Bolton sobre Trump: "Acho que ele é um Presidente amoral"

por Mariana Ribeiro Soares - RTP
Jonathan Ernst - Reuters

Em entrevista ao jornal espanhol El País, o ex-conselheiro de Segurança Nacional John Bolton descreve Donald Trump como um “Presidente amoral” e inculto, que “não tem qualquer interesse” em aprender História.

Depois de ter revelado uma série de detalhes polémicos sobre a governação de Donald Trump, John Bolton volta a não poupar nas críticas ao Presidente norte-americano numa entrevista ao jornal espanhol El País. Desta vez já depois de ter lançado o seu livro, "The Room Where It Happened, A White House Memoir", lançado a 23 de junho, depois de o Governo norte-americano ter tentado impedir, sem sucesso, a sua publicação.

O ex-conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca considera Trump um “Presidente amoral que se concentra nas coisas que o ajudam a uma reeleição, sem necessariamente se basear no que é melhor para os EUA”.

No seu livro, Bolton descreve vários episódios que revelam uma grave falta de cultura por parte do presidente norte-americano. Questionado pelo jornal espanhol sobre como a sua administração reagia nesses momentos, Bolton explica que tentavam sempre corrigi-lo, dependendo da situação:

“Eu expliquei-lhe uma dezena de vezes que a Península Coreana foi dividida em 1945, mas ele nunca reteu isso. Outras vezes não podemos fazer nada, como quando Trump perguntou a Theresa May: “O Reino Unido é mesmo uma potência nuclear?”. Nesses casos só desejas que a conversa de desvie para outro assunto”.

As pessoas já sabem que ele não sabe muito sobre História e não tem qualquer interesse em aprendê-la”, acrescentou Bolton.

Sobre a sua presença assídua na rede social Twitter, o ex-conselheiro de segurança dos EUA não considera que se trate de uma estratégia e responde que “é a sua forma de ser”. “É a sua maneira de se comportar e sempre foi assim, segundo pessoas que o conhecem há décadas. Então, uma vez na Casa Branca, isso não muda”, afirma Bolton.

No entanto, para o ex-conselheiro, alguns dos seus tweets fazem parte “da sua atuação”: “Ele sabe que monta um espetáculo, mas é o mesmo repertório uma e outra vez, o que demonstra que, afinal, é isso que ele sabe fazer. E mostra que ele não pensa com base numa filosofia ou política. É simplesmente como se levanta numa manhã de terça-feira ou como se sente numa tarde de quinta-feira”.
Testemunho “não teria mudado nada”
Na sequência das revelações que Bolton faz no seu livro, os democratas exerceram grande pressão para que o ex-conselheiro fosse chamado a testemunhar no processo do impeachment. Na obra, Bolton implica diretamente Trump no escândalo ucraniano, afirmando que o presidente norte-americano lhe revelou diretamente que a ajuda militar à Ucrânia estava condicionada a uma investigação por parte do governo ucraniano aos seus rivais democratas, especificamente Joe Biden.

No entanto, os republicanos no Senado acabaram por conseguir os votos necessários para travar a chamada de testemunhas no processo e Trump acabou por ser absolvido das acusações. Agora, Bolton afirma que mesmo que tivesse testemunhado, “não teria mudado nada”.

“Os defensores do impeachment na Câmara dos Representantes [de maioria democrata] controlaram muito mal as suas responsabilidades. Se o meu testemunho era assim tão importante, eles teriam emitido um despacho. Eu ofereci-me ao Senado [controlado por republicanos], mas eles decidiram que não iriam chamar testemunhas”, explica Bolton.

Eu não acrescentaria nada de diferente ao que outras pessoas já haviam dito sobre a Ucrânia. De certa forma, penso que é mais importante que as pessoas conheçam a história e tomem as suas decisões”, acrescentou o ex-conselheiro da Casa Branca.

No livro "The Room Where It Happened”, Bolton destaca ainda o papel de Jared Kushner, genro e assessor de Trump. A El País, Bolton considera Kushner o mais influente nas decisões políticas de Trump.

“Diferentes chefes de gabinete tentaram colocar Jared e Ivanka [filha de Trump e esposa de Kushner] na estrutura organizacional normal da Casa Branca e falharam. Um dia, Pompeo [secretário de Estado] disse-me: “No segundo mandato, este poderia ser apenas o espetáculo de Donald, Jared e Ivanka”. E é muito difícil para as outras pessoas discutirem algo com o presidente quando o seu genro lhe diz exatamente o contrário. É um problema ter familiares tão próximos do presidente sem experiência nos assuntos em que se envolvem”, revelou Bolton.
“Percebemos tarde que a China é uma ameaça”
John Bolton considera que a relação dos EUA com a China “é a questão existencial do século XXI”. “De certa forma, todos nós percebemos tarde que a China é uma ameaça, na maneira como organiza a sua sociedade, como joga com diferentes regras na economia internacional, a sua crescente ameaça militar, o perigo representado por empresas tecnológicas como Huawei ou ZTE”, afirmou o ex-conselheiro.

“Durante três anos, Trump tratou de negociar um acordo comercial. Agora, com o novo coronavírus, o seu discurso é mais firme, mas não sei se há uma mudança de estratégia”, disse Bolton, considerando que se Trump vencer as eleições presidenciais a 3 de novembro, “poderá pedir para regressar à mesa de negociações no dia seguinte”.

“Houve uma mudança de opinião pública norte-americana sobre a China. Nos últimos 30 a 40 anos, desenvolvemos uma política baseada em premissas que se revelaram incorretas, de modo que necessitamos de políticas novas, que estão a ser discutidas agora. Mas isso não significa que Trump esteja totalmente envolvido no que o seu Governo faz sobre esse assunto”, acrescentou Bolton.

O ex-conselheiro da Segurança Nacional admite que pensou várias vezes na demissão e teve “a carta preparada durante meses”. Em setembro de 2019, Bolton entregou mesmo essa carta, apesar de o presidente norte-americano ter anunciado a sua demissão na sua conta do Twitter.

“Perguntaram-me muitas vezes porque não me despedi antes, mas outros acreditam que eu tinha o dever de ficar. Posso dizer que estás ali para contribuir para os interesses dos EUA na segurança nacional e ficas reticente em demitir-te, embora a um determinado momento deves tomar a decisão de te demitires porque já não és mais eficaz”, disse Bolton.

O ex-conselheiro admite ter cometido muitos erros durante o seu percurso na Casa Branca, mas considera que “a maior autocrítica é não ter sido eficaz ao impedir Trump de fazer coisas que, em última análise, não beneficiavam a segurança nacional, como as negociações com Kim Jong-un”.

“Na melhor das hipóteses, foi uma perda de tempo e no pior cenário, deram à Coreia do Norte mais dois anos para avançar com os seus mísseis e programas nucleares”, concluiu Bolton.
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