Quatro oligarcas exprimem oposição à guerra na Ucrânia

por Graça Andrade Ramos - RTP
Presidente da Rússia, Vladimir Putin, no Kremlin em fevereiro de 2022 Reuters

Começam a ouvir-se vozes dissidentes entre os multimilionários russos, contra a ofensiva de Vladimir Putin na Ucrânia, tanto dentro como fora do país. Nas últimas horas, quatro deles, um dos quais de origem ucraniana, exprimiram sem meias palavras a sua oposição à guerra ou ao caos económico que os ameaça.

Um deles, Evgeny Lebedev, o empresário russo-britânico filho de um ex-operacional do KGB e tornado Lorde pelo primeiro-ministro Boris Johnson, escreveu uma carta aberta a Vladimir Putin publicada esta segunda-feira num dos jornais que possui.

Noutro jornal britânico, Lubov Chernikhin, casada com um ex-ministro das Finanças de Putin e ex-banqueiro, aplaudiu todos os esforços do Ocidente para resistir ao Kremlin e a Putin e apelou a sanções “tão pesadas quanto for possível” contra o regime russo e quem o apoia.

Para ambos exprimir tais opiniões será menos grave do que para quem está na própria Rússia e será mesmo conveniente por terem interesses pessoais ameaçados no Reino Unido.

Mas a dissensão começa a ouvir-se também na própria Rússia, apesar dos riscos de incorrer nas más graças do Presidente. Dois multimilionários, Mikhail Fridman e Oleg Deripaska romperam as fileiras em torno do Kremlin e apelaram igualmente ao fim da guerra.

Fridman, presidente do maior banco privado da Rússia, lembrou os laços que unem russos e ucranianos e apelou ao "fim do derramamento de sangue". Já Deripaska, cujos negócios serão indistinguíveis do Kremlin, questionou "quem vai pagar este banquete" e o atual "capitalismo de Estado" vigente na Rússia.
Mikhail Fridman: uma "tragédia"
O caso de Fridman é paradigmático dos laços profundos que unem ucranianos e russos. Nascido na Ucrânia, ele próprio o lembrou numa carta enviada aos seus funcionários.
Mikhail Fridman, do grupo privado Alfa e do maior banco privado russo em 2022 Foto - Reuters“Os meus pais são cidadãos ucranianos e moram em Lviv, a minha cidade preferida. Mas tenho passado a maior parte da minha vida como cidadão russo, a fundar e a desenvolver negócios. Estou profundamente ligado aos povos ucraniano e russo e vejo o atual conflito como uma tragédia para ambos”, afirmou.

“Esta crise irá custar vidas e prejudicar duas nações que têm sido irmãs há centenas de anos. Enquanto uma solução parece assustadoramente distante, posso apenas associar-me aqueles cujo desejo mais premente é o fim do derramamento de sangue”, escreveu. A carta, providenciada pelo seu gabinete, foi primeiro publicada pelo Financial Times.

Fridman é o presidente do grupo privado Alfa que opera sobretudo na Rússia e Estados da Federação Russa prestando serviços bancários, de seguros, retalho e produção de água mineral. Vale 11.4 mil milhões de dólares, de acordo com o índex da Blooomberg.

O Alfa Bank, a que também preside, é a quarta maior firma de serviços financeiros da Rússia e o seu maior banco privado. Na semana passada foi alvo das sanções europeias e americanas.
Oleg Deripaska: quem paga "o banquete"?
Oleg Deripaska, um multimilionário que fez fortuna no setor do alumínio, foi o primeiro oligarca a manifestar-se publicamente contra a guerra.
Oleg Deripaska, oligarca russo do setor do alumínio
Numa publicação no Telegram, apelou à paz. “A Paz é muito importante! Negociações têm de se iniciar o mais depressa possível”, escreveu, já depois do Kremlin ter indicado que uma delegação estava na Bielorrússia para encetar reuniões com o lado ucraniano.

