China prepara acordo para expandir influência económica e militar nas ilhas do Pacífico

por Andreia Martins - RTP
Pequim espera conseguir um acordo com várias ilhas do Pacífico semelhante ao que foi assinado em maio de 2022 com as Ilhas Salomão. Thomas Peter - Reuters

Pequim elaborou um rascunho de acordo para estreitar relações com dez nações do Pacífico, um pacto que levaria a um maior ligação à China a nível económico e de segurança. O entendimento, que se assemelha ao polémico acordo bilateral subscrito por China e as Ilhas Salomão no mês passado, não reúne sequer o consenso entre todas as nações convidadas. Vários outros países, incluindo os Estados Unidos, dizem estar preocupados com a crescente extensão da influência chinesa nesta região do globo.

O esboço do documento, a que a agência Reuters teve acesso, prevê um plano de ação a cinco anos e já foi endereçado a dez nações do Pacífico na antecâmara de uma reunião com o ministro chinês dos Negócios Estrangeiros, que irá decorrer a 30 de maio nas ilhas Fiji.

Na prática, o pacto a cinco anos prevê um maior envolvimento de Pequim nas mais diversas áreas, desde comércio, turismo, cultura, saúde pública e cibersegurança, escreve o jornal The Guardian, que também teve acesso ao documento.

Por via deste acordo, a China e as Ilhas do Pacífico “vão fortalecer os intercâmbios e cooperação nas áreas de segurança tradicional e não tradicional”, nomeadamente ao nível policial e forense. O acordo delineado por Pequim propõe ainda a criação de uma Zona de Livre Comércio entre a China e as Ilhas do Pacífico.

No entanto, entre as nações “convidadas” a integrar este acordo, há pelo menos uma que se opõe à proposta de Pequim. David Panuelo, presidente da Micronésia, considera que o intento de controlo por parte da China vem “ameaçar a estabilidade regional”.

Numa carta enviada a 21 líderes nacionais no Pacífico, o chefe de Estado da Micronésia vincou que o país deverá rejeitar a proposta da China por temer que o acordo possa espoletar uma “Guerra Fria” entre a China e o Ocidente.

Na visão de Panuelo, tal acordo levaria as ilhas do Pacífico “para uma órbita muito próxima de Pequim, vinculando de forma intrínseca todas as nossas economias e sociedades”. Um perigo que seria ainda mais acrescido num contexto de tensões crescentes entre Washington e Pequim devido à questão de Taiwan, acrescentou.

“Os impactos práticos do controlo chinês sobre a nossa infraestrutura de comunicações, o nosso território oceânico e os seus recursos, o nosso espaço de segurança, para além das consequências para a nossa soberania, aumentariam as probabilidades da China entrar em conflito com a Austrália, Japão, Estados Unidos e Nova Zelândia”, alertou.

O entendimento em causa preparado pela China será discutido pelas várias nações do Pacífico e o ministro chinês dos Negócios Estrangeiros nos próximos dias. Entre hoje, 26 de maio, e 4 de junho, Wang Yi vai visitar oito ilhas do Pacífico com as quais a China mantém relações diplomáticas.

Este périplo do chefe da diplomacia chinesa começa já esta quinta-feira nas Ilhas Salomão, que recentemente assinaram um acordo de segurança polémico com a China, que abre a possibilidade de Pequim enviar forças de segurança para as Ilhas Salomão, caso o país o solicite.
Promessas de Camberra

Perante o avanço da influência chinesa, outras potências regionais têm procurado mobilizar-se para conter Pequim. Hoje mesmo, a ministra australiana dos Negócios Estrangeiros viajou para as ilhas Fiji, uma expedição que acontece apenas um dia após a tomada de posse do novo Governo de Camberra.

Em conferência de imprensa, o novo primeiro-ministro australiano, Anthony Albanese, frisou na quarta-feira que as ilhas do Pacífico em causa “são nações soberanas” e que “a sua soberania deve ser respeitada”.

“Mas precisamos de lhes oferecer mais apoio, ou então teremos de lidar com as consequências como sucedeu no acordo com as ilhas Salomão. Sabemos que a China vê esse acordo como o primeiro de muitos”, disse o chefe de governo australiano.

Já esta quinta-feira, no Fórum das Ilhas do Pacífico, em Fiji, a ministra australiana dos Negócios Estrangeiros, Penny Wong, prometeu às nações insulares que irá ouvir as suas preocupações e ansiedades, nomeadamente ao nível climático.

“A Austrália será um parceiro sem amarras ou encargos financeiros insustentáveis”, adiantou a chefe da diplomacia australiana, numa crítica velada a Pequim, que tem sido alvo de condenação por beneficiar de empréstimos regionais considerados agressivos.

Prevêem-se dias intensos de negociações, com o primeiro-ministro das Fiji, Frank Bainimarama, a reunir-se esta sexta-feira com a MNE australiana e na próxima segunda-feira com o MNE chinês.

“Tenho sido questionado sobre a agenda das Fiji. Em qualquer mesa de negociações, o que mais me importa é o nosso povo e o nosso planeta, bem como o respeito pela lei internacional”.


Preocupação em Washington

Questionado sobre o rascunho de acordo e as intenções de Pequim, o porta-voz do Ministério chinês dos Negócios Estrangeiros, Wang Wenbin, não fez referência a qualquer entendimento em preparação, mas indicou que a China e as ilhas do Pacífico “são bons amigos e parceiros que se respeitam mutuamente, de forma igualitária pelo benefício mútuo e desenvolvimento comum”.

As viagens do MNE chinês, nos próximos dias, terão como objetivo “consolidar a confiança política mútua, expandir a cooperação prática e aprofundar os laços interpessoais”, acrescentou o porta-voz.

“Não concordo de todo com o argumento de que a cooperação entre a China e os países do Sul do Pacífico vão provocar uma nova Guerra Fria”, frisou ainda Wang Wenbin.

Em Washignton, Ned Price, porta-voz do Departamento do Tesouro, assumiu preocupação com este tipo de entendimentos entre Pequim e outras nações do Pacífico, sobretudo pelo seu caráter “apressado”, negociados num processo “não transparente”.

O responsável adiantou que os Estados Unidos respeitam a assinatura de acordos e as decisões soberanas das ilhas do Pacífico, mas alertou para os perigos da China.

“Vale a pena lembrar que a República Popular da China tem um histórico de acordos obscuros e vagos, com pouca transparência ou consulta regional, em áreas relacionadas com a pesca, com a gestão de recursos, assistência ao desenvolvimento e, mais recentemente, até mesmo práticas de segurança”, afirmou Ned Price.
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