Um copo meio cheio também está meio vazio

Num mundo de extremismos e posições radicais, de vínculos ideológicos profundos, onde abundam as claques e o preto e branco, e onde ninguém aceita cores intermédias, as discussões estão à partida inquinadas pelo preconceito e pela falta de disponibilidade para estudar, avaliar, pensar e concluir, livre de amarras políticas, clubísticas, religiosas ou corporativas.

Em Portugal há um ambiente estranho no ar, influenciado pelo despeito e pela falta de isenção de várias partes com responsabilidades no país. Só assim se entende que alguns entendam que tudo o que o governo anterior fez era mau, e tudo o que este governo está a fazer é bom, e vice-versa, são apenas os argumentos das claques. 


Só assim se compreende que se tomem agora como bons para defender uma causa argumentos que até há pouco tempo eram usados para atacar uma causa igual mas de sentido político diferente, e vice-versa. Senão vejamos.

O maior problema do país é a dívida, que continua a crescer. Continua. Já crescia no governo de Sócrates, cresceu no anterior e continua a crescer com a geringonça, com um peso brutal sobre a economia portuguesa. 

Os economistas explicam esta situação com variadíssimos factores, internos e externos, e alguns são obviamente motivados por decisões e opções governamentais, muitas vezes erradas mas com boas intenções. Passos Coelho, por exemplo, decidiu, já depois de Portugal sair do programa de ajustamento, que devia ser retida uma parte do dinheiro emprestado ao país pelas entidades internacionais para criar uma almofada financeira que permitisse enfrentar algumas despesas sem que fosse necessário o recurso aos mercados em condições muito penalizadoras para a economia portuguesa. 

Dinheiro que podia ter outro destino mas que ficou cativado. Pode discordar-se mas não se pode ignorar a sensatez desta medida. O agravamento da dívida é difícil de estancar devido aos défices, aos crescimentos anémicos e a outras medidas, como por exemplo a integração da dívida de entidades públicas no perímetro orçamental, ao contrário do que determinavam as regras europeias, entretanto actualizadas, e ela aconteceu em todos os governos nos últimos anos.

Chegados aqui, só com muito boa vontade é que não se olha com desconfiança para o aumento da dívida, para o fraco crescimento, para a dependência da política de compra de dívida que está em curso liderada pelo BCE, para a instabilidade dos juros, para o rating de lixo em que o país se encontra ou para a situação da banca que demora a resolver-se, principalmente a da Caixa Geral de Depósitos, que deve ser o referencial de apoio às empresas portuguesas. 

O investimento é baixíssimo e as contas públicas só se equilibraram com uma ajuda muito forte de um programa de regularização de dívidas que permitiu um encaixe financeiro muito elevado, fruto de um perdão de dívidas.

Mas, na verdade, há bons sinais para estarmos optimistas e confiantes. O que não faz sentido é valorizar as dificuldades como se fossem a única realidade nacional e olhar com desconfiança para os resultados positivos, encontrando todos os dias argumentos para diabolizar esses sinais, e mostrando até à exaustão como são fracos e pouco consistentes.

O desemprego está a diminuir, com uma tendência que parece ser duradoura, mas há quem só queira ver que os empregos criados são piores e que há muita gente que desistiu de procurar emprego ou que pura e simplesmente saiu do país. Estes argumentos são todos verdadeiros, mas a descida do desemprego é de facto um sinal positivo que gera confiança.

Em 2016 foi alcançado um valor recorde do défice, muito abaixo até das melhores expectativas do governo. Terá sido demais diz a esquerda que apoia o executivo, porque não era preciso ir tão longe nos cortes. Seja, mas há que valorizar os 2,1% que são históricos a nível nacional. 

A confiança dos consumidores subiu, o consumo privado aumentou e isso é positivo, mas claro que tem pontos negativos. Porque as pessoas podem estar a consumir fora das suas possibilidades e a contraírem dívidas que podem não conseguir pagar se o cenário se tornar mais adverso. 

Na verdade, devemos olhar para os sinais mais optimistas com cuidado e prudência e para os resultados mais negativos com esperança e confiança de que seremos capazes de ultrapassá-los. Mas a discussão tem de ser séria e baseada em factos reais e comprovados, e não em factos alternativos ou manipulados. 

Diabolizar qualquer um deles é dar argumentos aos que querem prejudicar o país.

pub