Ameaça de guerra no Golfo Pérsico pode solucionar crise de petróleo dos EUA

por Graça Andrade Ramos - RTP
Teerão afirmou que foguetão Qased, ou Mensageiro, conseguiu colocar em órbita o primeiro satélite militar iraniano, Noor ou Luz, dia 22 de abril de 2020. Reuters

Na mesma semana em que o barril de petróleo se negociou a valores negativos, a tensão entre Estados Unidos e Irão voltou a dar sinais de agravamento. Incidentes entre navios, um novo satélite em órbita e ameaças de parte a parte, seriam noutra altura provavelmente pouco mais do que uma troca de galhardetes. Num cenário de pandemia e de crise económica à escala global, assumem outras leituras.

Esta quinta-feira, o Irão ameaçou destruir navios de guerra americanos no Golfo. A ameaça foi feita na televisão nacional iraniana, pelo líder dos Guardas da Revolução, o major-general Hossein Salami, em resposta ao Presidente dos EUA, Donald Trump.

"Ordenei às nossas forças navais que destruíssem qualquer força terrorista norte-americana no Golfo Pérsico que ameace a segurança dos navios iranianos, militares ou não", afirmou Salami.

"A Segurança do Golfo Pérsico faz parte das prioridades estratégicas iranianas", sublinhou.

Ao mesmo tempo, Teerão chamou o embaixador da Suíça, que representa os interesses norte-americanos no Irão, encarregando-o de passar a Washington o mesmo recado: o Irão irá defender vigorosamente os seus direitos marítimos no Golfo e responder a quaisquer ameaças.

O novo frente a frente surgiu depois de, na semana passada, o Pentágono ter acusado 11 navios dos Guardas da Revolução de executar manobras "perigosas e provocatórias", ao aproximarem-se de seis navios da Marinha e da guarda costeira dos EUA estacionados no Golfo, e cruzar as suas rotas a grande velocidade.

Teerão responsabilizou os adversários pelo incidente.
Ameaças e seus efeitos
Com o mundo inteiro distraído pelas ameaças do novo coronavírus, esta semana os Guardas da Revolução anunciaram a colocação em órbita, bem sucedida, do primeiro satélite militar do país.

O "Noor", ou "Luz", orbita agora a 425 quilómetros acima da Terra, afirmaram. O Pentágono recusou confirmar a informação, mas o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, condenou o lançamento.

Os Estados Unidos afirmaram recear que a tecnologia utilizada para colocar o satélite em órbita implique que Teerão possa vir a obter mísseis de longa distância, talvez equipados com ogivas nucleares, capazes de atingir até alvos norte-americanos.
O regime dos Ayatolas rejeitou as acusações, garantiu que o lançamento não escondeu nenhum programa de desenvolvimento de mísseis balísticos e lembrou de passagem que nunca tentou desenvolver armas nucleares.

No mesmo dia, Donald Trump reagiu ao tom adotado por Teerão e anunciou na rede Twitter que tinha dado ordens às forças navais norte-americanas para dispararem contra navios da Guarda Revolucionária que se tornassem incómodos.


Coincidência, ou talvez não, logo após o tweet de Trump, o preço do petróleo recuperou do abismo de amargura em que tinha mergulhado no início da semana.

Contratos futuros para os barris da West Texas Intermediate (WTI) subiram para os 13.49 dólares, recuperando dos 37 dólares negativos de segunda-feira. Também os futuros do Brent subiram para os 20.53 dólares, depois de negociarem a 15.98 dólares dias antes.Quando uma guerra parece boa estratégia
O Irão é um dos países mais afetados pelo surto de covid-19, e o seu governo, já ameaçado por forte contestação interna há vários meses, tentou esconder o impacto.

Teerão tem agora de salvar a face perante acusações de inépcia no controlo da pandemia e nada melhor para isso do que invocar a ameaça de um inimigo externo.

O interesse dos Estados Unidos pode ser mais prosaico e imediato.

A repentina paragem da economia mundial fez cessar a necessidade de petróleo, num mercado já inundado de ouro negro. A sobreprodução levou à falta de espaço para armazenamento e à queda brutal de preços. Seria necessário reduzir a produção em vários milhões de barris por dia mas ninguém quer reduzir o seu quinhão do mercado.

O Irão, cuja venda de petróleo tem esbarrado no bloqueio norte-americano, já ameaçou várias vezes a produção do outro grande poder islâmico do Médio Oriente, a Arábia Saudita.

Circunstância que pode subitamente parecer uma tábua de salvação para os produtores norte-americanos de petróleo, ameaçados de uma bancarrota de difícil recuperação.

De acordo com alguns analistas, uma guerra com o Irão, que obrigasse ao encerramento do Estreito de Ormuz, a principal via marítima para o transporte de petróleo, e levasse ao encerramento da produção petrolífera da região do Golfo Pérsico, seria um cenário ideal, pois iria retirar dos mercado, instantaneamente, 20 milhões de barris diários. Um cenário que antes aconselhou prudência pode ser agora o ideal para salvar a indústria petrolífera norte-americana.

O Presidente dos EUA esclareceu entretanto que não tinha alterado as regras de confronto, num aparente recuo à anterior ameaça.

Garantia que não pareceu convencer as forças militares iranianas.

"Estou a avisar os americanos de que estamos completamente determinados e empenhados na defesa na nossa segurança nacional, as nossas fronteiras marítimas, a segurança da nossa marinha mercante e as nossas forças de segurança, e iremos responder de forma resoluta a qualquer sabotagem", afirmou Salami na televisão pública iraniana.

"Os americanos já experimentaram o nosso poder no passado e têm de tirar disso ilações", acrescentou.
A pandemia como uma arma
A ameaça do coronavírus poderia abrir caminho a um novo paradigma de cooperação entre seres humanos à escala global, mas a crise económica que está a provocar poderá acabar por ditar o regresso a estratégias de confronto armado.

Numa referência à recente polémica com um navio porta-aviões norte-americano afetado pela pandemia do novo coronavírus, a qual levou ao afastamento do seu comandante, o ministro dos Negócios Estrangeiros iraniano, Mohammad Javad Zarif, sugeriu que Trump deveria preocupar-se mais em salvar do surto os membros das suas forças armadas em vez de intimidar outros.

"Há mais de 5.000 casos de infeção com Covid-19 nas forças militares dos EUA", escreveu Zarif na rede Twitter. "Além disso, as forças norte-americanas não têm nada que estar a 7.000 milhas de casa a provocar a nossa marinha nas nossas próprias áreas costeiras no NOSSO Golfo Pérsico".

Desde 2018, as tensões entre o Irão e os Estados Unidos têm-se agravado, depois de Trump ter acusado Teerão de violar o acordo nuclear internacional assinado em 2015 pelo seu antecessor, Barack Obama, para evitar que o Irão desenvolvesse armas atómicas.

O Presidente norte-americano ditou o abandono do acordo e voltou a impor sanções económicas a Teerão, ameaçando igualmente quem tentasse subverte-las.

A tensão atingiu um ponto de quase rutura em janeiro, quando um ataque de precisão dos Estados Unidos vitimou o então líder dos Guardas da Revolução, o general Qassem Soleimani, em Bagdade, capital do Iraque.

Teerão retaliou dia 9 do mesmo mês com uma salva de mísseis contra bases norte-americanas iraquianas, causando numa delas danos cerebrais a uma centena de soldados.
pub