Sócrates quer governar contra "ataques de carácter"

O primeiro-ministro tornou esta quinta-feira a negar que o Governo tenha instruído a PT “para adquirir a TVI”, ou gizado “um plano para controlar órgãos de comunicação social”. José Sócrates condenou também o que disse ser o aproveitamento político da “divulgação criminosa de escutas”. Declarações que a Oposição resumiu como mera repetição de “argumentário”.

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Na Grande Entrevista da RTP, Ferreira Leite disse que não ouviu "nenhumas explicações" na intervenção de Sócrates António Cotrim, Lusa

Na antecâmara de uma reunião com o grupo parlamentar socialista - a segunda escala do secretário-geral do PS numa série de encontros que começou na quarta-feira com o Secretariado Nacional do partido e termina no sábado com o Conselho Nacional e com uma sessão promovida por militantes do Porto -, José Sócrates chamou os jornalistas a São Bento para reafirmar a sua posição perante as notícias que o colocam no centro de um alegado plano do Governo para controlar diferentes órgãos da comunicação social.

Contra o "ataque pessoal", a "insinuação" e a "mentira pura e simples", o primeiro-ministro voltou a negar que o Governo, a partir do seu gabinete, tivesse arquitectado um projecto "para controlar ou condicionar órgãos de comunicação social".

"Nunca, nem eu próprio, nem o Governo, demos qualquer orientação à PT, ou a qualquer dos seus administradores, para adquirir a TVI ou para adquirir qualquer outra empresa de comunicação social. Isso, pura e simplesmente, não passa de uma falsidade, como é igualmente uma falsidade que alguma vez eu ou o Governo, à data da minha primeira declaração sobre o assunto na Assembleia da República, tenhamos sido informados pela PT sobre as suas intenções de adquirir a TVI", reiterou Sócrates.

"A segunda verdade é que nem o Governo, nem eu próprio, temos, nem tivemos, um plano para controlar ou condicionar os órgãos de comunicação social em Portugal. Essa ideia não é apenas uma ideia rotundamente falsa, mas igualmente uma ideia infundada e uma ideia até delirante. A terceira verdade, simples e clara, é que todos os portugueses são testemunhas de que temos em Portugal uma comunicação social livre, onde diariamente se exprimem, sem qualquer tipo de condicionamento, as mais diferentes e diversas correntes de opinião", sustentou.

"Ataques de carácter"

Definindo-se como "democrata", José Sócrates voltou também à carga sobre o que considerou ser "a divulgação criminosa de escutas telefónicas" e o aproveitamento político das notícias das últimas semanas para "ataques de carácter" contra a cúpula do Executivo.

"Como democrata e, aliás, como qualquer pessoa que preza a decência e a lealdade na vida pública, condeno e repudio as violações do segredo de justiça e naturalmente também a divulgação criminosa de escutas telefónicas. Faço-o, não porque tema seja o que for quanto ao seu conteúdo, não tenho absolutamente nada a temer, mas faço-o porque esses crimes atentam contra as pessoas, contra o direito à privacidade e contra o funcionamento da justiça", vincou o primeiro-ministro.

"Mas o que é especialmente condenável é a indignidade daqueles que tentam aproveitar-se desses crimes para lançarem ataques de carácter aos seus adversários políticos, não hesitando em recorrer a métodos que dão mostras de não saber aceitar a escolha e o resultado das eleições legislativas, que dão mostras de não saber conviver com o julgamento democrático dos portugueses", reforçou Sócrates.

"Esses são aqueles que parecem ter-se desinteressado do país para apenas se concentrarem no insulto como arma de ataque pessoal", concluiu.

Sócrates quer cumprir "o programa que venceu as eleições"

José Sócrates deixou claro, no segmento final da intervenção desta quinta-feira, que não tenciona deixar a chefia do Governo. "Não será agora, como não foi no passado, que uma qualquer sucessão de insultos, de rumores ou de mentiras me fará desviar da responsabilidade que o povo me confiou", garantiu.

"Como primeiro-ministro, conduzirei o Governo, como é meu dever, no combate à crise económica, pela modernização do país, cumprindo aliás o programa que venceu as eleições. Desta forma, estaremos a contribuir para a elevação do debate político, para o prestígio das instituições e para que a vida política se concentre nos reais problemas das pessoas e nos reais problemas do país", afirmou o chefe do Governo.

Sócrates enunciou, em seguida, a agenda do Executivo para o futuro próximo: "Discussão e aprovação final do Orçamento do Estado, sem o desvirtuar e respeitando, naturalmente, a sua coerência; apresentar e discutir um Programa de Estabilidade e Crescimento que reforce a confiança internacional na nossa economia, que aposte claramente no crescimento económico e na criação de emprego, mas que aposte também no equilíbrio das contas públicas que é tão necessário ao próprio crescimento económico".

