Aceleracionistas, Antifa, anarquistas... quem está a provocar motins nos EUA?

por Graça Andrade Ramos - RTP
Um ativista face ao cerco policial à Casa Branca dia 1 de junho, durante os motins e protestos nos EUA contra a morte de George Floyd, sob custódia policial Reuters

É o único consenso aparente nos Estados Unidos por estes dias. Por trás da violência registada desde a semana passada em várias cidades dos Estados Unidos, estarão grupos marginais extremistas, com uma agenda política própria, interessados em fomentar o caos e até, quem sabe, em destruir o próprio país.

De acordo com esta teoria, a agitação estaria a ser preparada há muito e aproveitou simplesmente a boleia dos protestos generalizados contra a morte, em Minneapolis e sob custódia policial, do afro-americano George Floyd, dia 25 de maio.

Uma narrativa ao melhor estilo das teorias da conspiração, que tem estado a ser validada e promovida por demasiados líderes - políticos ou das forças de segurança. Haverá, além disso, indícios de que as pilhagens, o vandalismo generalizado e a violência, estão a ser organizados.

Infelizmente, estes sinais não são suficientes para identificar um culpado específico. Poucos dos que apontam o dedo a estas forças nebulosas apresentaram provas detalhadas do que afirmam.

"Na verdade, ninguém sabe", reconheceu Keith Ellison, procurador-geral do Minnesota e ex-congressista de Minneapolis pelo Partido Democrata, no programa Encontro com a Imprensa, da NBC.

"Há muitos vídeos captados pelos manifestantes, de pessoas muito suspeitas, que começaram realmente a quebrar montras", disse Ellison. "Tem havido outras fotografias de carros sem placas de matrícula. Comportamentos muito suspeitos", acrescentou.

Os manifestantes pacíficos, interessados em denunciar e combater o racismo subjacente em tantas localidades e sistemas norte-americanos, querem igualmente apontar o dedo a "outros" que vêm "de fora" - quem quer que estes sejam - e demarcar-se da violência. Pessoas "de fora"
Há dias, numa videoconferência de imprensa, o vice-comissário do Departamento de Ação Anti-Terrorista da cidade de Nova Iorque, John Miller, disse que anarquistas, que não identificou, estavam a planear semear o caos na cidade ainda antes dos protestos, usando comunicações encriptadas para conseguirem financiamentos e apoio médico.

"Prepararam-se para provocar estragos materiais e recomendaram às pessoas que os seguiam que fizessem isto de forma seletiva, e apenas nas áreas mais abastadas ou em lojas de luxo geridas por corporações", referiu.

Durante as manifestações, mantiveram rotas de abastecimento para distribuir gasolina, pedras e garrafas, e também enviaram batedores para encontrar áreas vazias de agentes da policia, acrescentou.

Estes atos estão ainda sob investigação, sublinhou Miller, enquanto garantia que muitos dos participantes eram de fora de Nova Iorque.

A mesma linha de discurso foi adotada pelo governador do Minnesota. O democrata Tim Walz, sugeriu que, a fomentar a agitação, estavam defensores da supremacia branca ou pessoas de fora do Estado, talvez mesmo traficantes de droga."Estamos sob ataque" afirmou Walz, durante uma nota informativa sábado, 30 de maio.

"Temos razões para acreditar que agentes de má fé continuam a infiltrar os legítimos protestos contra o assassínio de George Floyd, razão pela qual vamos prolongar o recolher obrigatório mais um dia", escreveu depois o governador, domingo, na rede Twitter.

Até o FBI atiçou a fogueira, ao falar numa "ameaça letal credível" especificamente contra a Guarda Nacional do Minnesota.

Jon Jensen, um alto responsável da corporação, admitiu aos repórteres que essa foi razão por que o governador Walz autorizou os guardas a andarem armados. As tropas têm estado a carregar munições em cartucheiras e não nas armas, especificou.
Será a Antifa? O que é isso?
A maior acha lançada para o molhe de suspeições difusas veio do próprio Presidente, Donald Trump, a braços com as maiores desordens civis do seu mandato, em ano de eleições e durante uma pandemia que já fez mais de 100 mil mortos.

