Competitividade e ameaça de guerra regional no Médio Oriente dominam Conselho Europeu

por Graça Andrade Ramos - RTP
Conselho Europeu reunido em Bruxelas em abril de 2024 Olivier Hoslet - Reuters

O agravar brusco de tensões no Médio Oriente, após o ataque iraniano com mais de 300 mísseis a Israel durante o fim de semana e ao fim de mais de seis meses de operações militares israelitas na Faixa de Gaza, dominou parte dos dois dias de reunião do Conselho Europeu, originalmente dedicados apenas à competitividade económica do bloco.

Nas conclusões apresentadas esta quinta-feira, os líderes europeus refletiram a preocupação mundial com um conflito que ameaça eclodir a qualquer momento e arrastar consigo o mundo, apelando em bloco à contenção das partes envolvidas, Irão e Israel.

Horas antes, os ministros da UE tinham acordado na imposição de novas sanções ao Irão e avisado para "novas medidas restritivas" contra Teerão, quanto à produção iraniana de drones e de mísseis.

Esta tarde, o ministro italiano dos Negócios Estrangeiros, Antonio Tajani, ecoou o apelo à prudência e à contenção, dirigido sobretudo a Israel.

"O nosso apelo é sempre pela prudência e desescalada", afirmou Tajani aos jornalistas numa reunião do G7 à margem do Conselho. "Esperamos que a resposta israelita, que irá provavelmente surgir, seja precisa e não alguma coisa que cause uma escalada", acrescentou.

Israel, com os seus principais aliados ocidentais e vários países vizinhos, incluindo a Jordânia e a Arábia Saudita, conseguiu destruir os projéteis e defletir o ataque, prometendo responder e iniciando uma troca de ameaças com os iranianos.

"Para nós é importante que este momento, este sucesso para Israel, seja usado para incrementar a desescalada", alertou por seu lado o chanceler alemão, Olaf Scholz, "e não para lançar um ataque massivo".
Patriots para Zelensky
Também a guerra na Ucrânia foi tema de conversa, centrada no apelo em videoconferência do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, por mais armas e sistemas de defesa, num contexto militar cada vez mais insustentável.

O vice-presidente executivo da Comissão Europeia, Valdis Dombrovskis, referiu que os membros do G7 admitiram virem a utilizar quase 300 mil milhões de dólares em fundos russos congelados como colateral de empréstimos à Ucrânia.

Não foi ainda tomada qualquer decisão e o debate prossegue porque há várias opções em cima da mesa, acrescentou Dombrovskis, referindo esperar que a União Europeia, que detém a parte de leão destes fundos, aprove nos próximos meses uma medida específica para utilizar os lucros ou juros obtidos com estes bens para ajudar a Ucrânia.

Num auxílio mais prático e célere, o chanceler alemão confirmou a provável entrega de seis sistemas de defesa aérea MIM-104 Patriot a Kiev, num contexto NATO. 

"Espero que seja possível encontrar mais seis dentro do contexto NATO e aproveitei a ocasião para defender isto em muitas conversas", afirmou Olaf Scholz. Um deles "irá da Alemanha", acrescentou.

O pedido de Zelensky impressionou os Estados-membros da União Europeia, referiu o primeiro-ministro português, Luís Montenegro, após a que foi a sua primeira participação num Conselho Europeu.


"Esse apelo caiu fundo em todos os Estados da UE e aqueles que têm maior capacidade anunciaram a sua predisposição de, num futuro próximo, poder reforçar essa mesma capacidade, ajudando a Ucrânia", disse, em conferência de imprensa, em Bruxelas. Portugal, contudo, não poderá fornecer sistemas de defesa anti-aérea, lembrou o primeiro-ministro.
CMU sem consenso
O tema original do Conselho Europeu era a necessidade de aprofundar a competitividade da economia europeia e ela esteve igualmente em cima da mesa.

Os debates não conseguiram contudo reunir consenso sobre a União dos Mercados de Capitais, um projeto caro à França e a muitos dos líderes europeus, incluindo a presidente da Comissão e o presidente do Conselho.

