Covid-19. Rússia aposta em tecnologia "autoritária" para tentar travar o surto

por Joana Raposo Santos - RTP
Cerca de 170 mil câmaras espalhadas pelas ruas de Moscovo têm permitido às autoridades vigiar os cidadãos que violam a quarentena domiciliária. Foto: Shamil Zhumatov - Reuters

A pandemia de Covid-19 está a dar às autoridades russas a oportunidade de testarem novos poderes e tecnologias que tinham desenvolvido ainda antes do início do surto no país. Numa tentativa de travar o contágio, Moscovo tem utilizado equipamentos de vigilância que estão a preocupar ativistas, por acreditarem que a privacidade e a liberdade de expressão da população podem estar em causa.

O Governo de Vladimir Putin tem sido pioneiro no que toca ao tipo de tecnologia que muitos consideram autoritária. No ano passado, o Kremlin aprovou medidas que permitem a criação de uma Internet independente na Rússia, ou seja, a imposição de uma espécie de “Cortina de Ferro” digital entre esse país e o resto do mundo.

Agora, com a pandemia de Covid-19 a alastrar-se pelo globo, as autoridades russas têm procurado testar tecnologias que possam travar o surto, entre as quais um sistema de reconhecimento facial que foi lançado no início deste ano.

Logo após o seu lançamento, esse sistema foi alvo de críticas por parte de cidadãos e ativistas, sendo que vários deles iniciaram ações em tribunal contra a utilização desta tecnologia, alegando uma vigilância ilegal da população.

Na semana passada, a polícia de Moscovo disse ter multado duas centenas de pessoas que foram apanhadas a violar a quarentena através desse sistema de reconhecimento facial e de 170 mil câmaras espalhadas pela cidade.

“Queremos que existam ainda mais câmaras, para que não fique a faltar nenhum canto escuro em nenhuma rua”, declarou Oleg Baranov, chefe da polícia de Moscovo, citado pela CNN. Baranov acrescentou que estão já a ser instaladas mais nove mil câmaras pela capital russa.
“As medidas vão permanecer”
Esta semana, o primeiro-ministro russo ordenou ao Ministério das Comunicações que implantasse rapidamente um sistema de geolocalização baseado na recolha de dados de pessoas específicas através de empresas de telecomunicações.

Caso seja efetivamente adoptado, este sistema fará com que os dados dos utilizadores deixem de ser anónimos. De acordo com o Governo russo, a informação recolhida através deste método será utilizada para, depois, serem enviadas mensagens de texto às pessoas que estiveram em contacto com os contagiados pelo novo coronavírus.

A informação servirá ainda para notificar as autoridades regionais sobre casos suspeitos para que estas possam colocar essas pessoas em quarentena domiciliária.

“O assustador aqui é que a pandemia vai acabar eventualmente, mas estas medidas vão permanecer”, lamentou Sarkis Darbinyan, advogado e membro de uma organização não-governamental pelo direito à liberdade. “Outros países possuem uma maior cultura da privacidade e uma limitação significativa do acesso a estes dados”. A Rússia possui, até ao momento, 1534 infetados, dos quais 64 recuperaram, e regista oito vítimas mortais.

Outro sistema utilizado pela Rússia consiste na análise das redes sociais de pessoas infetadas ou suspeitas de infeção pelo novo coronavírus.

De acordo com o presidente da Câmara de Moscovo, Sergey Sobyanin, as autoridades municipais terão vigiado através desse método uma mulher chinesa que em fevereiro voou desde Pequim até à cidade russa.

Sobyanin explicou que as autoridades localizaram o motorista de táxi que transportou a mulher do aeroporto até ao seu alojamento, assim como uma amiga com quem se encontrou na rua – em violação da quarentena -, tendo depois recolhido os dados das 600 pessoas que moram no mesmo edifício onde a mulher chinesa estava alojada.

Um teste à mesma mulher comprovou, mais tarde, que a mesma não estava infetada pelo novo coronavírus.
O caso israelita
A Rússia não é, porém, o único país a adoptar medidas consideradas extremas para vigiar a população. Em Israel, Agência de Segurança do país, conhecida por Shin Bet, tem utilizado dados telefónicos e de cartões de crédito para mapear os movimentos das pessoas.

Segundo o Ministério da Saúde de Israel, os dados considerados relevantes são depois transmitidos às autoridades de saúde, que passam a ordenar a quarentena a todos os que estiveram durante mais de dez minutos a menos de dois metros de um doente com Covid-19.

O Governo israelita garante que as informações recolhidas apenas vão ser usadas por especialistas da área da saúde e que serão eliminadas após 60 dias. Ainda assim, grupos de ativistas enviaram uma petição contra esta medida ao Supremo Tribunal de Justiça, que garantiu que ia encerrar o programa a menos que este passe a garantir o direito dos cidadãos à privacidade.

Em resposta, a Shin Bet disse já ter ajudado a identificar e isolar mais de 500 pessoas que mais tarde testaram positivo para a Covid-19.

Já na Europa, continente mais afetado pela pandemia, o uso de tecnologia é bastante mais comedido. Em países como Itália, Alemanha e Áustria, os cidadãos têm aceite partilhar os dados dos seus telemóveis com as autoridades de saúde de modo a ajudar a monitorizar o comportamento da população e a verificar se esta cumpre com o isolamento social recomendado.
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