Já esta segunda-feira, Deripaska apontou os riscos que corre a economia russa perante a avalanche de sanções financeiras impostas pelo Ocidente e a desvalorização a pique do rublo, a moeda russa.

“Eu pretendo realmente esclarecimentos e comentários compreensíveis à política económica para os próximos três meses”, criticou.

O empresário descreveu as decisões do BCR de subir dramaticamente as taxas de juro, para compensar o congelamento dos seus ativos no estrangeiro, e de obrigar as empresas a vender as suas divisas estrangeiras como “o primeiro teste de quem irá realmente pagar por este banquete”.

“É necessário mudar a política económica”, aconselhou, “precisamos de por um fim a este capitalismo de Estado”.

Deripaska emergiu do colapso da União Soviética com uma fortuna estimada em 2008 pela Forbes em 28 mil milhões de dólares. Dez anos depois, foi alvo de sanções pelos Estados Unidos da América, que notou que o oligarca “é inseparável do Estado russo”.
Evgueny Lebedev: "Suplico enquanto patriota"
Evgeny Lebedev, tornou-se por seu lado o primeiro multimilionário russo a reagir no exterior à crise, ao apelar publicamente ao Presidente russo para parar com a invasão da Ucrânia, através do seu jornal Evening Standard. Evgueny Lebedev, multimilionário russo-britânico dos mediaNuma carta aberta publicada na primeira página do jornal, deixou um apelo direto a Vladimir Putin. “Peço-lhe que use as negociações de hoje para parar este terrível conflito na Ucrânia.”

“Nesta página estão os últimos minutos de uma criança de seis anos ferida fatalmente por morteiros que atingiram o seu bloco de apartamentos em Mariupol no domingo”, escreveu. “Ela ainda enverga o seu casaco cor-de-rosa enquanto os médicos lutam para lhe salvar a vida. Mas é demasiado tarde, Outras crianças, e outras famílias, estão a sofrer destino semelhante em toda a Ucrânia.”

O episódio a que se refere Lebedev foi incluído nesta notícia veiculada na RTP.
Enquanto cidadão russo, peço-lhe para deter os russos de matar os seus irmãos e irmãs, ucranianos. Enquanto cidadão britânico peço-lhe para salvar a Europa de guerra”, apelou Lebedev. “Enquanto patriota russo suplico-lhe que evite a morte inútil de mais jovens soldados russos. Enquanto cidadão do mundo peço-lhe que salve o mundo da aniquilação”.

Evgueny Lebedev é um empresário britânico nascido na Rússia e além do Evening Standard detém o Indepedent e o Canal de televisão London Live, sendo amigo pessoal de Boris Johnson que o tornou Par do Reino e lhe deu assim um assento independente na Câmara dos Lordes.
Lubov Chernukhin: as "mais severas sanções"
Também Lubov Chernukhin, a maior mulher doadora de sempre do Partido Conservador, casada com um ex-ministro das Finanças de Putin e ex-banqueiro, disse ao Daily Telegraph que “gostaria de condenar toda a agressão militar russa na Ucrânia nos termos mais fortes possíveis”. 
Lubov Chernukhin, multimilionária russo-britânica
“Enquanto tais flagrantes atos de guerra são chocantes, não se pode dizer que não houve sinais de aviso”, referiu.

Nas últimas duas décadas, o regime despótico de Putin desceu a uma perseguição stalinesca do povo russo, reprimindo brutalmente qualquer oposição política ou imprensa independente e presidindo ao empobrecimento dramático dos cidadãos russos – enquanto Putin e a sua clique continuam a enriquecer-se às custas do povo russo”.

Eu apoio a resposta decisiva do Governo britânico às ações da Rússia e apelo às mais severas sanções possíveis contra o regime de Putin e quem o apoia. Retenho a esperança que o Reino Unido e os seus aliados continuem a confrontar o Kremlin e a proteger a Ucrânia e o seu povo, agora mergulhados no horror da guerra” rematou.
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