Vara nega ter conversado com Sócrates sobre TVI

Armando Vara alegou esta sexta-feira, na Comissão de Ética do Parlamento, desconhecer qualquer “envolvimento do Governo” nas negociações da PT para a compra da TVI. O vice-presidente do BCP, que suspendeu funções após ter sido constituído arguido no processo Face Oculta, refutou as notícias que dão conta de contactos com Paulo Penedos e José Sócrates.

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Vara afirmou não ter "ideia nenhuma de ter falado com algum accionista do Sol" sobre a linha editorial do semanário Mário Cruz, Lusa

Depois de ouvirem a jornalista Felícia Cabrita acusar o PS de ter procurado "liquidar financeiramente" o semanário Sol, os deputados da Comissão parlamentar de Ética, Sociedade e Cultura tomaram nota da versão oposta. Armando Vara, apontado como um dos alegados intermediários de um plano de assinatura governamental com o objectivo de controlar parte da comunicação social, foi à Assembleia da República para repetir que não está a par do envolvimento do primeiro-ministro "em nada que tenha a ver com a TVI" e rejeitar que tivesse pressionado o Sol a mudar conteúdos editoriais.

"Não tenho conhecimento do envolvimento do Governo, do primeiro-ministro, em nada que tenha a ver com a TVI. Nunca falei com ele sobre isso", reiterou Armando Vara em resposta a uma questão de João Semedo, deputado do Bloco de Esquerda.

"Não tenho conhecimento e não acredito", acrescentou o antigo ministro socialista, apoiando-se naquilo que José Sócrates "veio dizer solenemente ao país" na noite de quinta-feira.

Aludindo às transcrições de escutas publicadas pelo Sol, Vara negou ter mantido "conversações" com o consultor da PT Paulo Penedos, outro dos arguidos do processo Face Oculta, a propósito das negociações frustradas para a aquisição da estação televisiva de Queluz de Baixo: "Nunca falei com Paulo Penedos ao telefone sobre essa matéria, nunca".

"Almoço das perpétuas"

Durante a audição, Armando Vara confirmou que esteve no denominado "almoço das perpétuas", encontro que juntou o administrador do Millennium BCP, o presidente do Conselho de Administração do banco, Carlos Santos Ferreira, o presidente executivo da Portugal Telecom, Zeinal Bava, e Fernando Soares Carneiro, administrador executivo da empresa de telecomunicações nomeado com o apoio do Governo, ao abrigo das prerrogativas da golden share do Estado.

O objectivo do Banco Comercial Português, afirmou Vara, era apenas o de levar a PT a comprar obrigações da instituição financeira: "Foi isso que discutimos nesse almoço e mais nada".

O administrador do BCP, com funções suspensas há quatro meses, garantiu ainda que não informou o primeiro-ministro do "almoço das perpétuas", frisando que é "um profissional onde quer que esteja".

"Decisão de sair do capital do Sol estava tomada"

A questão das relações financeiras entre o semanário Sol e o BCP foi levantada no arranque da audição pelo deputado social-democrata Pedro Duarte. Armando Vara disse desconhecer "cortes" na linha de crédito ao jornal e remeteu para a anterior administração do banco a decisão de abandonar o capital da publicação liderada por José António Saraiva.

"Quando chegámos, a decisão de sair do capital do Sol estava tomada, não alterámos nada", afirmou Vara, acrescentando que não desempenhava qualquer papel na sociedade de capital de risco Millennium BCP Capital, responsável pela ligação ao semanário. O administrador do banco acusaria, em seguida, José António Saraiva de "nunca ter dito a verdade sobre isso": "O banco sempre cumpriu com todos os compromissos. A entrada do banco teve sempre um horizonte de saída".

Armando Vara referiu também a altura em que a administração do jornal Sol optou por "criar uma empresa ao lado" e transmitir acções para essa entidade. O BCP, afiançou, deixou de ser accionista do semanário "porque era impossível a um banco ter uma relação de parceria sem conhecer os sócios".

Quanto ao corte da linha de crédito ao Sol, Vara alegou o desconhecimento da operação, embora tenha admitido que, ao deixar a estrutura accionista do jornal, o BCP pudesse pôr termo à relação com o jornal.

