Águas mais quentes forçam tubarões brancos a migrar para norte na Califórnia

por RTP
Um tubarão branco rodeado de outros peixes Wikicommons

O aquecimento dos oceanos está a perturbar ecossistemas em todo o planeta e a costa da Califórnia, nos Estados Unidos, não é exceção. A área de Monterey Bay registou em apenas seis anos uma subida abrupta dos números de tubarões brancos jovens, que habitualmente cruzam águas 600 quilómetros mais a sul.

"É uma distância enorme em tão poucos anos", considerou Kyle Van Houtan, do Aquário de Monterey Bay, que tem documentado as alterações desde 2014.

Entre esse ano e 2016 registou-se um enorme aumento da temperatura do Oceano Pacífico. O fenómeno foi responsável pela morte de mais de um milhão de aves e tornou acessíveis águas consideradas até então demasiado frias para os grandes tubarões brancos, enquanto o seu habitat habitual se tornava demasiado quente.
"O que é fascinante é que, depois da vaga de aquecimento ter passado, a água permanece quente e os tubarões brancos não se foram embora – continuam por aqui", refere Van Houtan.

A presença prolongada dos tubarões brancos jovens  também foi observada em Long Beach, 460 quilómetros mais a sul, mais perto dos habitats tradicionais da espécie.

Chris Lowe, diretor do laboratório de tubarões da Universidade Estatal da Califórnia, monitoriza as populações de juvenis há 12 anos e em 2020 marcou 38 destes, o triplo do ano anterior.

Os tubarões brancos jovens medem menos de 2.5 metros de comprimento e não conseguem regular a temperatura corporal como os adultos. Necessitam de águas entre 15º e 22º para sobreviver e geralmente migravam no outono para as águas mais quentes de Baja California e do Golfo do México.

"Normalmente já estariam a migrar", referia Lowe em novembro de 2020. "Em vez disso estamos a ver mais tubarões do que nunca".

Aos jovens falta-lhes a força mandibular para comer as presas de maior porte preferidas dos adultos, como as focas ou os leões-marinhos, pelo que se alimentam sobretudo de peixes e de mamíferos mais pequenos.

Em Monterey, que habitualmente só recebe a visita de umas duas centenas de tubarões brancos no fim do verão e início de outono, a presença prolongada dos juvenis fez diminuir os cardumes de peixe e a população de lontras-marinhas caiu 85 por cento.

“As lontras-marinhas são uma espécie ameaçada e muito importante para a costa da Califórnia enquanto engenheiras de ecossistemas, tanto nas florestas de kelp como nas pradarias de algas”, explicou Van Houtan, preocupado com a quebra do número de indivíduos daquela espécie.

A mudança de habitats dos tubarões brancos está a ser encarada como um aviso. Sendo predadores de topo, centram os olhares pois qualquer mudança de hábitos é significativa. A sua migração para novas áreas de caça é um fenómeno global.

"O que detetamos aqui é apenas a ponta do icebergue de padrões muito mais vastos", referiu Van Houten.
Pressão acrescida
Em 2019 registaram-se novos recordes de aquecimento dos Oceanos, cujas consequências só agora começam a ser sentidas.

Prevê-se que o fenómeno vá prosseguir e até acelerar. O aquecimento já é o mais rápido dos últimos dois mil anos, afirmam os cientistas do clima.

Pesquisas recentes indicaram que os cinco anos mais quentes nos oceanos decorreram desde 2015 e que, desde 1986, a velocidade de aquecimento se tornou oito vezes mais rápida do que a registada entre 1960 e 1985.
A mudança da temperatura das águas fez também diminuir em cinco por cento a área do oceano apropriada para jovens tubarões brancos.

"Não parece muito na visão geral mas predadores e presas estão agora comprimidos numa área mais pequena, onde há menos esconderijos. Por isso estamos a assistir a um declínio muito rápido nos peixes, incluindo o salmão", sublinhou ainda Kyle Van Houtan.

