Brexit. UE e Reino Unido preparam-se para prolongar negociações

por Mariana Ribeiro Soares - RTP
Michel Barnier, principal negociador europeu, em Londres Toby Melville - Reuters

O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, preparam-se para prolongar as negociações de forma a tentar preencher as lacunas que impedem um novo acordo comercial. No entanto, a resposta oficial de Boris Johnson será comunicada na próxima quinta-feira, após a reunião do Conselho Europeu, prazo estabelecido por Londres para se alcançar um acordo pós-Brexit.

À medida que se aproxima o prazo final para um acordo sobre as relações com o Reino Unido, os líderes da União Europeia irão reunir-se na próxima quinta e sexta-feira num Conselho Europeu, em Bruxelas, onde deverão propor ao principal negociador europeu, Michel Barnier, a intensificação das negociações de forma a ser fechado um acordo até 1 de janeiro de 2021, segundo informa um documento ao qual a agência Reuters teve acesso.

Por sua vez, espera-se que o principal negociador para o Brexit do Reino Unido, David Frost, admita a Boris Johnson que um acordo comercial com a UE é ainda possível, apesar de difícil, caso o primeiro-ministro britânico descarte o seu prazo de 15 de outubro. De acordo com The Guardian, Frost deverá informar Johnson que mais duas semanas, pelo menos, de negociações poderão resultar num acordo que agrade às duas partes.

No início deste mês, von der Leyen e Johnson estiveram reunidos por videoconferência e concordaram em prolongar por mais um mês as negociações para o Brexit, depois de ambos considerarem que se justifica "um último esforço" para chegar a um acordo comercial. Os dois lados admitiram que "foram feitos progressos nas últimas semanas, mas persistem diferenças significativas, não só no domínio das pescas, mas também em termos de regulação ou de governação".

Por este motivo, a cimeira que decorre nas próximas quinta e sexta-feira deverá concluir que o progresso feito até agora “ainda não é suficiente” para selar um acordo. Para além disso, espera-se ainda que os líderes da UE instem o Reino Unido a implementar o acordo do divórcio na íntegra, uma referência à proposta de lei em debate na Câmara dos Lordes que anula parte do acordo de saída. Após ter conhecimento desta legislação, Bruxelas instaurou um procedimento de infração contra o Reino Unido, dando o prazo de um mês para o país retificar a lei que dá ao executivo britânico poderes para ignorar cláusulas que estão no Acordo do Brexit sobre o comércio da Grã-Bretanha com a província britânica da Irlanda do Norte.

Caso Johnson siga o conselho de Frost, que é tido como quase certo, fontes sugerem que será necessário um maior esforço por parte da União Europeia para que um acordo surja em meados de novembro.
“Próximos dias são decisivos”
No final da reunião no início do mês, um porta-voz de Downing Street afirmou que tanto o primeiro-ministro britânico como a líder do executivo comunitário concordaram quanto à importância de se chegar a um acordo "como uma base sólida para uma relação estratégica UE-Reino Unido no futuro". No entanto, Johnson tem reiterado que a UE deve mudar de posição caso queira um acordo e insiste que o Reino Unido está preparado para sair da fase de transição, que termina em dezembro, sem acordo.

O porta-voz de Johnson, James Slack, salientou que o primeiro-ministro britânico admitiu que embora deseje um acordo nos termos certos, se não se conseguir chegar lá, estará “pronto e desejoso de avançar com um resultado ao estilo australiano”, sublinhando que isso não o preocupa. A Austrália não tem um acordo de comércio abrangente com a UE.

Por sua vez, a UE insiste que é o Reino Unido quem deve ceder e vários líderes europeus admitem que a chegada a um acordo poderá ainda demorar várias semanas.
"Faltam algumas semanas para essa negociação, não alguns dias. Não vejo que possa haver qualquer grande avanço esta semana", disse o ministro dos Negócios Estrangeiros irlandês, Simon Coveney, na terça-feira. Coveney enfatizou que, mesmo para uma relação comercial simples e básica, “há muito trabalho a fazer para as duas equipas de negociação".

“É do interesse de ambos os lados ter um acordo em vigor”, disse Charles Michel, presidente dos líderes da UE, que participará ainda na noite desta quarta-feira numa videochamada, juntamente com Von der Leyen e Boris Johnson, numa das derradeiras tentativas de desbloquear o impasse que dura há meses. “Isto não pode, porém, acontecer a qualquer preço. Os próximos dias são decisivos”, acrescentou Michel.
O que está a impedir um acordo?
A Irlanda está no centro das negociações, uma vez que tem a única fronteira terrestre da UE com o Reino Unido e é muito dependente do comércio de seu vizinho. No entanto, a Alemanha e França também pressionaram o Reino Unido a fazer cedências em três áreas principais das negociações comerciais do Brexit: direitos de pesca, governação empresarial e concorrência. O acesso concedido às frotas de pesca da UE nas águas britânicas após janeiro de 2021 continua a ser uma das principais questões pendentes.

O ministro da Europa francês, Clement Beaune, afirmou que, particularmente no acesso das empresas do Reino Unido ao mercado da UE, o bloco tem de ser muito rigoroso em garantir que as empresas britânicas não sejam capazes de aproveitar-se de regulamentação mínima e subsídios estatais para concorrer em melhores condições do que os rivais continentais. "Caso contrário, teríamos concorrência desleal", alegou Beaune.

O ministro dos Negócios Estrangeiros irlandês lembrou também que, se for aprovado um acordo, Londres precisará de se livrar da legislação nacional que viola o acordo de saída.

De acordo com a agência Reuters, as negociações até ao momento já conseguiram esclarecer potenciais acordos sobre aviação, transporte rodoviário e energia.

Após a saída formal do Reino Unido da UE a 31 de janeiro deste ano, foi negociada uma fase de transição que mantém o acesso do país às estruturas europeias e ao mercado único europeu até 31 de dezembro. Por sua vez, o primeiro-ministro britânico estabeleceu a data 15 de outubro como o limite para a chegada a um acordo. A UE, por seu lado, estabeleceu a data limite efetiva por volta de 1 de novembro, de forma a dar tempo ao Parlamento Europeu para a sua ratificação e tradução. No entanto, segundo a Reuters, a UE pode negociar até meados de novembro para evitar qualquer falha que possa prejudicar seriamente o livre comércio entre o maior bloco comercial do mundo e a sexta maior economia.

Se a UE e o seu antigo parceiro não conseguirem chegar a um acordo, apenas as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), nomeadamente os direitos aduaneiros, serão aplicáveis a partir de janeiro de 2021 às relações comerciais entre Londres e os 27.

c/agências
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