Relatório IGAS. Ministra da Saúde recusa demitir-se

A ministra da Saúde afirmou na quinta-feira que vai continuar no cargo, avançando que "não houve" relação entre a morte de um homem e a greve do INEM, após a inspeção ter concluído que o óbito poderia ser evitado. Ana Paula Martins garantiu que continua disponível para "trabalhar sob a liderança do meu primeiro-ministro".

Cristina Sambado - RTP /
Manuel de Almeida - Lusa

Uma coisa é certa, nunca fugirei às minhas responsabilidades de natureza política, mas o que hoje aqui está em causa, através de um relatório que é o espaço certo para se fazer esta avaliação, é que não houve, repito, não houve nenhuma relação entre a infeliz ocorrência e a greve do INEM [Instituto Nacional de Emergência Médica]”, disse aos jornalistas Ana Paula Martins.

Na quarta-feira, a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) divulgou um comunicado em que confirmou que morte de um homem de 53, em novembro de 2024 em Pombal, quando decorreu uma greve no INEM, poderia ter sido evitada se tivesse sido socorrido num tempo mínimo e razoável.
Oposição quer demissão de ministra

Os partidos da oposição querem que a ministra da Saúde tire consequências políticas do período de greve no INEM. Dizem que não tem condições para continuar no Governo. A Iniciativa Liberal quer uma comissão de inquérito. O PS avisa que o caso responsabiliza também o primeiro-ministro.

Na quinta-feira, o Chega e o PS pediram consequências políticas sobre a conclusão do relatório da Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS), e a IL adiantou que vai propor a constituição de uma comissão parlamentar de inquérito à gestão do INEM.

Ao final do dia, os socialistas avançaram que vão pedir a audição urgente da ministra da Saúde, considerando que é tempo de Ana Paula Martins “assumir as suas responsabilidades”.

Também o secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo, considerou ser necessário “apurar os factos todos e as responsabilidades”, sendo que a “responsabilidade política” não pode ser posta de lado.

Esta sexta-feira, André Ventura, líder do Chega, revelou que vai viabilizar CPI proposta pela Iniciativa Liberal à gestão do INEM.
O Chega leva o relatório da IGAS "muito a sério e que vai viabilizar as chamadas da governante ao parlamento, e defende que o escrutínio tem de ser feito no parlamento, "quer através de um inquérito, ou na comissão de saúde".

Sobre os pedidos de esclarecimentos de vários partidos da oposição, Ana Paula Martins disse estar “sempre disponível” para responder àquilo que a Assembleia da República lhe quiser perguntar.

"Eu estou sempre disponível para responder a todas as questões que me sejam postas em qualquer circunstância e continuarei a trabalhar sob a liderança do meu primeiro-ministro", garantiu.

A governante falava à margem da tomada de posse do bastonário da Ordem dos Médicos, Carlos Cortes, em Lisboa.
Montenegro remete discussão de relatório para o Parlamento
O primeiro-ministro remeteu a discussão de relatórios, como o da IGAS, para o Parlamento. Em Bruxelas, Luís Montenegro recusou responder se retira consequências políticas sobre o caso das mortes durante a greve do INEM.


“Creio que haverá oportunidades de todos os relatórios que têm sido produzidos a esse respeito merecerem um escrutínio político na Assembleia da República com a presença do Governo e é isso que seguramente acontecerá”, disse Luís Montenegro, em curtas declarações à margem da reunião do Conselho Europeu, em BruxelasIGAS sugere correção dos tempos de resposta
A Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) recomenda ao INEM uma reflexão sobre os tempos de resposta no socorro e o atual sistema de retorno de chamadas e sugere campanhas de esclarecimento da população.

No relatório relativo ao atraso no atendimento pelo Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM, I.P.) a um utente de Pombal que morreu em 2024 por enfarte de miocárdio, a IGAS diz que a população tem de saber que quando desliga uma chamada de socorro, por não ter sido atendida, e efetua novas, está a abrir mais ocorrências, o que afeta vários meios e dispersa o tratamento do caso.

A IGAS, que relacionou o óbito deste utente de Pombal, a 4 de novembro de 2024, com o atraso no socorro, sublinha que em dias de grande sobrecarga de trabalho e escassez de recursos humanos, como neste caso – decorriam duas greves em simultâneo - as chamadas poderão ficar sem retorno, por ter sido excedido o prazo de quinze minutos. O relatório já chegou ao Ministério Público.

Aliás, neste caso, a mulher da vítima chegou a dizer na altura aos órgãos de comunicação social que o INEM tinha retornado a chamada 24 horas depois, o que pode ser explicado pelo facto de a primeira chamada feita a pedir socorro a partir desse número não ter sido inicialmente atendida.

Apesar de estar prevista a existência de um operador escalado a nível nacional para monitorizar o quadro das chamadas desligadas na origem e fazer a chamada de retorno, no caso de Pombal a chamada de retorno não aconteceu devido à sobrecarga de trabalho e à falta de recursos humanos.

