Política
"Não, não me demito". Ministra da Saúde recusa demitir-se após morte de grávida
Ana Paula Martins está a ser ouvida esta sexta-feira no Parlamento no âmbito da discussão do Orçamento do Estado para 2026. Questionada por uma deputada do Chega sobre as consequências políticas da morte de uma grávida no Hospital Amadora-Sintra, a ministra garantiu que não irá apresentar a demissão.
A deputada do Chega confrontou a ministra com a morte de uma mulher de 36 anos que estava grávida de 38 semanas, recordando o pedido de demissão por parte da antiga ministra da Saúde, Marta Temido, em agosto de 2022, na sequência da morte de uma grávida.
"Nessa altura, o PSD foi o primeiro a exigir responsabilidades políticas imediatas. Hoje, perante esta tragédia que se repete, onde é que está essa exigência? Onde está a coerência? (...) O Governo que prometeu devolver confiança ao SNS vai ou não assumir responsabilidade política por esta morte?", assinala Marta Silva na interpelação à atual ministra.
Na resposta, a ministra ressalvou que esta é "uma matéria de natureza clínica" e lamentou a morte da grávida. Ana Paula Martins assinalou que esta mulher "não teve acompanhamento até à data em que entrou pela primeira vez no Hospital Amadora-Sintra já com 38 semanas".
"Não, não me demito", afirmou Ana Paula Martins após ser novamente questionada pela deputada Marta Silva sobre as consequências políticas deste caso.
Grávidas "recém-chegadas a Portugal"
Em causa está a morte de uma mulher na madrugada desta sexta-feira à
noite no Hospital Amadora-Sintra depois de dar à luz. A mulher, natural da Guiné-Bissau, tinha estado na
unidade durante a tarde por causa de um episódio de hipertensão, mas
terá sido mandada para casa com consulta marcada. A Inspeção-Geral das Atividade em Saúde (IGAS) já abriu um inquérito.
Ainda antes de ser questionada sobre este caso em concreto, a ministra
da Saúde afirmou no Parlamento que os partos que têm ocorrido fora dos
hospitais estão acima de tudo relacionados com gravidezes que não foram
seguidas no Serviço Nacional de Saúde.
Ana Paula Martins apresentou também os dados sobre partos fora dos hospitais, reiterando que o número tem vindo a diminuir desde 2022 e que, na maioria dos casos, são grávidas sem médico de família, "recém-chegadas a Portugal, com gravidezes adiantadas".
Nestes casos, referiu a ministra, algumas destas mulheres "não têm dinheiro para ir ao privado", "nem falam português", não "foram preparadas para chamar o socorro" e por vezes "nem telemóvel têm".
"Recalibração da despesa"
Na intervenção inicial, a ministra da Saúde explicou ainda como o executivo pretende cortar mais de 200 milhões de euros em despesa com medicamentos e material de consumo clínico.
Ana Paula Martins argumentou que o Governo pretende garantir a sustentabilidade do setor e que o Orçamento de 2026 marca "uma transição". Após o ciclo de "expansão" entre 2021 e 2025 passa-se agora para uma fase de "recalibração da despesa, com foco na eficiência e sustentabilidade".
A ministra reconheceu que será feito "um esforço significativo" no próximo ano para "revisão e qualificação da despesa em diversas áreas, com vista a obter ganhos de eficiência".
"Não queremos gastar mais, queremos gastar melhor", vincou. O orçamento para a Saúde "não pode subir indefinidamente", acrescentou ainda.
"Algum doente vai ficar sem medicamento? Não"
Com o OE2026, o Ministério da Saúde prevê uma redução de 208 milhões de euros em compras de medicamentos e material de consumo clínico, o que representa uma diminuição de 10,3% na aquisição de bens e serviços face ao estimado para 2025.
"Estamos conscientes de que é uma mensagem muito exigente para os nossos gestores, para os nossos profissionais, para todas as lideranças do SNS e para todos os nossos parceiros", reconheceu.
Estes 10,3% de corte na aquisição de bens e serviços já inclui, segundo a ministra, uma poupança de 100 milhões de euros com os médicos tarefeiros nessa verba.
Durante a discussão no Parlamento, em resposta à deputada Paula Santos, do PCP, Ana Paula Martins garante que não haverá barreiras no acesso a medicamentos.
"Pergunta-me se algum doente vai ficar sem medicamento? Eu respondo, não", garantiu a ministra.
"Caminho das pedras"
Depois das palavras de Marcelo Rebelo de Sousa ainda esta quinta-feira, no ISCTE, em que o Presidente da República apelou a um acordo político sobre o papel do SNS e dos restantes setores, Ana Paula Martins desafiou os partidos da oposição a um entendimento.
"Fica o desafio aos partidos da oposição, para nos entendermos sobre o SNS que queremos, o que podemos ter e como devemos potenciar a relação com os outros setores fazendo deles parceiros e não concorrentes", afirmou.
Marcelo Rebelo de Sousa tinha criticado na quinta-feira as mudanças de política na Saúde consoante as mudanças de Governo. "Não há política de saúde que aguente. Ou melhor, não há saúde que aguente", afirmou.
A ministra reconheceu que o caminho de mudança será "longo e complexo" e considerou que será mesmo "o caminho das pedras", numa referência à expressão utilizada por Marcelo esta quinta-feira.
Ana Paula Martins afirmou que "público, privado e social devem ter um papel bem claro, porque todos são necessários" e criticou a decisão de acabar com as PPP (Parcerias Público-Privadas), uma opção "incorreta que podemos e devemos reverter", vincou.
Para "devolver o SNS aos portugueses", a ministra recusa-se a "ceder a interesses cristalizados, a modelos únicos de pensamento ou a qualquer corporação".
com Lusa