Sem hesitações, Trump apontou o dedo aos "radicais de esquerda", nomeadamente ao movimento "Antifa" - antifascista - que, anunciou domingo na rede Twitter, "irá ser designada como Organização Terrorista".

Oficialmente, o Antifa carece de liderança específica, não estabelece papéis definidos, nem possui uma estrutura centralizada.

Os meus membros unem-se alegadamente de forma vaga, para realizarem campanhas contra ações que consideram autoritárias, homofóbicas, racistas e xenófobas, numa partilha de táticas e de alvos.

São geralmente hostis às forças da ordem e orientam-se para ações de rua, explicou o líder da Liga Anti-Difamação, Jonathan Greenblatt, capazes de aproveitar a oportunidade de manifestações mesmo que estas não estejam alinhadas originalmente com os seus objetivos.

A verdade é que num caldo tão complexo nem todo o vandalismo pode ser atribuído a uma fação específica.

"Assistimos a táticas que utilizam por vezes durante essas manifestações, mas também não sabemos quantos indivíduos que cometem atos de violência e destroem propriedades são Antifa ou estão apenas chateados com a questão permanente da brutalidade policial", alertou.

A maioria dos analistas menciona uma diversidade de agentes, além daqueles que aproveitam o caos geral para obter benefícios materiais.
E os aceleracionistas?
"Sabemos que tem havido agitadores da extrema-direita, tanto online como nas manifestações, assim como da extrema-esquerda", referiu, ao New York Times, Brian Levin, diretor do Centro de Estudos de Ódios e Extremismos da Universidade Estatal da Califórnia, San Bernardino.

Nos últimos dias, apoiantes de extrema direita inundaram as redes sociais com publicações a sugerir que a agitação era um sinal de que o colapso da América, por que tanto esperavam, estava próximo.

Estes grupos, conhecidos como aceleracionistas, aproveitam qualquer circunstância que lhes permita atingir este objetivo.O conselho de fiscalização das "secretas" alertou no seu relatório de 2019, que o aceleracionismo é uma tendência associada à extrema-direita que defende uma "aceleração" do capitalismo e o caos para "derrubar" a ordem existente. As notícias sobre este grupo ou grupos têm sido mais frequentes nos Estados Unidos do que na Europa.

O jornal britânico The Guardian, referiu recentemente que estes grupos pretenderiam usar a pandemia de Covid-19, para "espalhar o caos", cometer "atos de violência", causar o colapso para "construir" uma "nova sociedade", baseada na supremacia branca.

Estes ativistas acreditam que está iminente um boogaloo, uma insurreição armada contra o Governo de Washington, e uma "corrida às armas", ou ambas, segundo a edição de 23 de maio da revista The Economist, que é preciso combater.

O termo, boogaloo, teve uma inspiração, tortuosa, para a revista, no filme de 1984 sobre breakdance, "Breakin'2: Electric Boogaloo".

Sobre os aceleracionistas, o jornal The Guardian, em 2017, caracterizou-os pela defesa de que a tecnologia, a informática e o capitalismo devem ser "acelerados e intensificados", até se criar um caos, e a tese ou tendência tem vindo a ser adotado por grupos de extrema-direita e nazis.

Também tem sido usada, ao longo da história, por outros grupos, marxistas e anarquistas.

É uma "mistura estranha" entre conceitos de neonazismo e marxismo, definiu The Economist, que defendeu que as contradições das ordens económica e política vão causar um colapso sobre o qual ou o capitalismo surgirá ampliado ou aparecerá uma "nova ordem".Estes grupos são também variados e seguem diversas correntes, e muitos expressam apoio às comunidades negras, contra a polícia.

Mike Griffin, um ativista de longa data de Minneapolis, afirma que as manifestações na cidade atraíram pessoas que nunca viu. Incluíam homens brancos jovens, com botas de bom preço e martelos, que falavam em incendiar edifícios.

"Conheço protestos, faço-os há 20 anos", afirmou ao New York Times. "Pessoas não afiliadas com os manifestantes estão a semear o caos nas ruas", garantiu.

Para a maioria dos analistas, o mais provável é, apesar de tudo, estas serem ações arbitrárias de indivíduos, mais do que um esforço organizado de uma ou de várias entidades.

C/Lusa
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