Caso Skripal. Rússia prepara retaliação contra expulsão em massa de diplomatas

por Andreia Martins - RTP
Embaixada russa em Ottawa, no Canadá. Chris Wattie - Reuters

O Ministério russo dos Negócios Estrangeiros garantiu esta segunda-feira que haverá uma resposta proporcional à ordem de expulsão de vários diplomatas russos, na sequência do alegado envolvimento de Moscovo no caso do envenenamento de Serguei Skripal no Reino Unido.

Uma ação "pouco amigável" e “provocatória”. É assim que Moscovo define a decisão dos Estados Unidos e de mais 16 países, que esta segunda-feira anunciaram a expulsão de diplomatas russos, isto depois de o Reino Unido ter acusado a Rússia de envolvimento nos envenenamentos ocorridos em Salisbury, no sul de Inglaterra, a 4 de março.  

“O gesto provocatório de solidariedade com Londres por parte destes países, que decidiram curvar-se perante as autoridades britânicas no chamado caso Skripal, e não se preocuparam em compreender as circunstâncias do que aconteceu, é a continuação de um caminho de confrontação”, lê-se no comunicado do Ministério russo dos Negócios Estrangeiros, divulgado ao início da tarde.

Para os responsáveis pela diplomacia russa, “os aliados da Grã-Bretanha estão a seguir de forma cega o princípio da unidade euro-atlântica, em detrimento do senso comum, das normas do diálogo internacional civilizado e dos princípios da lei internacional”.  

“Não será preciso dizer que este gesto pouco amigável tomado por este grupo de países não vai passar sem resposta”, refere ainda o comunicado.

No Kremlin, o porta-voz Dmitry Peskov falou aos jornalistas e informou que a resposta final será assinada por Vladimir Putin. O Presidente russo vai decidir sobre a resposta a dar com base no princípio da "reciprocidade", disse ainda o porta-voz.  

De facto, a reciprocidade tem sido regra em resposta às ações de punição no Ocidente. mas ainda recentemente a Rússia respondeu à expulsão de 23 diplomatas do Reino Unido, não só com a expulsão de 23 diplomatas britânicos, mas também com o encerramento do British Council, uma instituição pública que promove a língua e cultura inglesas em vários países.  

No Twitter, a Embaixada russa nos Estados Unidos pede aos internautas para que votem num consulado norte-americano na Rússia a ser encerrado.

“A Administração norte-americana ordenou o encerramento do consulado russo de Seattle. Que consulado dos Estados Unidos fecharia na Rússia, se pudesse decidir?”, pode ler-se num tweet publicado esta segunda-feira.  



Só os Estados Unidos vão dar ordem de expulsão a 48 diplomatas e 12 funcionários das Nações Unidas devido às suspeitas de envolvimento russo nos envenenamentos com o agente nervoso Novichok, que visou o ex-espião Sergei Skripol e a filha, Julia Skripal. Mais 18 países, entre eles a Alemanha, França, Polónia, Canadá, Itália e Ucrânia, ordenaram a expulsão de diplomatas russos dos respetivos territórios.  

A Casa Branca diz-se disposta a construir melhores relações com Moscovo, mas avisa que isso só será possível com “uma mudança no comportamento do Governo da Rússia”, ainda que as autoridades continuem a negar qualquer envolvimento no envenenamento de Sergei Skripal.  
"Maior expulsão da história"
A agência Reuters destaca que esta foi a ação mais vigorosa de Donald Trump contra o Estado russo desde que tomou posse, em janeiro de 2017, ainda que o assunto não tenha sido tema de conversa na semana passada, quando o Presidente norte-americano telefonou o homólogo russo para o felicitar pela reeleição, e ainda que as investigações das autoridades norte-americanas continuem a investigar o envolvimento da Rússia nas eleições presidenciais norte-americanas de 2016.

Já o correspondente da BBC Jonathan Marcus, prefere destacar que esta é a mais grave crise diplomática entre a Rússia e o Ocidente desde a anexação russa da Crimeia, em 2014.  

Na verdade, a decisão anunciada em cadeia pelos vários aliados do Reino Unido representa efetivamente a maior expulsão em massa de diplomatas russos desde o auge da Guerra Fria. Até agora, no total, foi dada ordem de expulsão a 107 diplomatas, sem contar com os 23 russos que já tinham sido expulsos pelo Reino Unido:

Estados Unidos (60), Ucrânia (13), França (4), Alemanha (4), Polónia (4), Canadá (4), República Checa (3), Espanha (2), Dinamarca (2), Holanda (2), Itália (2), Estónia (1), Croácia (1), Finlândia (1), Letónia (1), Roménia (1), Suécia (1), Noruega (1), Albânia (1).

Já o MNE português indicou que toma "boa nota" das decisões destes países, mas não deixou qualquer indiciação que seguiria pelo mesmo caminho.
Londres agradece solidariedade
No Parlamento britânico, a primeira-ministra Theresa May considera que esta ação concertada mostra que os países em causa “não vão tolerar as contínuas tentativas de desrespeito da lei internacional por parte da Rússia”.

A governante agradeceu ainda a “grande solidariedade” por parte dos amigos e parceiros da União Europeia, NATO e outros países.  

Também o ministro britânico dos Negócios Estrangeiros elogiou a “extraordinária reação” dos aliados do Reino Unido, descrevendo este movimento como “a maior expulsão de agentes russos da história”, como foi anunciado pelos Estados Unidos esta segunda-feira. 



O caso remonta aos primeiros dias de março, quando Sergei Skripal, antigo responsável do Departamento Central de Inteligência na Rússia, foi alvo de um ataque com um agente tóxico nervoso juntamente com a filha. Os dois mantêm-se internados em estado crítico, mas estável.  

Skripal, o homem que está na origem desta querela diplomática, foi condenado em 2006 a 13 anos de prisão, tendo sido acusado de espiar ao serviço das autoridades britânicas e de colaborar com o serviço secreto britânico, a MI6.  

Na altura, Skripal admitiu ter cedido nomes, moradas e nomes-código de “várias dezenas” de agentes russos às autoridades britânicas durante um período de dez anos.

Quatro anos depois, em 2010, Skripal integrou uma permuta de ex-espiões em Viena, ao estilo da Guerra Fria, onde a libertação de dez agentes plantados por Moscovo nos Estados Unidos implicou a libertação de quatro cidadãos russos. Estava desde enão exilado no Reino Unido.  

Na memória das autoridades britânicas está o envenenamento de Alexander Litvinenko, dissidente de Moscovo e antigo responsável de inteligence, que morreu em Londres, em 2006, depois de ter ingerido uma bebida contaminada com Polonium-210, uma substância radioativa. Mais tarde, uma investigação britânica viria a revelar que o homicídio fora muito provavelmente ordenado pelo Kremlin.  
pub