A UNESCO afirma que a inteligência artificial perpetua estereótipos de género e encoraja o uso de linguagem imprópria e sexista pelos utilizadores, devido à existência exclusiva de vozes femininas em assistentes digitais, como a Siri ou a Alexa.
A agência das Nações Unidas critica o facto de as assistentes digitais possuírem maioritariamente vozes femininas e terem "personalidades" submissas. É o caso da Siri (da Apple), da Alexa (da Amazon) e da Cortana (da Microsoft), que possuem vozes femininas por predefinição. A palavra "Siri", na mitologia nórdica, significa "mulher bonita que te leva à vitória" e até o primeiro robô humanoide é feminino – a Sophia.
Esta inteligência artificial perpetua a ideia de que "as mulheres são prestáveis, dóceis e desejosas por agradar, disponíveis com o carregar de um botão ou com um comando de voz", diz o relatório. Reforça a falsa imagem de que as mulheres são inerentemente submissas e "a sua passividade, sobretudo quando há um abuso explícito, reforça narrativas sexistas".
Por outro lado, as respostas que estas vozes replicam são também obedientes. "A Siri respondeu de forma provocadora a pedidos de favores sexuais feitos por homens ("Oh"; "Agora, agora"; "Eu corava se pudesse"; "A tua linguagem!"), mas de forma menos provocadora a pedidos sexuais feitos por mulheres ("Isso não é simpático" ou "Eu não sou ESSE tipo de assistente pessoal").
"Respostas, desviantes, fracas e apologéticas"
A organização diz que "a subserviência das assistentes de voz digital torna-se particularmente preocupante quando estas máquinas – antropomorfizadas como mulheres pelas empresas tecnológicas – dão respostas desviantes, fracas e apologéticas ao abuso sexual verbal".
Pelo menos cinco por cento das interações com as assistentes digitais são de caráter explicitamente sexual, mas esse número poderá ser maior, dada a dificuldade em detetar este tipo de discurso.
Saniye Gülser Corat, a diretora para a Igualdade de Género da UNESCO, alerta para a necessidade de olhar para quem está por trás desta inteligência artificial: "Estamos a cozinhar os preconceitos no sistema por não termos mulheres com um lugar à mesa".
Saniye Gülser Corat, a diretora para a Igualdade de Género da UNESCO, alerta para a necessidade de olhar para quem está por trás desta inteligência artificial: "Estamos a cozinhar os preconceitos no sistema por não termos mulheres com um lugar à mesa".
Melinda Gates afirmou que esta situação é representante de um problema superior: a ausência de mulheres nas áreas da engenharia e informática. O número de mulheres no setor da inteligência artificial é "tão pequeno que é inacreditável".
Discriminação laboral
No ano passado, António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, tinha dito também que as pessoas tradicionalmente excluídas na tecnologia deveriam ser finalmente incluídas no espaço digital.
De facto, no seu relatório, a UNESCO diz os países mais desenvolvidos - logo, mais igualitários - são também aqueles em que as mulheres ocupam menos cargos relacionados com estas áreas.
Segundo o Pew Research Centre, as mulheres são alvo de maior discriminação no recrutamento e no próprio trabalho, em que, frequentemente, são isoladas ou consideradas menos competentes por causa do seu género. Tal leva a uma frequente desistência das respetivas áreas, ou mesmo a um completo desencorajamento de tentar entrar nelas.
Desta forma, a UNESCO recomenda que empresas e Governos não predefinam assistentes digitais com vozes femininas. Sugere também que a tecnologia deveria ser programada de forma a desencorajar insultos sexistas e linguagem abusiva e que as empresas desenvolvam uma máquina neutra, nem feminina, nem masculina.