Emmanuel Macron, para quem a unificação dos mercados de capitais irá reforçar a economia global europeia, lamentou o atraso. "É essencial, se quisermos garantir que os nossos próximos passos tenham sucesso", garantiu o presidente francês aos repórteres no final dos dois dias de reuniões.

A União dos Mercados de Capitais, ou CMU na sigla inglesa, marca passo desde 2014, quando foi proposta. Tem por objetivo unificar os mercados de ações relativamente pequenos dos vários países europeus e dar oportunidade às PME e start-ups de obter maiores financiamentos, em vez de os procurar nos Estados Unidos.

"A União Europeia tem 33 biliões de euros em poupanças privadas. Necessitamos de encontrar formas de canalizar estes fundos para as nossas empresas", afirmou na rede social X Charles Michel, presidente do Conselho Europeu. "As start-ups da UE obtêm menos de metade dos financiamentos das norte-americanas. Isto tem de mudar. A resposta é União de Mercados de Capitais".

Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, afirmou que 470 mil milhões de euros em capitais europeus poderiam ser libertados para promover a ideia.

Países mais pequenos receiam contudo que a CMU vá concentrar os poderes reguladores em países muito maiores, como a França, que pretende que a Autoridade Europeia para os Mercados Acionistas e de Títulos (ESMA) fique sediada em Paris.

Também a harmonização das regras de taxação empresarial ficou pelo caminho, devido às divergências profundas entre os líderes da União Europeia.
Novo Acordo de Competitividade
Os 27 apelaram contudo a uma só voz a um novo "Acordo de Competitividade" que estreite o grande fosso que separa a UE dos seus rivais globais, como os Estados Unidos, a China, a Índia e outros poderes emergentes, e reverta uma tendência preocupante de declínio industrial, num contexto geopolítico volátil.

A UE enfrenta ainda alterações demográficas muito rápidas e a competição de governos estrangeiros que atraem investimentos através de pacotes atrativos de subsídios.

"Necessitamos mobilizar mais dinheiro, mais instrumentos para investir em setores estratégicos", afirmou Charles Michel. "Durante esta reunião, todos nós percebemos isso, por um lado é importante tornamos-nos maiores, crescermos, mas cuidando das nossas PME e garantindo que temos a mistura certa, um equilíbrio correto", defendeu.

A União Europeia arrisca tornar-se um deserto industrial e o "novo Acordo" poderá ajudar a reter a margem da competitividade. Para já, contudo, não passa de uma declaração de intenções e só poderá transcrever-se em resultados tangíveis após as eleições para o Parlamento Europeu, em junho.

"A competitividade da nossa União e do mercado único parte de uma base sólida. Agora, necessitamos de transformar isto numa crescimento sustentável de longo prazo", explicou esta tarde Ursula von der Leyen, ao lado de Charles Michel.

O bloco, acrescentou, tem de garantir que os europeus sejam mais do que meros "consumidores de tecnologias e serviços digitais produzidos alhures", apelando a ações concretas para incrementar o acesso a capitais, reduzir custos energéticos, reverter a escassez de competências e reforçar os laços comerciais.

Prioridades ecoadas também por Luís Montengero.

Ainda mais inclusão
Nestes dois dias, o debate económico centrou-se no relatório de 147 páginas apresentado pelo ex-primeiro-ministro italiano, Enrico Letta, sobre a forma de fortalecer o mercado único europeu de forma a sustentar o crescimento, diminuir o fosso financeiro e atrair mais empregos e prosperidade.

Letta fez um périplo por 65 cidades europeias e viu um cenário alarmante de estruturas estabelecidas nos anos 80 do século XX que atrasam a produtividade do século XXI.

O italiano aconselha o alargamento do mercado único aos setores estratégicos da energia, das telecomunicações e das finanças, considerados por muitos fatores de soberania. 

A sua não inclusão, referiu, é agora "um enorme travão ao crescimento e à inovação", devendo terminar, de forma a ficarem integrados e tornar a Europa mais atrativa ao investimento financeiro.

Letta propõe ainda que a União Europeia assuma uma prerrogativa até agora reservada aos governos nacionais, de conceder subsídios a empresas, em resposta a medidas e estratégias semelhantes adotadas nos Estados Unidos e na China.
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