"É nisto que o Governo está empenhado. Empenhado em servir o país no quadro político que o eleitorado escolheu, cumprindo o programa que venceu as eleições. É isso que me move, contribuir para a estabilidade, defender o interesse nacional, assegurar a governação e conduzir o país para a recuperação económica", insistiu.

Postura de "vitimização"

Para o PSD, as declarações de José Sócrates configuraram, uma vez mais, uma estratégia de "vitimização". Foi essa a leitura feita à RTP pelo líder parlamentar social-democrata, José Pedro Aguiar-Branco: "Penso que foi evidente que podia ter aproveitado para prestar esclarecimentos complementares. Não. Repetiu, já, argumentário que fez noutras vezes e ensaiou, mais uma vez, uma vitimização".

Aguiar-Branco acusou ainda o primeiro-ministro de confundir "legitimidade eleitoral, que ninguém põe em causa, com um contrato de confiança que parece estar posto em causa neste momento".

Na Grande Entrevista da RTP, a líder do PSD, Manuela Ferreira Leite, voltou a considerar que José Sócrates "não falou verdade" quando disse, na Assembleia da República, que não tinha conhecimento do negócio de aquisição da TVI pela Portugal Telecom. E disse mesmo que não vislumbrou "nenhumas explicações" na intervenção do primeiro-ministro.

"Três versões diferentes"

O deputado democrata-cristão Nuno Magalhães começou por assinalar que "nunca ouviram por parte do CDS qualquer comentário em relação à questão das escutas": "À justiça o que é da justiça e à política o que é da política".

"Não deixamos, contudo, de registar que em relação ao negócio que está em causa, nomeadamente entre a PT e a TVI, o senhor primeiro-ministro já disse três versões diferentes sobre o mesmo caso", notou Nuno Magalhães.

O CDS-PP, acrescentou, regista que o primeiro-ministro "voltou hoje à versão do dia 24 de Julho".

"Terceira nota que nos parece importante: no dia em que o Governo teve um Orçamento mau mas, ainda assim, em nome da responsabilidade e do sentido de Estado e do sentido até patriótico o CDS aprovou o Orçamento, aquilo a que o PS e o Governo se dedicaram foi a criar crises artificiais e desafiar ou ameaçar com moções de censura e moções de confiança", lembrou o deputado do partido de Paulo Portas.

"Aquilo que me parece importante dizer ao senhor primeiro-ministro e ao Governo neste momento é que aquilo que o Governo merece, da nossa parte, é que se dê uma moção de bom-senso e essa moção de bom-senso é que o Governo comece a fazer aquilo que deve, que é governar", rematou.

"Uma grande confusão"

Perante as declarações de José Sócrates, O Bloco de Esquerda, pela voz do líder parlamentar José Manuel Pureza, insiste na necessidade de instituir uma comissão de inquérito para escrutinar as relações do Governo com a comunicação social, considerando ainda urgente a apresentação do Programa de Estabilidade e Crescimento.

No que toca à comunicação social, reagiu o líder parlamentar do BE, subsiste "uma grande confusão" que deve ser "clarificada em sede de comissão de inquérito": "Todos os desenvolvimentos que têm ocorrido apontam para a necessidade urgente de um tratamento parlamentar que não se arraste e que seja conclusivo".

Por outro lado, José Manuel Pureza colocou a tónica na governação do país, afirmando que os portugueses "precisam de saber com o que é que vão contar em termos económicos e sociais no futuro imediato".

"É urgente que o Governo mostre ao país o que quer fazer em sede de Programa de Estabilidade e Crescimento. Se quer uma solução à direita, como a que negociou no Orçamento, com cortes de 13.º, 14.º mês e de salários, ou se, pelo contrário, quer fazer uma ruptura que é necessária", advogou.

Sócrates "dramatiza a vida política"

Pelo PCP, o deputado António Filipe acusou José Sócrates de fazer chantagem sobre o Parlamento e de "dramatizar a vida política", insistindo na necessidade de mais explicações do Governo socialista sobre alegadas interferências na comunicação social.

"O primeiro-ministro continua na linha de chantagem sobre a Assembleia da República com vista a fazer prosseguir, através do Orçamento do Estado, aquela que tem sido a orientação do Governo, que não reconhece que perdeu a maioria absoluta", disse António Filipe, acusando Sócrates de insistir em "dramatizar a vida política e em vitimizar-se".

Para o deputado comunista, "os factos têm vindo a revelar" que o primeiro-ministro sabia da intenção da PT de adquirir a TVI, ao contrário do que vem alegando. O PCP defende, por isso, a necessidade prosseguir os trabalhos na Comissão de Ética da Assembleia da República.

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