Diretor da AIEA diz que programa nuclear do Irão sofreu "enormes danos"

O diretor da AIEA invocou esta quinta-feira o seu conhecimento das infraestruturas e da potência das bombas norte-americanas para concluir que as três principais centrais iranianas de enriquecimento de urânio sofreram "danos significativos" com os bombardeamentos dos Estados Unidos e de Israel.

Graça Andrade Ramos - RTP /
Rafael Mariano Grossi, diretor da Agência Internacional para a Energia Atómica Elisabeth Mandl - Reuters

Aos microfones da rádio francesa RFI, o diretor geral da agência da ONU para a Energia Atómica, Rafael Grossi reconheceu as dificuldades de avaliar apenas com base em imagens satélite os danos infligidos ao programa nuclear iraniano, uma vez que os inspectores estão impedido por Teerão de verificar os estragos, in loco.

Mas tem a certeza que, por exemplo, as centrifugadoras da central iraniana de enriquecimento de urânio de Fordo “já não estão operacionais”, em resultado das bombas destruidoras de bunkers. "Há escombros, já não é uma instalação operacional".
As centrifugadoras usadas para enriquecer o urânio são máquinas de alta precisão, vulneráveis a vibrações intensas, disse  Rafael Grossi. “Seria impossível que não sofressem danos físicos importantes. Portanto, podemos deduzir uma conclusão técnica bastante precisa”, explicou.
Mesmo sem acesso aos locais atingidos por parte dos inspetores da Agência Internacional da Energia Atómica, é possível concluir “que houve danos físicos significativos em três locais, Natanz, Isfahan e Fordo, onde o Irão tinha concentrado a maioria das suas atividades relacionadas com o enriquecimento de urânio e a sua conversão”, referiu.

"Nesses locais, sabemos bem qual é a situação. Obviamente, temos de ir até lá e não é fácil", referiu. 

O diretor da AIEA recusou apesar disso confirmar se o programa atómico iraniano foi “eliminado” depois da campanha de bombardeamentos de Israel e dos Estados Unidos. Seria “demasiado” concluir pela destruição do programa, afirmou Grossi, frisando que nem todos os locais de produção e armazenamento nucleares iranianos foram atingidos.

À RFI, o diretor da AIEA revelou ainda que os responsáveis iranianos afirmaram que tinham sido aplicadas “medidas de proteção” para o urânio já enriquecido. Alegações negadas pelos EUA.
Quarta-feira, o próprio Irão reconheceu que as instalações nucleares do país foram "gravemente danificadas" pelos ataques.

Mesmo se o programa nuclear do Irão sofreu definitivamente “enormes danos”, Rafael Grossi preferiu ser mais prudente do que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, o qual afirmou que a central iraniana de Fordo foi “obliterada”.

A eficácia dos bombardeamentos norte-americanos foi posta em causa quando jornalistas dos Estados Unidos revelaram um relatório preliminar dos serviços de informação do país, no qual se atestava que os ataques tinham apenas atrasado “alguns meses” o programa nuclear de Teerão.

O diretor da CIA, John Ratcliff, esclareceu depois que os bombardeamentos “danificaram seriamente” o referido programa.

Quinta-feira, o secretário da Defesa, Pete Hegsteh e o general Dan Caine, chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas norte-americanas, detalharam o planeamento e execução operacional dos ataques, sem avaliações adicionais do seu impacto sobre os locais ou sobre os profissionais presentes nas centrais.

Na entrevista, Rafael Grossi recusou antecipar até que ponto os ataques atrasaram o programa nuclear iraniano. “Talvez décadas, dependendo no tipo de atividade ou objetivo”, afirmou, num eco de afirmações de Donald Trump quarta-feira, na Cimeira da NATO, em Haia.

“É verdade que, com esta redução das capacidades, será muito mais difícil ao Irão continuar ao mesmo ritmo que antes”, reconheceu.
Inspeções em dúvida

Uma das missões da AIEA é monitorizar a atividade nuclear em todo o mundo, mesmo nos países que não assinaram o Tratado de Não Proliferação Nuclear. As relações da Agência com o regime iraniano dos Ayatolas têm sido marcadas por altos e baixos, com as inspeções a serem muitas vezes objeto de negociações árduas. Mesmo antes do início dos ataques israelitas a 13 de junho de 2025, estavam num dos níveis mais negativos de sempre.
 
No decorrer do conflito, os inspetores da AIEA foram proibidos de se deslocarem às centrais nucleares do país. Não se sabe quando e se voltarão a ter. Depois da proclamação do cessar-fogo, 12 dias depois dos primeiros bombardeamentos, o Parlamento iraniano votou pela “suspensão” de toda a cooperação com a Agência e expulsão dos inspetores presentes no país. De acordo com os meios de comunicação social iranianos, a proposta de lei foi já aprovada pelos clérigos, as mais altas autoridades iranianas, e tem agora “força de lei”. A sua adoção poderá ser entendida como um desafio por parte de Teerão.

Na entrevista à rádio francesa, o diretor da AIEA lembrou que, "a presença da Agência no Irão não é um gesto de generosidade. É uma responsabilidade internacional". 

"O Irão é membro do Tratado de Não Proliferação Nuclear e, por isso, deve ter um sistema de inspeção. É uma obrigação legal do ponto de vista do Direito Internacional, que não pode ser suspensa unilateralmente", explicou.

"Espero que não seja o caso, porque, caso contrário, estaríamos à beira de uma nova grande crise", acrescentou Grossi.

O diretor, que classificou como “limitada” a cooperação de Teerão com a AIEA antes da guerra, acrescentou que contactou o ministro iraniano dos Negócios Estrangeiros para debater o possível regresso dos inspetores às centrais nucleares, sem ter obtido resposta até agora.

Israel acusou Teerão de estar a desenvolver um programa nuclear com o objetivo de desenvolver bombas atómicas. De acordo com Grossi, o Irão teria antes da guerra urânio enriquecido num grau e quantidade suficientes para construir "uma dúzia" destes engenhos. Mas, "ainda não tinha uma bomba nuclear".

A comunidade internacional afirma que o regime dos Ayatolas do Irão não pode obter armas nucleares. Teerão rejeita as acusações e mantém que o programa tem fins energéticos pacíficos.
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