O caso remonta a 4 de novembro de 2024, dia em que decorreram, em simultâneo, duas greves - dos técnicos de emergência pré-hospitalar às horas extraordinárias e da administração pública.Para explicar o funcionamento deste sistema, a inspeção considera que devem ser desenvolvidas ações de literacia para a saúde nos meios de comunicação social, lembrando que é missão do INEM definir, organizar, coordenar, participar e avaliar as atividades e o funcionamento, em Portugal Continental, de um Sistema Integrado de Emergência Médica (SIEM), garantindo às vítimas de acidente ou doença súbita a “pronta e correta prestação de cuidados de saúde”.

Quanto aos tempos de resposta neste caso, recorda que entre o primeiro contacto com a linha 112 e a chegada da Viatura Médica de Emergência Médica (VMER) ao local decorreu uma hora e 50 minutos, situação que “deverá merecer adequada reflexão com vista à sua correção”, por parte do INEM.

Conclui ainda que o INEM não cumpriu, de forma cabal, as atribuições que lhe estão cometidas, desde logo, o atendimento do pedido de socorro.

Diz ainda não se compreender que, neste caso, tenham sido efetuadas tantas tentativas de contacto telefónico, sem sucesso, considerando que esta situação tem de ser internamente resolvida para que não se repita noutros casos, afetando o prestígio, bom nome e honra do INEM.
Ambulância demorou uma hora e 26 minutos

Segundo os dados apurados pela inspeção, a primeira chamada de socorro, feita às 13h12 do dia 4 de novembro de 2024, demorou mais de 10 minutos a ser atendida pelo 112, que informou que o utente deveria aguardar a chegada do meio de socorro.

A chamada só foi encaminhada do 112 para o CODU Coimbra às 13h49 – mais de 25 minutos depois de ser atendida pelo 112 – e a ativação da primeira ambulância, dos Bombeiros Voluntários de Pombal-Secção de Albergaria dos Doze, ativada pelas 14h04.

O meio diferenciado – ambulância de Suporte Imediato de Vida de Pombal – só foi ativado às 14h33 e a primeira observação da vítima pela equipa dessa ambulância só ocorreu pelas 14h48, ou seja, uma hora e 26 minutos depois de a primeira chamada de socorro ter sido atendida pelo 112. Fora da janela de oportunidade para fazer uma angioplastia coronária.

Foi ainda ativada a VMER de Leiria (pelas 14h25), que apenas chegou junto da vítima às 15h02, uma hora e 50 minutos após o primeiro contacto com a linha 112.

Os especialistas ouvidos pela IGAS explicaram que tal procedimento deve ser realizado num período máximo de 120 minutos desde o primeiro sintoma, o que significa que o tempo de chegada do primeiro meio diferenciado esgotou essa janela de oportunidade.
Falta de zelo

No relatório, a IGAS conclui que o comportamento da técnica de emergência pré-hospitalar do Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) de Coimbra é censurável porque “não usou da diligência e zelo que o caso exigia”, sabendo que se tratava de um caso de extrema gravidade e que as boas práticas da emergência médica tornavam obrigatória a máxima urgência na triagem e despacho dos meios, o que a inspeção considera que não aconteceu.

Além do comportamento da técnica de emergência pré-hospitalar, a IGAS aponta o dedo ainda ao médico regulador do CODU Coimbra, por tendo tomado conhecimento da situação ocorrida com a vítima “não diligenciou pelo acionamento de um meio de emergência mais diferenciado, ou seja, da VMER, atenta a gravidade da situação clínica”, um “comportamento omissivo” que a inspeção considera “censurável do ponto de vista jurídico-disciplinar”

“Ambos agiram com falta de zelo, de cuidado e de diligência, não atuando segundo as boas práticas da emergência médica, que decorrem da própria Lei Orgânica do INEM”, refere. “O que sobressai com nitidez deste comportamento profissional é, mais do que tudo, um certo desconhecimento do que é a dinâmica da Emergência Médica”, refere a IGAS.

No relatório, a inspeção-geral escreve ainda: “O que é mais claro neste quadro comportamental é o total desprendimento, quiçá alheamento, dos deveres funcionais de um médico regulador. E isso é reprovável a todos os títulos.”

Diz também que, uma vez que o médico está credenciado e autorizado pela Ordem dos Médicos para exercer a atividade clínica nos cuidados primários de saúde, em meio hospitalar e no INEM, deveria ter conhecimento suficiente e adequado de que a vítima, caso fosse socorrida em tempo apropriado, poderia ser referenciada para a Via Verde Coronária de um dos hospitais da região.

A demora no atendimento entre a chamada para a Linha 112 e o acionamento da Ambulância SIV de Pombal e da VMER de Leiria, acrescenta a IGAS, é “revelador de ineficiências” e “juridicamente censurável”, admitindo que é possível imputar a prática de um “comportamento desviante, passível de responsabilização disciplinar” tanto à técnica de emergência pré-hospitalar do CODU de Coimbra como ao médico regulador.

Neste caso, a IGAS aponta responsabilidades a dois profissionais de saúde - uma Técnica de Emergência Pré-Hospitalar (TEPH) e um médico (prestador de serviços). O INEM já anunciou que vai abrir um processo disciplinar à TEPH.

A IGAS abriu vários inquéritos para apurar a eventual relação entre 12 mortes e os alegados atrasos no atendimento do CODU do INEM. Em dois casos o processo foi arquivado e neste caso foi provada a relação entre a morte do utente e o atraso no socorro.

c/ Lusa
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