"A decisão de sair da estrutura accionista do jornal Sol foi tomada pela administração anterior, que fez um contrato com a Cofina para vender a participação. O que se fez foi não alterar essa decisão. E, quando a Cofina não concretizou a compra e quis vender a outros, o BCP comunicou ao Sol que mantínhamos a intenção de vender", insistiria mais tarde Armando Vara, em resposta a questões suscitadas pelo deputado comunista João Oliveira.

"Deveres não estão suspensos"

Afastando a existência de uma estratégia para cortar a publicidade no Sol, Armando Vara sustentou que a gestão publicitária do BCP em órgãos de comunicação social está a cargo de uma empresa especializada. Por outro lado, garantiu que, na qualidade de administrador, "nunca" teve "competências na área do crédito", "por estranho que pareça".

Perante as respostas de Vara, o deputado do PCP João Oliveira considerou "estranho" que o administrador do Millennium tenha detalhado a operação de saída do capital do Sol, embora "nada saiba sobre o corte de crédito a este jornal". Da mesma forma, o deputado do Bloco de Esquerda João Semedo mostrou-se céptico quanto ao argumento de Armando Vara de que não detinha uma tutela directa sobre as operações de crédito: "Fui director hospitalar e um director de hospital, por princípio, não marca consultas. Mas tive de marcar muitas consultas".

O antigo governante socialista foi ainda questionado sobre a relação do BCP com a Controlinveste, de Joaquim Oliveira. A actual administração do Millennium, garantiu Armando Vara, "não executou nenhum acto de aumento de crédito" ao grupo que abarca o Diário de Notícias, o Jornal de Notícias e a rádio TSF. A relação "é anterior a esta administração, segundo Vara.

Sobre Joaquim Coimbra, um dos accionistas do Sol, o administrador do BCP disse tratar-se de "um cliente importante do BCP", reconhecendo que falou com o empresário por diversas ocasiões. Já quanto à Ongoing, voltou a afirmar que a relação do Millennium com a empresa era "anterior" à actual administração. No momento de reavaliar o dossier, já havia suspendido as suas funções.

Questionado sobre a Cofina, Armando Vara descreveu o grupo como "um grande e bom cliente do banco". Mas não quis falar das relações com "um cliente": "Tenho a função suspensa, mas os meus deveres não estão suspensos".

Sócrates "não estava a par"

À saída da audição no Parlamento, Armando Vara mostrou-se convicto de que o primeiro-ministro "não estava a par" de qualquer projecto para o controlo da comunicação social. Isto "porque não havia nenhuma estratégia".

"Eu acredito que ele não sabia. Eu tenho a certeza de que ele não sabia. Formalmente, tenho a certeza de que ele não sabia. Ele não estava a par porque não havia nenhuma estratégia do Governo para pôr em prática o plano de que é acusado", disse o antigo governante aos jornalistas.

O vice-presidente do BCP afirmou, ainda, que "o primeiro-ministro já disse tudo o que tinha a dizer sobre o assunto" e que "o Governo vai acabar fortalecido". E voltou a questionar a estrutura accionista do Sol: "Não tenho a certeza de quem são os accionistas do Sol. É muito estranho que ninguém saiba quem são os donos dos órgãos de comunicação social. À frente sabemos quem está. Atrás não".

PSD antecipa "avaliação política"

Para os sociais-democratas, é já "evidente" que "tem havido uma tentativa objectiva de condicionamento e de manipulação dos órgãos comunicação social por parte do Governo e concretamente por parte do primeiro-ministro". O deputado do PSD Pedro Duarte considera mesmo ser possível adiantar "uma avaliação política" das primeiras audições na Comissão de Ética sobre a liberdade de expressão no país.

"É evidente que todos nós percebemos, e tem sido afirmado recorrentemente por parte dos nossos convidados, que tem havido uma tentativa objectiva de condicionamento e de manipulação dos órgãos de comunicação social por parte do Governo e concretamente por parte do primeiro-ministro", declarou o vice-presidente do grupo parlamentar do PSD após a audição de Armando Vara.

"Temos de considerar isto um gesto gravíssimo da parte do Governo, que evidentemente acho que sai fragilizado", reforçou.

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