"Greedflation". Lucro de grandes empresas agrava "significativamente" custo de vida

por Rachel Mestre Mesquita - RTP
Nuno Patrício - RTP

As grandes empresas aproveitaram a pandemia da covid-19 e a guerra na Ucrânia para aumentar os preços muito acima do aumento dos custos, aumentando os seus próprios lucros e impactando negativamente o poder de compra da população, conclui um relatório divulgado esta quinta-feira.

As multinacionais cotadas em bolsa do Reino Unido viram os seus lucros aumentar 30 por cento, impulsionados por apenas 11 por cento dessas empresas que conseguiram obter superlucros com base na sua capacidade de fazer aumentar os preços, um fenómeno apelidado de greedflation ou inflação gananciosa, de acordo com o jornal britânico The Guardian.

A conclusão é do relatório "Inflação, lucros e poder de mercado" dos think thank britânicos Institute for Public Policy Research (IPPR) e da Common Wealth, com sede em Londres, que revelaram que a especulação financeira desempenhou um papel determinante no aumento da inflação durante o ano passado e apelam à tributação sobre as grandes empresas para travar os "lucros excessivos".
Lucros das empresas um fator amplificador
Os investigadores consideram que a pandemia e a invasão da Ucrânia pela Rússia foram “claramente o gatilho inicial da inflação elevada”, mas defendem que os lucros das empresas são um “fator amplificador” do aumento dramático da inflação que atingiu níveis não vistos desde a década de 1970 e fez com que os aumentos dos preços atingissem picos mais elevados e mais persistentes do que teriam sido sem tivessem menos poder de mercado.

“Para ser claro: os lucros das empresas não foram o único motor da inflação, nem as empresas dominantes são culpadas pelo choque energético causado pela invasão da Ucrânia pela Rússia. Mas o seu poder de mercado exacerbou as consequências”, argumentam os investigadores do estudo.

A análise das contas financeiras de muitas das grandes empresas britânicas revelou que os lucros ultrapassaram largamente o aumento dos custos, nomeadamente as empresas de energia ExxonMobil e a Shell, as empresas mineiras Glencore e Rio Tinto e as empresas de produtos alimentares e de matérias-primas Kraft-Heinz, Archer-Daniels-Midland e Bunge viram os seus lucros ultrapassar a inflação no rescaldo da pandemia e da invasão da Ucrânia pela Rússia.

"Uma vez que os preços da energia e dos produtos alimentares influenciam de forma tão significativa os custos em todos os setores da economia em geral, este facto exacerbou o choque inicial de preços, contribuindo para que a inflação atingisse um pico mais elevado e durasse mais tempo do que se tivesse havido menos poder de mercado", sublinha o relatório.

Segundo esta nova investigação, que analisou mais de 1.300 empresas cotadas na bolsa de valores do Reino Unido, Estados Unidos, Alemanha, Brasil e África do Sul, traçando trajetórias de lucro antes e depois da pandemia, os lucros das empresas cresceram mais rapidamente do que a inflação numa série de países, como ilustra o gráfico divulgado no relatório e publicado na rede social X.


Também as empresas do setor tecnológico, das telecomunicações e do setor bancário viram as suas margens de lucro aumentarem depois de promoverem aumentos de preços significativos, de acordo com o relatório. “Conseguiram proteger as suas margens de lucro ou mesmo aumentá-las, gerando lucros excessivos através de uma combinação de elevado poder de mercado e dinâmica do mercado global", revela o relatório.

De acordo os investigadores este facto "causou danos significativos à economia no seu conjunto" e o "PIB mundial poderia ser oito por cento mais elevado atualmente se o poder de mercado não tivesse aumentado e as grandes empresas fossem menos dominantes".
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