Pascal Lamy. Reino Unido terá de aceitar fronteiras na Irlanda do Norte diz ex-líder da OMC

por RTP
Pascal Lamy Reuters

"Inevitável". É como o ex-secretário-geral da Organização Mundial do Comércio, Pascal Lamy, descreve a cedência britânica para o mais recente diferendo que opõe o Reino Unido à União Europeia no pós-Brexit devido ao Protocolo da Irlanda do Norte.

Londres tem contestado a necessidade de controlos fonteiriços exigidos por Bruxelas nos portos da Irlanda do Norte.Esta terça-feira, depois de uma semana de especulações e de avisos por parte de Bruxelas, a ministra britânica dos Negócios Estrangeiros, Liz Truss, confirmou que o executivo britânico está preparar nova legislação que altera unilateralmente o Protocolo.

Pascal Lamy, que liderou a OMC até 2013 e acompanhou de perto o processo do Brexit, referiu em entrevista ao Guardian esta quarta-feira que nem percebe esta estratégia britânica, que arrisca uma guerra comercial com a União Europeia.

Um cenário improvável para já, uma vez que a “relação custo-benefício” é “ridícula”, considerou.

Mas que, a concretizar-se, seria um conflito certamente ganho por Bruxelas devido à maior capacidade comercial e sobretudo se a UE retaliasse com sanções.

Lamy considera pelo contrário “que se pode perfeitamente resolver” a questão, desde que o governo de Boris Johnson reconheça a inevitabilidade da existência de uma fronteira em torno da Irlanda do Norte, devido ao Brexit.
"Ficar com o bolo e comê-lo"
“Existe um ponto de interrogação quanto ao problema exato do lado britânico. Caso seja não queremos uma fronteira então isso equivale a dizer não queremos o Brexit. E isto torna-se insolúvel”, explicou. Pascal Lamy reconhece não perceber bem “o que pretende “ o Reino Unido. “Se não existir uma fronteira [o Brexit] não irá funcionar. Não se pode abandonar a União Europeia e não ter uma fronteira. Isso é querer ficar com o bolo e comê-lo”.

se o Reino Unido admitisse que uma fronteira é consequência direta do Brexit, então seria possível encontrar uma solução, acrescentou Lamy.

O primeiro-ministro britânico deveria ainda deixar de usar a pressão emocional do Brexit, que mistura “óleo com vinagre”, ao tratar uma questão essencialmente técnica, indicou o agora presidente do Fórum da Paz de Paris, uma ONG francesa.

“O governo britânico tem uma capacidade de misturar problemas e fazer uma sopa política”, ironizou considerando que estas são “questões óleo e vinagre entre emoção e problemas técnicos”.

“A emoção está exacerbada porque Boris Johnson continua a rufar o tambor que proclama o Brexit como algo fantástico. Ele tem de aumentar o som do tambor constantemente para dizer isto”, acusou.

O primeiro-ministro britânico está ainda a ser pressionado pelo partido unionista irlandês, derrotado nas recentes eleições na República, ganhas pela primeira vez pelos nacionalistas do Sinn Feinn.
Fronteira dinâmica
Pascal Lamy antevê uma solução dinâmica para a questão. Uma fronteira leve com pouca fiscalização comercial no Mar da Irlanda com o Reino Unido alinhado com os níveis de exigência europeus, que se transformaria numa fronteira severa se os britânicos optassem por divergir da UE.

A primeira solução já foi rejeitada por Londres como inaceitável, pois iria por em causa o controlo legislativo britânico. Lamy lembrou contudo que esse é o cerne das questões fronteiriças entre nações, que inclui sempre cedências.“O Reino Unido está dividido entre a sua posição política de querer ter a capacidade de divergir [dos padrões] e a consequência técnica disso, que é uma fronteira dura”, afirmou.

A única forma de resolver o impasse, referiu ainda, é “diminuir a carga emocional” e “deixar os técnicos encontrar uma solução que permita a ambos os lados um cruzamento entre uma fronteira leve e uma severa”.

Já que a existência de uma fronteira entre o Reino Unido e a UE não é negociável, a melhor solução para Londres é “ganhar tempo, já que não pode ganhar dinheiro”, acrescentou Pascal Lamy.

É uma questão de equilíbrio entre garantir o controlo de um lado e deixar fluir o comércio no outro” explicou. Uma solução poderia incluir esquemas comerciais que “transportariam a fronteira ao longo da cadeia” com controlos ligeiros nos portos.
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