Ameaça terrorista "reduzida". Reino Unido justifica retirada do Afeganistão

por Graça Andrade Ramos - RTP
Boris Johnson, primeiro-ministro do Reino Unido, a 7 de julho de 2021 Reuters

"A ameaça que nos levou ao Afeganistão foi muito reduzida graças ao valor e sacrifício das forças armadas britânicas e de outros países", afirmou o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, esta quinta-feira. "Todas as tropas do Reino Unido atribuídas à missão NATO no Afeganistão estão de regresso a casa" e "a maioria do nosso pessoal já saiu", acrescentou.

A saída dos britânicos coincide com a retirada dos Estados Unidos e espelha a de todos os outros países envolvidos na guerra desencadeada contra os taliban há 20 anos, na sequência dos ataques do 11 de setembro, ao perderem o apoio logístico crucial norte-americano. "Temos de ser realistas sobre a nossa possibilidade de influenciar sozinhos o curso dos acontecimentos", admitiu Johnson.

Seguiram-se palavras de escasso conforto para os afegãos. "Vai ser necessário o esforço conjunto de muitas nações, incluindo os vizinhos do Afeganistão, para ajudar o povo afegão a construir o seu futuro", disse Johnson.

"Não estamos a abandoná-los. Vamos manter a nossa embaixada em Cabul e iremos continuar a trabalhar com os nossos amigos e aliados, especialmente o Paquistão, para conseguir um acordo", prometeu o primeiro-ministro britânico.

A decisão é sobretudo política e financeira e desagrada às chefias militares de ambos os lados do Atlântico, que preferiam manter no terreno forças suficientes de apoio ao exécito afegão, para evitar que o Afeganistão volte a ser campo de treino de grupos extremistas islâmicos.
Colapso "plausível"
Pouco depois do discurso de Boris Johnson, o seu chefe de Estado-Maior das Forças Armadas, Nick Carter, reconheceu ser "plausível" que o Estado afegão entre em colapso sem o apoio das forças ocidentais.

O país poderá regressar ao conflito interno que marcou os anos 90 do século XX, "onde se podia ver uma cultura de senhores da guerra e algumas das instituições importantes como as forças de segurança fraturarem-se ao longo de linhas étnicas, tribais", afirmou Carter.

"Se isso suceder, acredito que os taliban iriam controlar parte do país. Mas, claro, não iriam controlar todo o país", garantiu.

Na semana passada, o comandante das tropas norte-americanas em território afegão, o general Austin Miller, alertou mais uma vez para a alta probabilidade do Afeganistão mergulhar na guerra civil.A 25 de junho, após uma reunião em Washington com líderes afegãos, o Presidente norte-americano prometeu apoio apesar da retirada, enquanto defendia ter chegado o momento dos "afegãos decidirem o seu futuro, o que querem".

No terreno a situação degrada-se todos os dias.

Os taliban aproveitaram o fim da presença militar ocidental para lançar uma ofensiva de primavera e têm ganho terreno, sobretudo nas províncias a norte, de onde até agora eram rechassados.

É por isso difícil acreditar que os civis afegãos possam vir a ter a liberdade de escolher o próprio destino. Milhares tiveram de pegar em armas nas últimas semanas para se defenderem dos combatentes taliban perante a fuga dos soldados regulares, como sucedeu sábado passado, quando mais de 300 soldados fugiram no Badaquistão, para o vizinho Turquemenistão, perante o avanço dos insurgentes.

Fontes ocidentais dizem que os taliban capturaram mais de 100 distritos, eles falam em mais do dobro em 34 províncias, correspondentes a metade do país. As principais cidades e as capitais de província mantêm-se, para já, sob controlo governamental.
Retirada concluída em agosto
As perspetivas do Governo de Cabul sobreviver no curto prazo são, contudo, escassas.

Quem o diz são os próprios serviços de informação norte-americanos
, enquanto apontam a fraqueza do exército afegão. A retirada do Afeganistão foi inicialmente planeada pelo antecessor de Joe Biden, Donald Trump. Este condicionou contudo o fim da presença militar a um entendimento entre o Governo de Cabul e os taliban, em negociações iniciadas em setembro em Doha, Qatar.

Joe Biden ignorou os conselhos de todas as chefias militares, incluindo as americanas e anunciou em abril uma saída unilateral até 11 de setembro de 2021 sem qualquer contrapartida.

Em maio, três dias de tréguas entre Cabul e os taliban foram insuficientes para um entendimento de forma a implementar um acordo de princípio obtido em setembro, sem que Washington alterasse os planos de retirada.

O Pentágono confirmou terça-feira que a saída dos militares norte-americanos foi já cumprida "a 90 por cento" e deverá ficar concluida em finais de agosto.
A sua principal base militar no Afeganistão, Bagram, nos arredores de Cabul, foi abandonada no fim-de-semana passado.

Na capital afegã os norte-americanos planeiam deixar 650 tropas, para garantir a segurança da embaixada dos Estados Unidos.
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