Um planeta em estado crítico tomba sobre a mesa da COP24 na Polónia

por Carlos Santos Neves - RTP
“Parece que a humanidade caminha a passos largos para o suicídio coletivo”, afirmou na manhã deste domingo, em entrevista à RTP, o presidente da Quercus, João Branco Tim Peake - NASA/ Reuters

Teve início este domingo, em Katowice, a 24ª Conferência da Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas. Três anos depois do Acordo de Paris, as economias mais poderosas tardam em inverter o rumo de políticas energéticas e industriais que potenciam o aquecimento da Terra. As discussões na Polónia foram precedidas de um claro sinal: a América saiu este fim de semana da cimeira do G20, em Buenos Aires, sem querer ouvir falar das metas de 2015.

Em vésperas da COP24, voltou a acender-se a luz amarela da ciência. O quadro aponta agora para o erro das previsões de há duas décadas e para consequências de maior gravidade das alterações climáticas: fogos florestais, secas, chuvas, tempestades e a aceleração da subida dos níveis dos oceanos compõem o cenário de um planeta em que “a humanidade parece caminhar a passos largos para o suicídio coletivo”.
Só os nomes de duas dezenas de dirigentes políticos estão confirmados para a reunião cimeira de segunda-feira em Katowice.

As palavras são de João Branco, o presidente da associação ambientalista Quercus, que em entrevista à edição deste domingo do Bom Dia Portugal fez uma antevisão do que pode ou não resultar da conferência de Katowice.

“Os países têm deixado sinais claros de que querem diminuir as emissões de gases com efeito de estufa, mas depois, na prática, não está a acontecer. Isso é que é um grande problema”, apontou o responsável.

João Branco enumerou “três dados que são preocupantes”: “Um é que as previsões da subida da temperatura foram revistas em alta e já se fala em subidas de três a cinco graus até ao final do século; a outra é que para o ano a humanidade vai queimar mais de 100 milhões de barris de petróleo por dia, portanto está a continuar a haver um aumento do consumo de petróleo; por fim, vemos que as pessoas também não querem saber das alterações climáticas para nada e isso viu-se nas revoltas que estão a acontecer em França, que no fundo são já guerras climáticas”.


“O Presidente francês diz que está preocupado com o fim do mundo e as pessoas dizem que estão preocupadas com o fim do mês. As pessoas ainda não perceberam o que está aqui em causa com as alterações climáticas, que vão ter um impacto devastador”, reforçou o presidente da Quercus.

Ouvido pela France Presse, Johan Rockströem, do Instituto de Potsdam para a Investigação do Impacto do Clima, faz também um vaticínio de tonalidades sombrias, ao sublinhar que “a ciência mostra claramente que temos somente um decénio para limitar as emissões de gases com efeito de estufa”.

“É por isso que temos de começar agora”, exorta Rockströem, que adverte as atuais lideranças políticas da comunidade internacional para o risco de ficarem para a História como rostos do fracasso.
Há três anos
O Acordo de Paris, celebrado em 2015, visava circunscrever o aumento da temperatura do planeta a dois graus Celsius, relativamente à era pré-industrial, ou, no cenário ideal, a 1,5 graus. Na prática, todavia, os compromissos palpáveis assumidos até hoje pelos signatários empurram os termómetros para uma subida de três graus Celsius.

O grupo de peritos do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas estima que, para limitar o aumento a 1,5 graus, as emissões poluentes teriam de ser cortadas em quase 50 por cento até 2030, face aos índices de 2010.

No sábado, quando terminaram os trabalhos da cimeira das 20 principais economias, na Argentina, ficou claro que a primeira superpotência, sob a batuta da Administração Trump, ficará à margem de qualquer esforço no sentido das linhas do Acordo de Paris. A delegação norte-americana foi a única que não subscreveu uma declaração de apoio ao articulado de 2015, completamente rejeitado pelo sucessor de Barack Obama na Casa Branca.

E o mundo deverá contar, em breve, com outro Presidente opositor do Acordo de Paris: Jair Bolsonaro, no Brasil, que no sábado, à saída de uma cerimónia militar em Resende, no Estado do Rio de Janeiro, se queixava de “uma política tacanha” que privilegia temas ambientais e dos indígenas.


Outro dossier que pode levantar problemas é o dos fluxos de financiamento de norte para sul. Os países mais desenvolvidos comprometeram-se a desbloquear 100 mil milhões de dólares anuais, até 2020, para financiar políticas climáticas nos países em desenvolvimento. Mas estes reivindicam compromissos mais concretos.

Os anfitriões polacos da COP24 mantêm, eles próprios, expectativas moderadas, das quais se destaca a adoção de um manual de utilização do Acordo de Paris.

Na cerimónia que cunhou este domingo o início da Conferência, os presidentes dos últimos quatro eventos da Convenção-Quadro da ONU apelaram a "ações decisivas" perante a "ameaça urgente" do aquecimento global.

O apelo foi partilhado pelo ex-ministro peruano do Meio Ambiente, Manuel Pulgar-Vidal, pelo ex-ministro dos Negócios Estrangeiros de França, Laurent Fabius, pelo ministro marroquino dos Negócios Estrangeiros, Salaheddine Mezouar, e pelo primeiro-ministro das Fiji, Frank Bainimarama.

As discussões na Polónia vão prolongar-se por duas semanas.

c/ agências
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