China. Covid-19, economia e Hong Kong em debate no maior evento político do ano

por Joana Raposo Santos - RTP
A sessão plenária da Assembleia Nacional Popular, órgão máximo legislativo da China, é o evento político anual mais importante desse país. Foto: Carlos Garcia Rawlins - Reuters

A maior assembleia política da China, que tinha sido adiada devido à pandemia de Covid-19, começou esta sexta-feira e vai servir de oportunidade para o Governo reforçar a sua autoridade a nível doméstico e internacional. O debate girará em torno do alegado sucesso chinês no combate ao novo coronavírus, mas também da contração económica e da polémica lei de segurança nacional que poderá colocar em causa a liberdade da população de Hong Kong.

A sessão plenária da Assembleia Nacional Popular, órgão máximo legislativo da China, é o evento político anual mais importante desse país e serve habitualmente para discutir objetivos económicos, aprovar orçamentos e fazer passar leis do Governo. Em mais de meio século de existência, os delegados desta assembleia nunca rejeitaram um projeto de lei do Partido Comunista chinês.

Numa altura em que a China parece estar praticamente recuperada da crise pandémica - ao contrário do resto do mundo -, a ocasião servirá para relembrar os cidadãos desta aparente vitória e para promover a narrativa de que o Partido Comunista salvou a nação, contrariando assim críticas internacionais à forma como lidou inicialmente com o surto, que teve origem na cidade de Wuhan.

“A pandemia de Covid-19 é a mais rápida, extensa e desafiante emergência de saúde pública que a China enfrentou desde a fundação da República Popular”, disse o primeiro-ministro Li Keqiang na cerimónia de abertura da Assembleia, esta manhã.

“Sob a forte liderança do Comité Central do Partido Comunista da China, com Xi Jinping na sua essência, e através do trabalho árduo e do sacrifício da nossa nação, alcançámos feitos grandiosos na nossa resposta à Covid-19”, acrescentou.

A tentativa de enaltecer a resposta chinesa surge numa altura em que as tensões entre China e Estados Unidos estão elevadas, com Washington a insistir em acusar Pequim de ter omitido informações sobre a pandemia e de mentir sobre o número de casos confirmados. Também países europeus, como França e Alemanha, já questionaram a veracidade desses dados.
Ausência de objetivos para o crescimento económico
Devido à crise pandémica, a economia chinesa enfrentou a primeira contração após décadas de sucessivo crescimento. Ao contrário do que é habitual, o primeiro-ministro Li Keqiang não anunciou na abertura da cerimónia um objetivo de crescimento para a economia.

“Gostaria de realçar que, este ano, não temos um objetivo específico para o crescimento económico”, esclareceu. “Isto porque o nosso país irá enfrentar alguns fatores que são difíceis de prever devido à grande incerteza quanto à pandemia de Covid-19 e ao ambiente mundial a nível económico e comercial”. A Assembleia que começa hoje reúne cerca de três mil responsáveis políticos de todo o país durante uma semana em Pequim. Na sessão estão representadas províncias, regiões autónomas e as regiões administrativas de Hong Kong e Macau, assim como as Forças Armadas. Devido à Covid-19, todos terão de usar máscaras.

Nos primeiros três meses do ano, a economia chinesa sofreu uma contração de 6,8 por cento. Apesar de muitas pessoas terem já regressado ao trabalho e de o Governo ter anunciado medidas de apoio, as consequências económicas e sociais do abrandamento da economia continuarão a fazer-se sentir.

Além disso, a China depende fortemente das suas exportações, que estão por sua vez dependentes da recuperação económica dos outros países.

Este abrandamento acontece precisamente no ano em que a China tinha prometido que a economia duplicaria em relação a 2010, objetivo que agora parece quase impossível de cumprir. O economista chinês Justin Lin Yifu acredita que o país teria de conseguir um crescimento de pelo menos 5,6 por cento.

Apesar destas dificuldades, a China decidiu aumentar em 6,6 por cento os gastos com a Defesa em 2020, um sinal de que o país mantém os seus objetivos de crescente hegemonia militar. Os gastos ascendem ao equivalente a 162 mil milhões de euros, segundo o portal oficial da Assembleia Popular Nacional.
Liberdade de Hong Kong em risco
A assembleia chinesa deverá também servir para passar uma controversa lei de segurança nacional para Hong Kong, o que representará o maior golpe à autonomia dessa região e das suas liberdades civis desde 1997. Em consequência, poderão esperar-se violentos protestos pró-democracia nessa cidade, à semelhança do que aconteceu durante seis meses no ano passado.

A lei em questão, que pretende proibir contestações, divisões e insubordinações contra o Governo chinês, deverá ser introduzida através de um método constitucional raramente utilizado que poderá efetivamente contornar a legislação de Hong Kong e não deixar alternativa à sua população.

“Será o fim do lema ‘um país, dois sistemas’”, considerou à CNN Dennis Kwok, legislador de Hong Kong e defensor da democracia. “Estão a destruir-nos completamente”, acrescentou.

Pequim argumenta, por outro lado, que a lei é essencial para proteger a segurança nacional após os protestos do ano passado. “A segurança nacional é a base da estabilidade de um país. A proteção dessa segurança serve os interesses fundamentais do povo chinês, incluindo os nossos compatriotas de Hong Kong”, frisou em conferência de imprensa na quinta-feira Zhang Yesui, porta-voz da Assembleia Nacional Popular.

Enfatizando que Hong Kong é uma parte inseparável da China, “e à luz das novas circunstâncias e necessidades”, torna-se “altamente necessário” que a Assembleia exerça o seu poder constitucional para deliberar esta proposta, cujos detalhes vão brevemente ser revelados, explicou Yesui.

A última vez que Pequim tentou passar uma lei semelhante foi em 2003, altura em que meio milhão de pessoas saiu às ruas para a protestar, conseguindo que fosse arquivada.

c/ agências
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