Carta desesperada ao primeiro-ministro de Portugal ou a falta que me faz ver pirilampos à noite

Nas segundas-feiras à noite, a RTP1 ganhou o hábito de programar documentários. Excelentes documentários que nos agridem. Quer dizer, que nos violentam. Pela verdade. São trabalhos sobre a ação terrível da espécie humana no Planeta.

Eram as saídas livres depois do jantar. Como se fosse época de festas, romarias de verão, caminhadas aventureiras, a pouco mais de vinte metros de distância da porta da casa, para ir ao tanque público, ali pelas regueiras da água, ver os pirilampos. O meu avô também gostava de ir. Até porque tinha uma lanterna, nesse tempo da aldeia sem iluminação pública. E sem eletricidade, a bem falar. E sem esgotos, também lembrando. Mas uma época cheia de pirilampos. Apareciam em finais de junho, já as ameixas amadureciam brilhantes e as margaridas silvestres serviam de coroas para as bonecas. Os pirilampos tinham a fragilidade de serem os nossos sonhos com asas. Puros de uma natureza que nos brilhava.

No documentário “Circle of Poison” (2015), recentemente exibido na RTP1, dos realizadores Evan Mascagni e Shannon Post, retrata-se como os pesticidas, os herbicidas e os adubos, de proibida utilização nos Estados Unidos da América, poluem o planeta. As empresas norte-americanas continuam a exportá-los para os chamados países do Terceiro Mundo, onde as pessoas lá morrem. E prova, com as vozes de cientistas que a agricultura biológica é mais produtiva para além, claro está, de mais saudável. E que a terra fica viva, que se regenera, que se limpa e cuida. Dela e de todos nós. 


Aconselho-o a ver, senhor primeiro-ministro. A Rádio e Televisão de Portugal faz-se assim cumprir. Com o melhor Serviço Público. E ainda aqui há dois meses, a minha mãe ligou-me por causa do uso de glifosato nas ruas da sua pequena vila. Assim: “filha, eles de máscara a pulverizar os passeios, junto à esplanada do café e nós todos ali, sem máscara a receber aquele pó!”. Afinal, senhor primeiro-ministro o “Terceiro Mundo” existe por cá.

Senhor primeiro-ministro, há quanto tempo não vê pirilampos? Os pirilampos são dos insetos mais frágeis que existem no Planeta. Não sou cientista, ambientalista, especialista ou pessoa importante. Sou cidadã. E mãe e a minha filha, que tem 17 anos, viu pirilampos uma única vez na vida. Em dia de festa verdadeira, num dos casamentos mais bonitos que já presenciámos. Numa aldeia, claro está. Mesmo na Índia, onde a minha filha está a estudar, não consegue ver pirilampos. Quer dizer, especialmente na Índia, onde a utilização indiscriminada de pesticidas e herbicidas não só elimina os pirilampos, como mata pessoas com cancro, faz nascer bebés sem pernas e sem braços e dá frutos sem sementes e sem futuro.

É isso, senhor Primeiro-Ministro. Os pirilampos são o futuro. Há conhecimento de dez espécies diferentes de pirilampos em Portugal. Já não os vejo, senhor primeiro-ministro. As ribeiras já não têm água suficiente. Os caracóis e as lesmas, dos quais se alimentam, morreram. Aqueles aviões que planam sobre as planícies do Tejo largam quantidades absurdas de adubos e de pesticidas tão tóxicos que depois de desaparecerem os pirilampos das nossas noites, senhor primeiro-ministro, haverá tempo em que nem uma única joaninha, tenha cor. 

E senhor primeiro-ministro, depois de um verão tão terrível que nos encheu de fumos e de incêndios e de árvores mortas, não bastava acabar com o uso de químicos na agricultura para permitir à Natureza essa Liberdade para se regenerar? 

Liberdade e Futuro. Não acha, senhor primeiro-ministro ser esta a medida certa para essa coragem? Os pirilampos, com certeza agradecem. Porque os pirilampos são os nossos sonhos com asas. Frágeis.

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