O professor Malin Pinsky, da Universidade de Rutgers, EUA, que não integra o grupo de pesquisa de Monterey, referiu ao jornal britânico The Guardian que, "este é um exemplo que chama particularmente a atenção para os movimentos em massa da vida marinha que estão a ocorrer nas nossas costas, e que afetam tudo desde árvores de manga ao bacalhau".

"A mudança do clima está a baralhar os nossos ecossistemas oceânicos e às vezes surgem surpresas com muitos dentes", acrescentou.

"Os tubarões não são o problema”, contrapôs Van Houten. "A mudança do clima é o problema. Os tubarões estão a dizer-nos que os oceanos estão a mudar e que é tempo de reagirmos". O estudo de Monterey Bay analisou a localização dos tubarões brancos e a temperatura da água através de milhões de medições, incluindo identificadores colocados nos tubarões e avistamentos de observação amadora de vida selvagem.

Apesar da subida dos números de tubarões e da temperatura da água, que atrai às praias mais humanos, não se têm verificado mais ataques a pessoas – desde 1950 que o número de ataques de tubarões a humanos caiu 91 por cento e a maior parte dos investigadores tem ligado esse facto a um aumento do conhecimento por parte do público.

O Professor Pinsky sublinhou aliás a colaboração dos cientistas-amadores para os estudos ambientais. “É um grande exemplo do seu poder", referiu. "Sem as pessoas a registarem o que viram em aplicações como o iNaturalist, esta expansão dos tubarões brancos juvenis poderia ter passado despercebida", afirmou.

Um estudo global concluiu recentemente que mais de 30 espécies de tubarões e raias oceânicas correm o risco de desaparecer, devido à falta de alimento causada pela pesca intensiva e à destruição de habitats.
Vida até aos 70 anos
O tubarão branco é uma espécie considerada vulnerável devido às múltiplas ameaças de enfrenta, incluindo a pesca, geralmente fortuita. Pode ser encontrado ao longo das áreas costeiras de todos os oceanos cujas temperaturas oscilem entre 12º e 24º. Contudo, são animais geralmente solitários, de hábitos pouco conhecidos e a sua grande disseminação faz com que as suas populações só possam ser estimadas.

Pesquisas dos últimos anos indicaram que estes animais podem viver até aos 70 anos, atingindo a maturidade sexual entre os 26 (machos) e os 33 anos (fêmeas). A taxa de reprodução será baixa, uma vez que as fêmeas só se podem reproduzir após ultrapassarem os cinco metros de comprimento. A gestação dura 11 meses e produz geralmente três a quatro indivíduos de 120 centímetros.

Na idade adulta, as fêmeas chegam aos sete metros de comprimento e os machos aos quatro metros, embora se calcule que a maioria dos indivíduos seja de menor dimensão. As fêmeas são dominantes relativamente aos machos e o tamanho é um fator de hierarquia em situações de proximidade. Casos de agressão entre si não parecem ser habituais.

Apesar de caçarem em águas geralmente pouco profundas, os tubarões brancos podem mergulhar até os 1.200 metros e atingem velocidades de ponta de 25 quilómetros/hora em rompantes curtos. Têm uma grande variedade de presas, geralmente escolhidas pela sua alta carga de gordura, cuja carne rasgam, engolindo pedaços dela sem mastigar. Além dos seres humanos, o pior inimigo dos tubarões brancos são as orcas, capazes de matar um daqueles de até três metros. A presença de orcas implica geralmente o afastamento dos tubarões brancos de áreas de caça.

Em 2014, um estudo estimava a sua população em cerca de 2.400 indivíduos ao longo da costa da Califórnia. A Nova Zelândia calcula que existam nas suas costas entre 1000 a 1500 tubarões brancos adultos.

A maior população mundial de grandes tubarões brancos encontra-se nas costas da África do Sul, onde diversos estudos ao longo dos últimos 20 anos notaram a diminuição populacional.

Há ainda registos de deslocações de indivíduos desta região até à Austrália, através do Oceano Pacífico, com regresso em menos de um ano.
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