A Grécia e um não acordo: caminho para a bancarrota

por Christopher Marques - RTP
Sem acordo, não há dinheiro. Sem dinheiro, não há pagamento. Falhar um pagamento não representa imediatamente a bancarrota, mas é mais um passo a caminho desta. Yannis Behrakis - Reuters

Sem acordo, não há dinheiro. Sem dinheiro, não há pagamento. O impasse nas negociações helénicas faz do default grego um cenário cada vez mais plausível. Atenas tem os cofres vazios e, em junho, tem de reembolsar cerca de 1.600 milhões de euros ao FMI. Em julho, só em pagamentos ao BCE e ao FMI, são mais quatro mil milhões de euros. Falhar um pagamento não representa imediatamente a bancarrota, mas é mais um passo a caminho desta.

Em termos técnicos, o default é apresentado como o incumprimento de um pagamento devido a uma instituição. No entanto, demorará mais algum tempo até que a Grécia seja oficialmente apresentada como um país em default.

A própria Moody’s assumiu que não veria um não pagamento ao Fundo Monetário Internacional ou ao Banco Central Europeu como um default por parte de Atenas. O próprio FMI, inicialmente, consideraria o não pagamento como um atraso e não como incumprimento.
Caminho para a bancarrota
O cenário de bancarrota inicia-se com o desrespeito de pagamentos em curso. A Grécia poderá entrar em incumprimento com diversas instituições, mas também com os seus próprios cidadãos. Atenas deixaria de cumprir os compromissos assumidos com os próprios gregos, não pagando salários aos funcionários públicos nem pensões aos reformados.

Um ato pouco provável e que é apontado como suicida para um partido de extrema-esquerda, que mereceu a confiança dos helénicos tendo por base a promessa de acabar com a austeridade.

Em maio, Yanis Varoufakis afirmou mesmo que preferia não pagar ao FMI do que deixar de pagar salários.
Não pagar a Christine Lagarde
Dando prioridades às obrigações internas, as instituições internacionais oferecem um vasto leque de possibilidades de incumprimento. Em junho, Atenas tem de pagar quase 1.600 milhões de euros ao Fundo Monetário Internacional, depois de ter aglomerado todos os pagamentos previstos para este mês.

Até ao fim do ano, de acordo com as contas do Financial Times, Christine Lagarde espera receber mais de cinco mil milhões de euros de Atenas.Outros caminhos para o default
Wolfgang Münchau, editor do Financial Times, sublinha haver outros cenários de incumprimento, mas muito menos prováveis.

Por enquanto, não é esperado que Atenas entre em incumprimento com os seus parceiros europeus, uma vez que os reembolsos do primeiro resgate não deverão iniciar-se antes de 2020.

Apesar de ser pouco provável, há ainda a possibilidade de a Grécia entrar em incumprimento com os detentores privados de dívida pública.

“Não seria uma boa ideia”, aponta Münchau, uma vez que a Grécia poderá precisar deles mais tarde e uma tal ação abalaria fortemente a confiança dos investidores.


Sem ser libertada a última tranche do resgate financeiro, no valor de 7.200 milhões de euros, Alexis Tsipras já deixou claro que não enviará dinheiro para a instituição de Washington.

Um não pagamento ao FMI não será imediatamente interpretado como uma situação de default, mas a Grécia seria incluída na pouco prestigiada lista de países com pagamentos em atraso.

O Estado helénico seria o primeiro país desenvolvido a ser incluído nesta listagem, da qual fazem parte países como a Somália, o Sudão, Cuba e o Zimbabué.

O Fundo Monetário Internacional, aponta The Telegraph, atribuirá um período de 30 dias para que Atenas realize o pagamento, antes de notificar a comissão executiva para o incumprimento helénico.

A partir daqui, a comissão executiva daria início ao processo que poderia culminar com a declaração de falência do Estado helénico.
Não pagar a Mario Draghi
Não tendo dinheiro para enviar para Washington, o mais provável é também Mario Draghi ficar de mãos a abanar. Em julho, o Estado helénico tem de reembolsar quase 3.500 milhões de euros ao Banco Central Europeu, de um total de mais de 6.600 milhões de euros que deve pagar até ao fim de agosto.

É mesmo o incumprimento para com Frankfurt que poderá motivar maiores consequências para a Grécia, aponta o Financial Times.

Tudo porque, efetivamente, o Banco Central Europeu tem a faca e o queijo na mão, ao garantir a liquidez do sistema financeiro. Apesar de ter as ferramentas, Frankfurt tem receio das consequências que a sua utilização poderá trazer.

Se Atenas não cumprir com as suas obrigações perante Frankfurt, será difícil a Mario Draghi justificar a contínua expansão do ELA, o mecanismo de emergência do BCE e que tem garantindo a liquidez dos bancos helénicos. Com o Estado helénico em incumprimento, as garantias gregas valeriam pouco para aumentar um fundo que já ultrapassa os 84 mil milhões de euros.

“Se o Governo grego não estiver mais sob assistência financeira, as garantias soberanas perdem o seu valor. O BCE não poderá reinvindar que os bancos helénicos são solventes”, analisa o Politico.

Fechada a torneira, Atenas deverá avançar com restrições ao movimento de dinheiro para impedir uma fuga de capitais.
"Quando queremos, podemos"
A partir daqui, entramos numa nova incógnita. A via de saída do euro parece ganhar consistência, mas não é inevitável.

A coexistência de duas moedas, um acordo com as instituições europeias para um default assistido ou a utilização do euro sem estar associado formalmente à Zona Euro são algumas das possibilidades apontadas pelos economistas.

Apesar de tudo, mantém-se a hipótese de não se chegar tão longe.



Fotografia: Hannibal Hanschke - Reuters


Persiste ainda a expetativa de Angela Merkel e Alexis Tsipras se entenderem e fecharem um acordo com um simbólico aperto de mão, apadrinhado por Draghi, Juncker e Lagarde.

“Estou persuadida que quando queremos, podemos”, atiçou Merkel. Veremos se todos querem. Veremos se todos podem. 
pub