Diretora financeira da Huawei detida no Canadá a pedido dos EUA

por Andreia Martins - RTP
Hu Xijin, editor do tabloide estatal chinês Global Times, disse estar chocado com a detenção e considerou na rede social Weibo que se trata mesmo de "uma declaração de guerra" Aly Song - Reuters

Meng Wanzhou, diretora financeira da gigante tecnológica chinesa Huawei Technologies, foi detida pelas autoridades canadianas em Vancouver e enfrenta agora uma possível extradição para os Estados Unidos. A China já pediu a libertação imediata da responsável e prometeu tomar medidas “para proteger os legítimos direitos e interesses dos cidadãos”. Em causa estará uma violação por parte da empresa das sanções impostas pelas autoridades norte-americanas contra o Irão.

Poucos dias depois do acordo temporário entre Donald Trump e Xi Jinping, há um incidente que poderá despoletar a cólera chinesa na guerra comercial entre Washington e Pequim. A responsável financeira, vice-presidente da administração da Huawei foi detida em Vancouver a pedido dos Estados Unidos no último sábado, dia 1 de dezembro, de acordo com Ian McLeod, porta-voz do Departamento de Justiça do Canadá. 

A responsável, filha de Ren Zhengfei - o fundador da Huawei - tem uma audiência marcada para esta sexta-feira e poderá ser extraditada para os Estados Unidos. Entretanto, as autoridades canadianas estão proibidas de divulgar mais informações sobre o caso, com a decisão de um juiz canadiano após solicitação da própria Meng Wanzhou.  

De acordo com o diário canadiano The Globe and Mail, Washington requereu a detenção da CFO da Huawei por alegada violação das sanções impostas pelos Estados Unidos contra o Irão. A Huawei é uma das empresas líderes mundiais em smartphones e equipamentos eletrónicos.  

Em abril, o jornal The Wall Street Journal noticiava a abertura de uma investigação pela justiça norte-americana contra a diretora financeira para averiguar uma possível violação das sanções contra o Irão. Suspeita-se que a gigante chinesa tenha exportado produtos com origem nos Estados Unidos para Teerão pelo menos desde 2016.  

Também a empresa chinesa de telecomunicações ZTE foi sancionada este ano por violação do embargo da Administração Trump contra o Irão, com investigações criminais que remontam a 2012.
China exige esclarecimento imediato
Na reação à notícia da detenção da diretora financeira da empresa tecnológica, o porta-voz do Ministério chinês dos Negócios Estrangeiros, Geng Shuang, exige aos Estados Unidos e ao Canadá que sejam fornecidos “esclarecimentos o mais cedo possível sobre os motivos desta detenção”.  

“A pedido dos Estados Unidos, os canadianos detiveram uma cidadã chinesa que não estava a violar a lei norte-americana ou canadiana. A China opõe-se e protesta firmemente contra este tipo de ações que prejudicam seriamente os direitos humanos da vítima”, pode ler-se no comunicado a Embaixada chinesa em Otava.  

A nota disponibilizada no site da representação chinesa no Canadá exige ainda a “correção imediata da irregularidade” e a rápida reposição “da liberdade pessoal” da responsável. 

“Vamos acompanhar de perto o desenvolvimento desta questão e tomar todas as medidas para proteger de forma resoluta os direitos e os interesses legítimos dos cidadãos chineses”, acrescenta ainda a nota.  

Também em comunicado, a Huawei diz ter sido informada sobre a detenção, mas queixa-se da falta de informações sobre as acusações que recaem sobre Meng Wanzhou.  

“Recentemente, a nossa CFO, Meng Wanzhou, foi detida provisoriamente pelas autoridades canadianas a pedido dos Estados Unidos da América, que querem a sua extradição para enfrentar acusações não especificadas”, refere a nota da empresa citada pelo South China Morning Post.  

A gigante tecnológica refere ainda que a detenção ocorreu enquanto Meng Wanzhou fazia escala em Vancouver, no Canadá.  

Meng Wanzhou, diretora financeira da Huawei, durante uma conferência em Moscovo, em 2014. Foto: Alexander Bibik - Reuters

“A empresa recebeu muito pouca informação sobre as acusações e não tem conhecimento de qualquer irregularidade cometida pela senhora Meng. A empresa acredita que os sistemas legais do Canadá e Estados Unidos vão chegar a uma conclusão justa. A Huawei cumpre com todas as leis e regulamentos aplicáveis nos locais onde opera, incluindo as leis de controlo de exportações e de sanções, e as regulações das Nações Unidas, Estados Unidos e União Europeia”, refere ainda o comunicado.  
Nova crise sino-americana?

O anúncio desta detenção surge menos de uma semana depois da “trégua” de 90 dias na guerra comercial, firmada durante uma reunião entre os Presidentes Donald Trump e Xi Jinping, à margem da cimeira do G20, na Argentina. O encontro entre os dois líderes aconteceu precisamente a 1 de dezembro, dia da detenção de Meng Wanzhou.  

A imprensa destaca que esta não é a primeira vez que os Estados Unidos estão a conduzir uma ação contra a tecnológica chinesa, uma vez que a companhia é vista como uma ameaça à segurança global por ligações ao Governo de Pequim.

Em novembro, o jornal The Wall Street Journal noticiava mesmo que Washington tem tomado várias medidas para impedir e restringir os negócios da Huawei em solo norte-americano, convidando os países aliados a fazerem o mesmo.  

“A China vai ver esta ação como uma escalada contra a Huawei e como uma extradição extraterritorial. Haverá uma tremenda pressão interna para trazer [Meng Wanzhou] de volta”, considera James Mulvenon, da SOS International.  

Hu Xijin, editor do tabloide estatal chinês Global Times, disse estar chocado com a detenção e considerou na rede social Weibo que se trata mesmo de "uma declaração de guerra".

“Os Estados Unidos não conseguem vencer a Huawei no mercado. Não ajam como patifes desprezíveis”, escreveu o editor no Twitter.  


Jia Wenshan, professor na Universidade Chapman na Califórnia, a detenção faz parte de uma estratégia geopolítica global de Donald Trump para conter a China, mas “traz grandes riscos de fazer descarrilar as negociações comerciais entre os Estados Unidos e a China”, disse à agência Reuters.   

Nos Estados Unidos, o senador Chris Van Hollen sublinhou em reação à notícia da detenção que “a Huawei e a ZTE são dois lados da mesma moeda”.

“As empresas de telecomunicações chinas representam um risco fundamental para a segurança nacional norte-americano. (…) Temos de tratar as duas empresas pelo mesmo padrão. Mas mais importante que isso, precisamos de um plano abrangente para responsabilizar as autoridades chinesas e as entidades patrocinadas pelo Estado por violações da lei e por ameaças à nossa segurança ”, acrescentou o senador, citado pelo South China Morning Post.  

Também o senador Ben Sasse, citado no canadiano The Globe and Mail, elogiou esta detenção. “Por vezes, a agressão chinesa é explicitamente patrocinada pelo Estado, outras vezes está disfarçada por supostas entidades do setor privado de Pequim”.  

Em declarações à Associated Press, David Mulroney, antigo Embaixador canadiano na China, prevê represálias contra empresas de Washington e Otava.  

“É algo que podemos esperar. É uma possibilidade. Porque se trata de um membro proeminente da sociedade chinesa e de uma companhia que incorpora a intenção por parte da China do reconhecimento global enquanto potência tecnológica”, considera o diplomata.
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