Os meninos "roubados" em Espanha

Esta semana entrevistei o Ignacio del Valle depois da leitura impressionante de Céus Negros. O livro mergulha na Espanha de Franco, com um olhar puro sobre a miséria e as profundas divisões de um país que ainda vivia com demasiadas feridas de uma diríssima guerra.

Na leitura conhecemos uma pequena aldeia, a meia dúzia de passos de Badajoz, onde Arturo Andrade, um ex-combatente das milícias que Franco enviou para a frente russa, acaba por descobrir uma gigantesca rede de tráfico de menores. 


Eram os filhos dos republicanos que foram mortos ou aprisionados e que entrariam num programa de reeducação que acabou por se tornar um miserável negócio. Arturo agarra a ponta deste complicado fio, quando investiga a morte de uma menina que Ignacio de Valle descreve com uma pureza arrepiante. 

Terão sido cerca de 30 mil as crianças que esta rede fez desaparecer na Europa e muitas poderão ter sido adotadas por famílias do regime de Salazar em Portugal. Este é um livro que nos intriga, nos inquieta, deixando uma dúvida terrível. 

Nos dias de hoje continuamos a ter alguns sinais de que o tráfico de crianças, mesmo nesta “civilizada” Europa, é uma realidade. Há muitas perguntas sem resposta quando investigamos os sistemas de acolhimentos e a morosidade das adoções.

Há uns bons anos fiz uma reportagem na RTP sobre um caso de uma mulher de fracas posses que teria sido aliciada a entregar o filho a uma instituição, para ser depois adotado. Nunca consegui esclarecer completamente a história, que me garantiam não ser verdade, mas guardo a dúvida até hoje. Aquela mulher quando falou comigo a denunciar o caso não estava a mentir. Vi isso nos olhos de desespero com que me ia deixando cada detalhe da história.

No Sexta às Nove da RTP foram levantadas de novo demasiadas dúvidas sobre o que pode acontecer agora e na Europa continuamos a ter notícia de estranhos desaparecimentos que as polícias admitem estar ligados a redes deste tipo. É um tema sensível, preocupante, que pode lançar algum alarme social, mas estamos a falar de crianças, dos nossos filhos, que ninguém tem o direito de roubar.

No final da entrevista, que podem ver este sábado às 21.50 na RTP2, Ignacio deixa a pergunta sobre o que poderá ter acontecido em Portugal e noutros países com ditaduras como a de Franco. Quando olhamos para estes regimes acabamos sempre por descobrir uma atrocidade maior que nos recorda que é uma bênção viver numa democracia plena, em liberdade, que temos que preservar com muita atenção.

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