentar do PSD.

Recolhendo fortes aplausos da sua bancada – no final foi aplaudido de pé – Fernando Negrão apontou que o Governo "nada mais tem para oferecer aos portugueses" e que são cada vez mais notórias as “grosseiras contradições da coligação de esquerda”.

"Vivemos um momento de anestesia nacional, fruto da propaganda do Governo, mas chegará o dia em que se perceberá que esta foi uma oportunidade perdida”, apontou ainda Fernando Negrão.

c/ Lusa
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